quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Um grave desperdício

Brasil desperdiça um dia de aula por semana

Alunos brasileiros perdem em média um dia de aula por semana por conta de desperdício de tempo em sala de aula, gasto com atrasos, excesso de tarefas burocráticas (fazer chamada, limpar a lousa e distribuir trabalhos) e em aulas mal preparadas pelo professor - tempo este que deixa de ser gasto com o ensino de conteúdo.

Essa foi uma das principais conclusões de um estudo recém-lançado pelo Banco Mundial que analisou o trabalho de professores na América Latina e seu impacto sobre a qualidade do aprendizado, a formação dos alunos e o desempenho desses países em rankings internacionais de educação.

A pesquisadora Barbara Bruns, uma das autoras do estudo, lembra que o tempo de interação entre aluno e professor é o momento para qual se destinam, em última instância, todos os investimentos em educação. "Nada desse investimento terá impacto na melhoria do aprendizado, a não ser que impacte sobre o que ocorre na sala de aula", diz ela.

O Banco Mundial avaliou 15,6 mil salas de aula, mais da metade delas no Brasil (classes dos ensinos fundamental e médio em MG, PE e RJ), e calcula que, em média, apenas 64% do tempo da classe seja usado para transmissão de conteúdo, 20 pontos percentuais abaixo de padrões internacionais.

Confira a entrevista que Bruns, estudiosa da educação brasileira há 20 anos, concedeu por telefone à BBC Brasil:

BBC Brasil - O fato de um tempo tão significativo de aula ser perdido ajuda a explicar o desempenho abaixo da média dos países latino-americanos em avaliações internacionais?

Barbara Bruns - Sim, definitivamente é um fator. Em escolas no leste da Ásia, Japão, Cingapura, Finlândia e Alemanha, você não vê professores chegarem à sala de aula sem um material pronto, sem essa percepção de que o tempo precisa ser usado para ensinar e manter os alunos engajados, algo crucial para o aprendizado.

E com frequência nas salas de aula da América Latina parece haver uma falta de organização por parte do professor. Não parece haver a percepção da limitação do tempo e do que economistas chamam de custo de oportunidade de não usar esse tempo para o ensino.

E o tempo entre alunos e professores na sala de aula é o ponto em que culminam todos os investimentos em educação: gastos com salários dos professores, com a formulação do currículo escolar, infraestrutura, material, gerenciamento. Nada desse investimento terá impacto na melhoria do aprendizado, a não ser que impacte no que ocorre na sala de aula.

Vemos que na América Latina muitos países gastam uma proporção alta de seu PIB na educação, e não estão obtendo resultados porque esses investimentos não estão sendo usados (para aprimorar) o momento que os professores têm com os alunos.

Se professores estão perdendo 20% do tempo de instrução com os estudantes, é como dizer que estão sendo perdidos 20% dos investimentos em educação, porque não estão sendo usados para o ensino.

BBC Brasil - Como resolver isso?

Bruns - Primeiro, mudar a forma como o professor é preparado antes de entrar ao sistema de ensino. Na América Latina, há muito pouca ênfase (nos cursos preparatórios) sobre como gerenciar uma sala de aula, como ser um professor eficiente. Ouço com frequência de ministros e autoridades: as faculdades de pedagogia falam muito de filosofia, história da educação, das disciplinas (do currículo), mas muito pouco sobre a prática do ensino.

Fazendo uma analogia com a medicina, ninguém ia querer um médico que fosse treinado apenas em história da medicina e em questões teóricas. Médicos passam vários anos aprendendo como lidar com pacientes reais. Os professores precisam dessa mesma oportunidade de praticar.

E o que vemos em sistemas educacionais de alta performance, desde Cuba – que tem boa tradição de treinamento de professores – ao leste da Ásia e ao norte da Europa, é que professores em treinamento passam muito tempo observando outros professores e sendo orientados. Isso quase não ocorre na América Latina.

Outra coisa que precisa mudar é o apoio a professores que já estão em sala de aula. Eles precisam receber "feedback" sobre sua performance, ver bons exemplos e ser estimulados a compartilhar conhecimento.

O Rio está fazendo isso no Ginásio Experimental Carioca (projeto que traz mudanças em gestão e currículo escolar nos anos finais do ensino fundamental da cidade), mudando o calendário escolar para criar momentos em que os professores se reúnem para trabalhar juntos; ou colocando professores novos para observar os melhores e mais experientes.

Uma das descobertas mais importantes e surpreendentes de nossa pesquisa é que, dentro de uma mesma escola, há grande variação na forma como os professores ensinam – desde o professor excelente até o que é muito pouco eficiente.

Por isso, é preciso encontrar formas de estimular os professores a trabalhar juntos na escola, como fazem no Japão e na Finlândia.

O Banco Mundial tem um projeto com a Secretaria de Educação do Ceará para criar uma comunidade de aprendizado dentro de cada escola. Daqui a um ano saberemos que tipo de impacto isso terá (no ensino) de 350 escolas.

BBC Brasil - A preparação de professores é um dos maiores desafios educacionais da América Latina?

Bruns - Uma das estratégias mais importantes de curto prazo na região deve ser o treinamento de professores para que eles usem o tempo de aula de forma mais eficiente e, além disso, mantenham os estudantes engajados.

Ao observar as salas de aula, descobrimos que, mesmo enquanto os professores estão ensinando, metade do tempo eles não conseguem manter os alunos focados no conteúdo.

