Lendo matéria sobre as investigações instauradas acerca da agressão perpetrada por três policiais militares contra um rapaz por enquanto desconhecido, fato conhecido graças a um vídeo que correu a cidade há poucos dias, não fico surpreso com a naturalidade com que a sociedade encara a violência policial. Por sociedade, leia-se inclusive autoridades públicas.
A reportagem do Diário do Pará apresenta entrevista com o promotor de justiça militar Armando Brasil, o qual admite estar evidente que os castrenses agiram com "abuso de poder e lesão corporal" contra a vítima, mas classifica o procedimento como "erro".
Meu caro promotor, não houve erro algum na abordagem. Houve dolo. Simples assim. Compreende-se que o rapaz tenha sido abordado, porque a Polícia Militar, sendo responsável pelo policiamento ostensivo da cidade, move-se por suspeições, ligadas a atitudes e à própria aparência das pessoas. Mas não sabemos como os policiais se dirigiram ao rapaz, por isso ignoramos se este respondeu com aparente agressividade com o intuito de desacatá-los ou em reação ao que considerou uma ofensa.
Mesmo que ele tivesse desacatado os policiais, o procedimento seria conduzi-lo a uma delegacia de polícia para lavratura de termo circunstanciado de ocorrência, posto que desacato constitui crime de menor potencial ofensivo. Em vez disso, nossos briosos homens da lei preferiram acrescentar mais um capítulo à longa tradição de arbitrariedades da polícia brasileira, e em especial da paraense, o que tem contribuído sistematicamente para a péssima visão que todos temos dessa instituição.
Imagine a cena: três contra um. Três autoridades armadas contra um cidadão cuja única sorte foi a providencial câmera de outro, que gravou a cena sabe Deus com qual intenção, mas que felizmente tornou pública a arbitrariedade. As agressões foram subindo de nível e culminaram com o desaparecimento da vítima. Passado todo esse tempo, ainda não se sabe dela. Sintomático.
Agora os policiais vão responder por seus atos, com todo o contraditório e ampla defesa que negaram à vítima. Não é justamente esse um dos argumento empregados por quem defende tortura e pena de morte? Merecimento do castigo porque o criminoso não tem coração? Quem é o criminoso agora? É alguém que, além de continuar recebendo dinheiro do contribuinte, contará com o poderoso corporativismo institucional, com a assistência de advogado da associação e por aí vai. Claro que isso não está errado (exceto o corporativismo). Pelo contrário: a defesa deveria ser assegurada sempre, para todos. Mas sabemos que não é assim.
Gela-me a espinha em níveis absurdos pensar que a proteção da sociedade em que vivo depende de pessoas que, à menor contrariedade, sentem-se à vontade para agir com brutalidade, ao ponto mesmo de executar seres humanos sumariamente. Trata-se de uma situação tão assustadora que deveria mobilizar cada brasileiro a rejeitar esse estado de coisas. Mas, é claro, não existe essa mobilização. Ela surge de vez em quando, em situações especiais, ou quando o problema bate na minha porta. No geral, quem se importa com um provável vagabundo tomando porrada da polícia? Para muitos, melhor assim, porque serve de exemplo.
Queria poder me candidatar àquela viagem só de ida para Marte...
Nenhum comentário:
Postar um comentário