domingo, 4 de maio de 2014

Todos queremos ser ouvidos

Imagino que muitos não acreditem quando digo que não é pessoal, mas aquele colunista de negócios, que volta e meia cito por aqui, aprontou de novo. Juro que não é pessoal, mesmo. Nem conheço o cara, exceto pela coluna em apreço. Mas é que não consigo admitir tamanha desfaçatez, disfarçada de interesse público. Mas é preciso ser muito tapado para não perceber o evidente chamego com o empresariado, que no entendimento do jornalista deveriam ter todos os direitos e poderes, sem ter suas ações limitadas por nada.

É por isso que as notas do aludido jornalista, permeados pela vetusta, superada e monstruosa perspectiva de desenvolvimento como mero desenvolvimento econômico, desvelam inequívoco desprezo pela proteção do meio ambiente, por cautelas administrativas (p. ex. licenciamento) e pelos interesses de quem não seja dono do capital.

No capítulo de hoje, o camarada me sai com mais esta demonstração de desrespeito a quem está fora do time que paga publicidade:

Protestos contra derrocagem do pedral
Estava demorando. No dia 1º, representantes de colônias de pescadores realizaram protestos, em Itupiranga, contra "o governo federal e empresas privadas, como a Vale e outras que serão beneficiadas pela Hidrovia Araguaia-Tocantins, a partir da abertura do canal do Pedral do Lourenço". Querem ser ouvidos.

Conclusão óbvia acerca da nota: o colunista menospreza a intenção dos pescadores de ser ouvidos acerca das obras. Não lhe interessa que os protestantes sejam pessoas que vivem na região e dependem do rio para promover o seu sustento. Não são empresários, não dispõem de recursos para investir em outro negócio caso o primeiro malogre. São gente simples, que vive do próprio trabalho. Caso as obras de destruição do pedral ou o início de navegação mais intensa no rio modifiquem o ritmo de vida dos peixes, p. ex. levando-os para outros locais, de que viverão essas pessoas? Como sustentarão suas famílias?

É mesmo possível que, em 2014, uma pessoa de boa fé ignore a necessidade de se escutar, para todo grande empreendimento, as populações diretamente atingidas? Para que revelem suas necessidades e receios, a fim de se evitar ou, ao menos, minimizar danos? Minha resposta é não. Como também é negativa para se admitir a ignorância acerca do fato de que ouvir as populações atingidas é uma exigência jurídica, não um favor. O jornalista poderia ao menos se informar um pouco.

Desde a mais tenra infância, todo ser humano deseja se exprimir e ser ouvido. Trata-se de manifestação inerente à condição humana, cuja aceitação indica respeito e cumpre o ideal de dignidade, que é um princípio constitucional. Negar isso é vergonhoso.

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