Víamos os estudantes dormindo, digitando no celular, conversando entre si, olhando pela janela. E isso jamais seria permitido pelos professores do leste asiático, por exemplo – eles estariam dando um jeito de fazer com que todos estivessem engajados. Sabemos que, para aprender, os estudantes têm de estar engajados.

No longo prazo, porém, o desafio é atrair um novo tipo de profissional à carreira de professor: fazer com que ela seja uma carreira atraente para os formandos de melhor performance (acadêmica), como acontece na Finlândia e Cingapura. Daí ficará muito mais fácil obter professores excelentes.

Já na América Latina e nos EUA, a profissão ficou tão degradada que os professores acabam sendo recrutados entre estudantes de pior performance. Ou seja, é necessário criar incentivos para que pessoas com bom desempenho escolham a carreira.

E também acho que, quanto aos aumentos salariais – e há muitas evidências de que os salários dos professores precisam aumentar para atrair pessoas competentes -, eles devem ocorrer de forma diferenciada (de acordo com o desempenho). Não pode ser que professores bons e professores ruins ganhem a mesma coisa.

É preciso criar incentivos para que as pessoas trabalhem melhor e para que os mais inteligentes entrem na profissão. Na América Latina, a maioria das promoções de carreira é com base em tempo de casa, em vez de desempenho. Então em alguns casos, dois professores ganham o mesmo salário, mas um faz um trabalho excelente e outro não faz nada.

A cidade de Washington fez uma grande reforma educacional, estabelecendo claros parâmetros para a excelência de professores e avaliando professores segundo esses parâmetros. Os que não os cumprissem eram demitidos ou tinham um ano para melhorar seu desempenho. Já os excelentes tiveram seus salários dobrados. Passados quatro anos, mesmo em meio a polêmicas, os professores gostaram (do projeto), e o desempenho dos alunos de Washington passou a estar entre os melhores do país.

Mas é bom acrescentar que o Brasil vive um momento empolgante: muitos secretários de educação e prefeitos querem fazer mudanças. Vemos diversas experimentações e inovações promissoras pelo país. Se conseguirmos medir esses experimentos, teremos (armas) poderosas. Nos 20 anos que estudo o Brasil, pude ver muitos avanços. Mas obviamente há muito a melhorar.

Fonte: http://noticias.terra.com.br/brasil/brasil-desperdica-um-dia-de-aula-por-semana,369198a6b4cc9410VgnCLD200000b1bf46d0RCRD.html

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Idiomas sem Fronteiras

Mais uma ótima iniciativa federal na área da educação: o Ministério da Educação lançou ontem o programa Idiomas sem Fronteiras, de formação e capacitação em sete línguas estrangeiras: inglês, francês, espanhol, italiano, japonês, mandarim e alemão. Também haverá curso de português para estrangeiros. O público-alvo são estudantes, professores e corpo técnico-administrativo de instituições de educação superior, bem como professores de idiomas da rede pública de educação básica.

Há bolsas de estudo envolvidas. Saiba mais clicando aqui.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Em imagens, um horror tradicional

Repare no semblante dessas meninas. São pré-adolescentes da tribo Pokot, no Quênia, e acabaram de sofrer a mutilação clitoriana, uma tradição considerada de extrema necessidade para controle da libido da mulher, que assim fica apta ao casamento, único futuro que a vida lhes reserva.

O fotógrafo Siegdfried Modola, da agência Reuters, foi autorizado a registrar o ritual, produzindo imagens que maltratam qualquer mínima sensibilidade, além de desvelar o confronto entre uma lei que proíbe expressamente tal prática e os costumes locais. Uma prática que opõe valores internos de povos e a concepção internacional de direitos humanos. Uma luta que ainda vai durar muitos anos.

Veja a sequência de fotos, com legendas, clicando aqui.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Plano de fuga

A notícia (vista em http://noticias.band.uol.com.br/brasil/noticia/100000719442/assassino-pedofilo-neozelandes-foge-da-prisao-e-se-esconde-no-brasil.html):

Assassino pedófilo neozelandês se esconde no Brasil

Philip John Smith, de 40 anos, aproveitou indulto para escapar do país

A Polícia Federal e a Interpol tentam capturar um criminoso da Nova Zelândia que fugiu para o Brasil. Ele foi condenado à prisão perpétua por abusar sexualmente de um menino e matar o pai da criança.

Philip John Smith, de 40 anos, cometeu o crime em 1995. Na semana passada, ele recebeu o direito de deixar a cadeia por três dias para visitar parentes e aproveitou o benefício para fugir.

O passaporte do assassino foi renovado enquanto ele estava na cadeia, contrariando as leis neozelandesas. Investigadores acreditam que outras pessoas tenham dado apoio na fugado criminoso, que de Auckland pegou um voo na quinta-feira passada para Santiago, no Chile, e embarcou para o Brasil na sequência.

O assassino chegou ao país aqui pelo aeroporto internacional de Guarulhos, onde ficou por três horas e meia antes de seguir num voo doméstico para o Rio de Janeiro.

O Brasil já foi usado como refúgio de vários bandidos estrangeiros, entre eles o narcotraficante colombiano Juan Carlos Abadia e o britânico Ronald Biggs, conhecido como o ladrão do século 20, que viveram no país às custas do dinheiro de seus crimes.

O caso de Philip Smith é ainda mais complicado, porque o Brasil não tem acordo de extradição com a Nova Zelândia. Se ele for preso aqui, pode até ser enviado para o país de origem, mas sua pena será reduzida.

Além do desconforto pelo fato em si de termos um pedófilo-homicida sofisticado, com a maior cara de estrangeiro, solto nas ruas do Rio de Janeiro, há o incômodo de saber que o Brasil sempre foi um país considerado por criminosos, em face de particularidades de nossa legislação (sobretudo a inexistência de pena de morte para crimes comuns ou mesmo de prisão perpétua) e também, não se pode negar, pela baixa de credibilidade de nossas instituições.

A matéria cita Abadia, preso no Brasil em 7.8.2007 e extraditado para os Estados Unidos em março de 2008, a pedido do próprio criminoso. Não sei qual era o esquema que ele possuía, mas tendo uma pena centenária para cumprir, decorrente de diferentes processos, não se sabe ao certo por onde anda.

Cita também Biggs, carpinteiro inglês que teve uma participação secundária no célebre assalto a um trem postal (Buckinghamshire, 1963), protagonizando depois uma cinematográfica fuga da prisão, com direito a atravessar o Oceano Atlântico e fazer um filho no Brasil, para ter como dependente um cidadão brasileiro e, com isso, ganhar o direito de permanecer por aqui, como de fato aconteceu. Retornou à Inglaterra em 2001, por vontade própria, banzo talvez. Passou oito anos na prisão e ganhou a liberdade devido a suas más condições de saúde. Morreu em dezembro de 2013.

Mas a condição do Brasil de destino dos grandes criminosos é mais antiga. Não podemos nos esquecer do criminoso nazista Josef Mengele, o Todesengel, "anjo da morte" do campo de concentração de Birkenau, onde atuava como oficial médico e desempenhava pesquisas crudelíssimas com seres humanos vivos. Esteve em nosso país desde a década de 1960, exercendo ilegalmente a medicina, e morreu absolutamente impune em 1979, ao se afogar quando nadava nas hoje valorizadas águas de Bertioga.

No que diz respeito a Philip John Smith, ainda jovem e saudável, dá para viver um longo tempo por estas bandas, mas sempre terá sobre si a pressão de regularizar a sua permanência, já que é um estrangeiro. É nesse ponto que talvez ele esteja considerando a ausência de tratado de extradição entre Brasil e Nova Zelândia, seu país de origem.

Lembremos, contudo, que o tratado de extradição não é uma condição indispensável, pois essa forma de saída compulsória pode ser autorizada pelo Brasil sob o fundamento da promessa de reciprocidade. É o que dispõe o art. 76 da Lei n. 6.815, de 1980 (Estatuto do Estrangeiro). O extraditando pode ficar preso enquanto perdurar o processo de extradição, que tramita perante o Supremo Tribunal Federal (EE, art. 84, parágrafo único).

E aqui está o pulo do gato pedófilo, que pode explicar o último parágrafo da reportagem: a comutação da pena.

O EE não permite a extradição para um país que possa aplicar a pena de morte sobre o extraditando, já que a pena capital é vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro. Ocorre que o STF acabou ampliando os efeitos dessa regra e passou a decidir que nenhum estrangeiro será entregue a país se isso implicar em sofrer pena superior ao que seria permitido pela lei de nosso país, ou seja, um máximo de 30 anos de reclusão.

Em julgado recente, de 29.10.2013, a Suprema Corte voltou a decidir que "a entrega do extraditando fica condicionada à formalização de compromisso, pelo Estado requerente, de comutar em pena não superior a 30 (trinta) anos, as penas de prisão perpétua eventualmente impostas ao extraditando e a observância da detração em relação ao período de prisão preventiva no Brasil" (STF, 2ª Turma, Ext 1306/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski).

Em suma, se Smith chegar a ser objeto de um processo de extradição em nosso país, ele somente será entregue às autoridades da Nova Zelândia se sua pena for comutada para um máximo de 30 anos de prisão. Não sei se ele está preso desde que seus crimes vieram a público, em dezembro de 1995. Se estiver, seriam quase 19 anos de encarceramento. Neste momento, restariam pouco mais de 11 anos de cárcere pela frente. Vale dizer, na pior das hipóteses para ele, se for preso no Brasil e extraditado, ele troca uma pena perpétua por uma data certa de liberdade. Um grande negócio, sem dúvida.

O objetivo desta postagem, claro, não é dar margem aos previsíveis ataques à suposta brandura da legislação brasileira, mas tão somente explicar mais ou menos como funcionaria o caso concreto, se houver mesmo um processo de extradição. Juízos de valor deixo a quem quiser, inclusive o próprio pai do criminoso foragido, que declarou à imprensa de seu país: "Letting him out... that was absolute stupidity. (...) The Parole Board still had doubts about him [earlier this year], his risk to public safety. Why they did actually release him is beyond me. Obviously he is a person who is going to be a menace to society whenever he is released."

Acréscimo importante: ontem mesmo (dia 12) o foragido foi preso no Rio de Janeiro, graças a uma cidadã brasileira que soube do caso pela imprensa e avisou a Polícia Federal. Parabéns para ela.

Fontes:

  • http://noticias.terra.com.br/retrospectiva2007/interna/0,,OI2121900-EI10676,00.html
  • http://pt.wikipedia.org/wiki/Juan_Carlos_Ram%C3%ADrez_Abad%C3%ADa
  • http://pt.wikipedia.org/wiki/Ronald_Biggs
  • http://pt.wikipedia.org/wiki/Josef_Mengele
  • http://www.stuff.co.nz/national/10731785/Fugitive-Phillip-John-Smith-carried-cash
  • http://www.nzherald.co.nz/nz/news/article.cfm?c_id=1&objectid=11356339

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Quero ver acontecer!

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Francisco Falcão, afirmou, nesta segunda-feira (10/11), que os tribunais da Justiça Federal pretendem julgar em 2015 todos os processos relativos ao tráfico de pessoas e a condições análogas à escravidão distribuídos até 31 de dezembro de 2012. Segundo Falcão, esta será uma das metas que serão analisadas nesta terça-feira (11/11) pelos presidentes dos tribunais que participam do VIII Encontro Nacional do Poder Judiciário, realizado em Florianópolis/SC. 

“Na Justiça Federal, serão prioritários o julgamento de processos que tratem de crimes relacionados ao tráfico de pessoas e à redução da condição análoga à escravidão”, disse o ministro, ao participar do painel Estratégia Nacional. Falcão destacou ainda a adoção de medidas voltadas para a melhoria do fluxo de informações entre STJ, Tribunais de Justiça estaduais e Tribunais Regionais Federais sobre recursos repetitivos e processos de repercussão geral.

De acordo com o ministro, também foi implantada uma triagem preliminar dos recursos, feita a partir de pressupostos objetivos, tais como defeitos na representação processual, ausência de pagamento de custas, exaurimento e tempestividade dos recursos. “A medição feita no período de teste demonstrou que cerca de 20% da distribuição dos recursos pode ser decidida rapidamente com base nos pressupostos objetivos”, afirmou. As medidas têm por finalidade dar mais agilidade ao julgamento dos processos.

Nesta terça-feira (11/11), os participantes do VIII Encontro Nacional do Poder Judiciário definirão as metas a serem estabelecidas para o biênio 2015/2016 e apresentarão o cumprimento parcial das metas de 2014. Com informações da assessoria de imprensa do Conselho Nacional de Justiça.


Fonte: http://justificando.com/2014/11/11/trafico-de-pessoas-e-situacoes-analogas-escravidao-terao-julgamento-prioritario-em-2015/

São as regras do jogo

Diante da sucessão interminável de idiotices colossais que têm sido publicadas na internet e repetidas à exaustão por muitos que repudiam o resultado das últimas eleições, tenho estado mais propenso a repensar algumas relações agora do que no calor do período eleitoral. Afinal, não é fácil aturar gente que não sente vergonha de passar recibo de imbecil, p. ex. com essa nova moda de classificar tudo de "bolivarianismo". E o que seria isso, mesmo?

Recentemente, até ministro do STF seguiu essa senda e, claro, atiçou as paixões de muitos. Mas se esqueceu, convenientemente, de que indicar os ministros da Suprema Corte é uma das atribuições constitucionais do presidente da República. Ao criticar o fato de que se pode chegar a uma situação em que 10 dos 11 ministros do STF teriam sido indicados por Lula e Dilma, supostamente retirando a independência da corte, o ministro se esqueceu de indicar uma solução. Qual seria ela? Dilma não indicar mais ninguém? E aí acontece o quê? Ficam cargos vagos no STF, uma corte para a qual é vedada a convocação?

Créditos da notícia e da foto aqui.
Com a autoridade de membro da casa e atualmente seu presidente, Ricardo Lewandowski resumiu a questão com uma simplicidade absoluta: "É uma regra constitucional. O povo brasileiro escolheu determinado partido para permanecer no poder durante esse tempo e a Constituição faculta ao presidente da República indicar os membros do STF. Enfim, é uma possibilidade que a Constituição abre ao presidente. É o cumprimento da Constituição".

Nunca é demais lembrar que existem muitas variáveis em jogo. Enquanto temos ministros veteraníssimos, como Celso de Mello e Marco Aurélio, existem outros que antecipam a aposentadoria, como Eros Grau e Joaquim Barbosa. Grau se antecipou em poucos meses, mas Barbosa abriu mão de 10 anos de função. Não é culpa da presidência da República se a vaga abriu. O que não pode é deixar a corte desguarnecida. E também sou forçado a ponderar que, fosse tucano o presidente, aí não haveria problema algum em 100% das indicações terem a mesma origem, não é?

Agora se fala em modificar o modo de provimento dos cargos de ministro do STF e em aprovar a emenda constitucional que eleva a aposentadoria compulsória, de 70 para 75 anos, tudo para cercear Dilma Rousseff. Mas essas medidas não são simples nem seriam implementadas rapidamente, caso aprovadas. Então o que fazer? Deixar os revoltosos comprometerem ainda mais o funcionamento de nossas instituições, para regozijo de sua má-fé?

Veja-se o caso da aposentadoria compulsória. Sou absolutamente favorável ao seu aumento e, diga-se de passagem, Dilma também. Mas ela está bloqueada no Congresso Nacional há anos, por causa de uma indecente atuação corporativa da magistratura e também da OAB, que usa um tacanho argumento de "oxigenação" para defender algo que se resume a reserva de mercado. Olhos voltados ao próprio umbigo.

O fato, meus e minhas, é que o país precisa continuar caminhando. E que o STF, inclusive por meio dos ministros indicados por presidentes do PT, tem dado diversas decisões contrárias ao interesse do governo e do partido. Falar-se em perda da independência é um exagero, um despautério, que tem bem pouca relação com a realidade.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Gotas de Galeano

Sobre Direito Penal e sua Seletividade


latuff

Criminologia

A cada ano, os pesticidas químicos matam pelo menos três milhões de camponeses.
A cada dia, os acidentes de trabalho matam pelo menos dez mil trabalhadores.
A cada minuto, a miséria mata pelo menos dez crianças.
Esses crimes não aparecem nos noticiários. São, como as guerras, atos normais de canibalismo.
Os criminosos andam soltos. As prisões não foram feitas para os que estripam multidões. A construção de prisões é o plano de habitação que os pobres merecem.
Há mais de dois séculos, se perguntava Thomas Paine:
“Por que será que é tão raro que enforquem alguém que não seja pobre?”
Texas, século XXI: a última ceia delata a clientela do patíbulo. Ninguém pede lagosta ou filet mignon, embora esses pratos apareçam no menu de despedida. Os condenados preferem dizer adeus ao mundo comendo hambúrguer e batata frita, como de costume.
Este fragmento faz parte de uma compilação que pode ser lida aqui: 
http://justificando.com/2014/11/07/10-cronicas-eduardo-galeano-para-o-direito/

Política de extermínio?

Em matéria de hoje, a Folha de S. Paulo noticia que, no espaço de 5 anos, a polícia brasileira matou uma média de 6 pessoas por dia. É para botar ponto de exclamação: a polícia brasileira matou 6 pessoas por dia, em média, no intervalo de 5 anos!!! Isso representa mais do que a polícia estadunidense matou em 30 anos.

A informação é do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, segundo o qual as corporações mais matadoras são do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia, nesta ordem. E isso porque o índice de letalidade está diminuindo. Sim, é para colocar novos pontos de exclamação: esses números indicam que a taxa de letalidade está se reduzindo expressivamente!!!

Isso deveria ser roteiro de algum filme de terror, mas é a realidade. É a nossa realidade. E você, como se sente diante disso?

Para ler a matéria, clique aqui.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Coquetelzinho para resolver certas coisas

Uma pequena curiosidade para quem gosta de rock.

A banda californiana de heavy metal Avenged Sevenfold possui, em seu álbum autointitulado (que é um desses raros exemplos de disco excelente da primeira à última faixa; é só colocar e deixar rolar, inclusive em looping), uma canção chamada "Brompton cocktail", que fala sobre alguém muito doente querendo exercer o direito de morrer. Como neste semestre letivo abordei o tema com meus alunos, um dia, escutando a canção, fiquei curioso para saber o significado desse título.

A canção remete ao Royal Brompton Hospital (anteriormente conhecido como Royal Brompton National Heart and Lung Hospital e mais remotamente como Hospital for Consumption and Diseases of the Chest), maior centro de tratamento de doenças do coração e do pulmão, no Reino Unido. Fundado na década de 1840, atendia portadores de doenças infecciosas para as quais não se conhecia cura, como a tuberculose, pacientes esses que deveriam ser mantidos isolados. Trata-se de um hospital histórico e com larga respeitabilidade, hoje um centro de referência também no âmbito da pesquisa.

O "coquetel Brompton" é um elixir usado no âmbito dos cuidados paliativos, ministrado a doentes terminais, mormente os de câncer, para lhes aliviar o sofrimento e permitir alguma interação social no ocaso da existência. É feito com morfina (ou heroína), cocaína, álcool etílico altamente puro e antieméticos (drogas contra náuseas) como clorpromazina. A receita original, surgida no período entre-guerras, foi descrita por Richardson & Baker no livro "A gestão da doença terminal na prática da Medicina" (1956): cloridrato de morfina, cloridrato de cocaína, tintura de cannabis, gim, xarope e clorofórmio.

Pelo que vi nas buscas pela internet que fiz, o coquetel já foi bastante famoso, mas seu uso entrou em declínio à medida que mudava o modo como a Medicina encarava os cuidados paliativos. Talvez para povos de língua inglesa ele seja mais conhecido do que para nós, tornando mais acessível o significado da canção.

Segue um link para um videozinho com a letra: https://www.youtube.com/watch?v=ZPIrGXybLYU

Fontes: 

  • http://apps.nationalarchives.gov.uk/hospitalrecords/details.asp?id=151
  • http://en.wikipedia.org/wiki/Royal_Brompton_Hospital
  • http://en.wikipedia.org/wiki/Brompton_cocktail
  • http://endoflifestudies.academicblogs.co.uk/the-brompton-cocktail-19th-century-origins-to-20th-century-demise/

Princípio da insignificância à americana

Um tema recorrente aqui no blog, agora com um pitoresco e instrutivo caso ocorrido nos Estados Unidos. Lá, a Suprema Corte mostrou uma lucidez que falta, e muito, por estas bandas.

Julgamento de crime de bagatela nos EUA irrita ministros da Suprema Corte

Começaram nesta quarta-feira (5/11), na Suprema Corte dos EUA, as sustentações orais do caso de um pescador que jogou no mar três peixes com menos de 20 polegadas (pouco mais de 50 centímetros), cuja pesca é proibida, para se livrar das “provas”, depois que o tamanho dos peixes fora medido por um agente federal que abordou seu barco. Alguns ministros da corte ironizaram os procuradores do Departamento de Justiça por enquadrar o pescador em uma lei federal que poderia lhe render até 20 anos de prisão, por um crime tão insignificante.
O Departamento de Justiça processou o pescador John Yates, que era o capitão de barco, com base na Lei Sarbanes-Oxley, de 2002. Essa lei tipificou como crime “destruir, alterar ou esconder qualquer registro, documento ou objeto tangível, com o intento de obstruir a investigação de qualquer matéria dentro da jurisdição federal”.
A lei foi criada pelo Congresso Nacional nos rastros do escândalo da empresa de energia Enron. Funcionários da empresa de auditoria Arthur Andersen foram processados criminalmente por destruir documentos que poderiam complicar a Enron na Justiça.
O defensor público John Badalamenti, que representa Yates, alega que a lei não cobre nada mais que a destruição de provas relacionados a crimes financeiros. E que o Departamento de Justiça está “esticando demais” a lei.
Para o Departamento de Justiça, isso não é novidade. Por mais de uma década, os procuradores federais vêm usando essa lei para processar acusados de todos os tipos de crime: de terrorismo a violação da segurança ambiental. Os procuradores alegam que é preciso tomar o sentido pleno do texto da lei. Assim, eles dizem que um “objeto tangível” pode ser “um corpo, mancha de sangue, arma, droga, dinheiro e automóvel” — e, agora, até mesmo três peixes pequenos, de acordo a National Public Radio (NPR), a NBC News e o Washington Times.
A pergunta perante os ministros da Suprema Corte é: “O descarte dos três peixes pequenos no mar pode ser enquadrado na Lei Sarbanes-Oxley de 2002, que proíbe a destruição de qualquer registro, documento ou objeto tangível? Em primeiro grau, Yates foi condenado e sentenciado a 30 dias de prisão. Um tribunal de recursos manteve a condenação e o caso chegou à Suprema Corte, que aceitou julgá-lo provavelmente para discutir — em termos americanos — o princípio da insignificância.
O presidente da corte, ministro John Roberts, perguntou ao procurador Roman Martinez se ele teria coragem de parar alguém na rua e perguntar se um peixe é um “objeto tangível” ou um “documento de registro”, para efeito da Lei Sarbanes-Oxley. Enquanto Martinez buscava uma resposta, o ministro Antonin Scalia interveio, para dizer que ele não obteria uma resposta educada, informou a revista Forbes.
“Que tipo de procurador insensato processa um pescador por jogar três peixes pequenos fora do barco?”, Scalia perguntou. Quando o procurador respondeu que a política do Departamento de Justiça é processar pessoas por crimes sérios, ele retrucou: “Nesse caso, temos de nos preocupar mais com nossas leis”. A ministra Elena Kagan acrescentou: “Isso faz parecer que o Congresso quis estabelecer penas rígidas para qualquer pequena infração”.
John Yates pescava em “águas federais” no Golfo do México, quando o agente John Jones, que fiscaliza a pesca e a vida selvagem na Flórida, abordou seu barco. Yates havia pescado 72 badejos, três dos quais foram medidos por Jones. Como esses peixes não atingiam a medida mínima, ele ordenou a Jones que o seguisse até o porto, onde os peixes seriam apreendidos e ele seria multado — um caso semelhante a uma multa de trânsito.
Em rota para o porto, Yates mandou outro pescador jogar os três peixes no mar. Quando, no porto, o agente recontou os peixes e só encontrou 69, ele percebeu a falta dos três peixes medidos. Interrogou o outro pescador e obteve a confissão de que os havia jogado no mar.
Três anos depois, Yates estava em casa, quando chegaram os policiais em diversas viaturas, com coletes à prova de balas, fortemente armados, o algemaram e o colocaram em um camburão, para levá-lo para a cadeia. Depois dessa cena — e dos 30 dias na prisão —, Yates não conseguiu mais emprego, porque nenhuma empresa de pesca quer contratar alguém “com problemas com os agentes federais”.
Por João Ozório de Melo, correspondente da Consultor Jurídico nos Estados.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2014-nov-06/julgamento-crime-bagatela-eua-irrita-ministros

terça-feira, 4 de novembro de 2014

À moda dos cães que perseguem carros ladrando e, quando os alcançam, não sabem o que fazer com eles

Gostei do texto abaixo, então compartilho.




Boa sorte aos emigrantes!

Dizem que irão para os Estados Unidos ou Europa, talvez imaginando fundar uma 

comunidade a la Leblon, quem sabe presidida pelo Manoel Carlos...

derrota aecio emigrantes vitoria dilma

Cristina Luna*
Após 50 anos do golpe de 1964 e 29 anos depois do fim da ditadura, a nossa democracia
avança aos tropeços, mas avança. Nosso sistema eleitoral é um dos mais eficientes do
mundo e norte-americanos e europeus o analisam, a fim de resolver os seus problemas
em época de eleições. Por isso, dói ver cidadãos brasileiros pregando impeachment logo 
depois do resultado e destilando ódio contra nordestinos, nortistas, pobres e negros.
Dizem que irão emigrar para os Estados Unidos ou Europa, talvez imaginando fundar uma comunidade a la Leblon, quem sabe presidida pelo Manoel Carlos…
Desejo a eles que emigrem e que tenham muita sorte, pois lá terão dificuldade para
arrumarem empregos e problemas com a imigração. Terão que limpar suas próprias
casas, lavar seus banheiros e fazer a própria comida. Talvez não tenham carros e 
nem montadores para os armários comprados nas lojas: terão que montá-los com 
as próprias mãos.
Talvez se surpreendam ao descobrirem que nesses países, desempregados e mais
pobres recebem auxílio financeiro dos governos. Mesmo na Alemanha, uma das maiores 
potências capitalistas, há similares do bolsa família, pagos a indivíduos que não trabalham 
ou que exercem alguma atividade profissional, mas que têm renda reduzida.
Ah, existe também o dinheiro da criança: o “Kinder Geld”.
Alerto também a esses brasileiros, que tenham cuidado: como já viveram os horrores dos
fascismos e da Segunda Guerra esses países possuem leis contra a incitação ao ódio e
têm a tolerância como um dos valores cultivados. Lá, a cidadania funciona melhor e os
emigrados terão que lidar com isso.
Assim, gostaria muito que nós, brasileiros (os que votaram em Dilma e no Aécio),
exercitássemos mais a tolerância e o respeito aos cidadãos e à democracia, que, ao meu
ver, deve ser conservada e aprofundada, apesar da resistência de muitos patriotas que 
não conhecem sequer o significado de uma Res Pública.
*Cristina Luna é carioca, professora de História da Universidade do Estado da Bahia 
(UNEB) e colaboradora em Pragmatismo Político

Fonte: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/11/boa-sorte-aos-emigrantes.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+PragmatismoPolitico+%28Pragmatismo+Pol%C3%ADtico%29

Bacharelado em Relações Internacionais

Vejam só que notícia auspiciosa:

Uepa anuncia a criação do Curso de Relações Internacionais

Nova graduação irá formar bacharéis para atuação em diversos setores e instituições e se apresenta como uma das propostas para o atendimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável do Milênio. Projeto Político-Pedagógico foi apresentado durante Assembleia do Comitê da Organização das Nações Unidas.

Relações Internacionais em Comércio Exterior será o mais novo curso de graduação da Universidade do Estado do Pará (Uepa). O anúncio foi feito pelo reitor, Juarez Quaresma, nesta segunda-feira (3), durante a Assembleia Geral do Comitê Permanente da América Latina para a Prevenção do Crime (Coplad), vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU). Serão ofertadas 40 vagas e a previsão é que o início das aulas seja em 2016.

O Curso se apresenta como uma das estratégias do Comitê para combater a criminalidade mundial que movimenta, por ano, 32 milhões de dólares com o tráfico de drogas, armas, pessoas e pedras preciosas. Desse montante, 5% perpassam pela Amazônia. Daí, a necessidade de estudar e prevenir a criminalidade. “Esta integração da Amazônia, Estado do Pará e ONU é fantástica e vai se suceder por meio de dois polos importantes: um Núcleo da ONU e o curso de Relações Internacionais, que vai possibilitar que os estudantes desenvolvam pesquisas no sentido de ajudar a ONU a combater a criminalidade. A melhor estratégia é formar e preparar jovens com estudo e ciência”, avalia o coordenador geral do comitê, professor Edmundo Oliveira.

Este será o primeiro curso a ser implantado em uma universidade pública do norte do Brasil e o primeiro do país na área. A graduação será presencial e ofertada, inicialmente, em Belém, vinculada ao Centro de Ciências Sociais e Educação (CCSE) da Uepa. Contudo, a expansão será possível por meio da Política de Interiorização da Universidade aliada à demanda social. Ainda será avaliado se o ingresso se dará por meio do Programa de Ingresso Seriado (Prise) ou Processo Seletivo (Prosel) ou ainda uma seleção especial.

“O Estado do Pará, devido a sua dimensão territorial, tem grandes desafios, sobretudo na inserção na comunidade internacional. O profissional que pretendemos formar, por meio de um convênio com o Comitê, que também será um espaço de prática, será capaz de atender às demandas da região e contribuir com as necessidades de um mundo cada vez mais globalizado, além de inserir a Uepa e o estado nas discussões sobre a criminalidade no contexto mundial. O Curso vai tramitar nas instâncias da Universidade, com previsão de aprovação no final do ano na reunião do Conselho Universitário”, explicou o reitor, Juarez Quaresma, durante apresentação do Projeto Político-Pedagógico ao Comitê.

Constituído, inicialmente, para formar diplomatas, o Curso de Relações Internacionais, atualmente, se volta para a qualificação de empresários, técnicos e líderes políticos para atuação em diversos setores. Na Uepa, a graduação assinala um marco na cadeia de inovação ao aliar a percepção pedagógica e diferenciada do universitário para empreender, negociar e tomar decisões em instituições públicas e privadas.

Texto: Ize Sena
Foto: Renata Carneiro
Fonte: http://www.uepa.br/portal/ascom/ler_detalhe.php?id_noticia=1863274

Um passo importante para o nosso Estado, não apenas para a educação, mas para uma sociedade que tem convivido com o drama que é o tráfico de pessoas e de órgãos.

Pai que chora

Sempre fui emotivo, mas a paternidade me tornou uma pessoa ainda mais propensa a lágrimas. Isso é meio inquietante, às vezes, mas precisamos apostar um pouco na sinceridade, também.

Acabei de ler matéria sobre o falecimento do filho de Jô Soares, que ontem prestou ao filho uma homenagem em seu programa. Não vi o programa, faz anos que não vejo, então apenas li a matéria. E me deparei com essa imagem:


Tocou-me profundamente a expressão no rosto do apresentador. Um carinho, uma doçura extrema nesse olhar, permeado pela certeza dos tempos que não voltam mais, tempos que não são necessariamente passados: no presente, ele também não terá mais o filho. Não consigo (e nem quero!) aquilatar o sentimento de quem passa por uma experiência assim.

Só posso, então, desejar que a vida sorria alegrias para Jô Soares e demais familiares, bem como para todos aqueles que viram seus filhos partir.

No vídeo, a voz trêmula de Jô: http://globotv.globo.com/rede-globo/programa-do-jo/v/jo-abre-o-programa-de-forma-diferente-e-faz-uma-homenagem-ao-filho-rafael/3740735/

Deus vai desistir de nós

O Congresso Nacional é uma casa de representação política do povo. Nada mais natural, portanto, que seus integrantes sejam representativos desse povo, o que torna previsível, e até desejável, que surjam as representações classistas. Nada mais natural que, em uma monarquia, haja no parlamento pessoas preocupadas com os direitos da realeza e da aristocracia; ou que não haja ninguém preocupado com índios em países sem população indígena.

O Brasil, com suas notórias imensidão territorial e diversidade étnica, deveria possuir um parlamento de inúmeras cores, origens e sotaques. Mas a verdade é que nunca foi assim. Muito pelo contrário. A formação elitista da população brasileira jamais abriu mão de um way of life marcado pela mais grosseira distinção entre "cidadãos" e "ralé", para usar as expressões do sociólogo Jessé Souza.

Não importa o quão reacionário você seja, não há como negar que a discriminação, no país, era questão jurídica, dentre outros motivos, porque o sufrágio censitário foi uma determinação constitucional, de 1824 a 1891, sem esquecer que a malsinada "Polaca", outorgada por Getúlio Vargas em 1937, negava direitos políticos aos mendigos (art. 117, "c", posteriormente alterado pela Lei Constitucional n. 9, de 1945). Aliás, esse apartheid social era uma questão de origem, por causa das leis legitimando a escravidão.

O perfil do Congresso Nacional sempre foi extremamente elitista, no pior sentido da palavra. Procure saber, por exemplo, o nível de renda dessas pessoas. Procure saber quantos são negros ou quantos são índios (esta é superfácil: nenhum!). Faça um levantamento retroativo e descubra que sempre foi assim. Nem mesmo a relação entre homens e mulheres consegue ser minimamente proporcional. O pleito do último dia 5 de outubro aumentou em 8,51% o tamanho da bancada feminina para a próxima legislatura. Gostou? Então saiba que isso representa um incremento de 47 para 51 mulheres, de um total de 513 cadeiras disponíveis. No Senado, a próxima legislatura deve contar com 13 mulheres, entre 81 cadeiras.

Esses números dependem de algumas suplências. Caso eles se confirmem, em 2015 o Brasil terá 64 mulheres no Congresso Nacional, ou 10,77% dos 594 assentos. Isso em um país que, segundo o Censo de 2010 do IBGE, tinha 51% de mulheres. Daí você me diz se realmente acredita que desse convescote entre mais ou menos iguais podem sair, de fato, políticas igualitárias.

Sem nenhuma coincidência, chegamos a números nada gentis: quantos parlamentares respondem a ações na justiça ou a procedimentos perante tribunais de contas? Segundo o Projeto Excelências, da organização Transparência Brasil, 56,3% dos deputados estão comprometidos; dos senadores, são 50,6%, considerados apenas os parlamentares atualmente na ativa.


Fonte: http://www.excelencias.org.br/@casa.php?tribs

Com horror, vi há algumas semanas a notícia de que a bancada evangélica, no pleito do último dia 5, aumentou em  14%, passando de 70 para 80 autoproclamados servos de Deus. Esse dado contribui para a afirmação mais geral de que, a partir de 2015, teremos a composição mais conservadora desde 1964, como alertou o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), acrescentando à receita militares, policiais e ruralistas.

Eu já joguei a toalha. Os próximos anos tendem a ser muito obscuros no país. Com um congresso desses, somente um presidente igualmente reacionário e comprometido com o atraso humano e social poderia governar com tranquilidade. Qualquer pessoa que pretendesse implementar políticas públicas fundadas nos direitos humanos, em qualquer setor, enfrentaria ingentes resistências. Não são tempos auspiciosos para se pensar nos vulneráveis nem em reforma da legislação penal. Vamos de mal a pior.

Mas, pelo amor de Deus, não me confunda com certos colunistas de revistas ordinárias, que fazem fama denegrindo o Brasil. A despeito deste desabafo conjuntural, continuo sendo um romântico; alguém que tem dificuldade para isso, mas continua sentindo esperança de que, em algum momento, as pessoas cairão em si e as coisas começarão a funcionar. A despeito dos pedidos de intervenção militar.

Mas isso não ocorrerá espontaneamente: dependerá acima de tudo da educação. De uma educação cidadã que comece em casa, nas mínimas atitudes, e que se alastre para a escola, onde deve ser reforçada, e para as demais interações humanas. Certamente por isso acabei fazendo minha escolha por ser um trabalhador da educação. Achei que era o meu lugar. Quero estar no meio disso, quando acontecer.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Carta aberta à rede Cinépolis Belém

Senhores representantes da Cinépolis Belém

Já faz algum tempo, os cinemas dessa empresa começaram a traçar nítida distinção entre as salas do Boulevard Shopping, as quais exibem filmes mais sofisticados, porém de menor apelo comercial (como "O grande Hotel Budapeste", para citar um recente), e onde são concentradas as sessões legendadas; e as do Parque Shopping, relegadas aos filmes mais populares e com sessões predominantemente dubladas.

A irritação com essa atitude tem sido crescente, sobretudo quando se observam semanas em que o Parque Shopping apresenta apenas uma —  tão somente uma! — sessão legendada. Sem uma explicação para o caso, permito-me especular.

O Boulevard é, por enquanto, o shopping mais sofisticado da cidade e está localizado em área nobre da cidade, tendo no seu entorno a população de maior poder aquisitivo. O Parque, por sua vez, localiza-se em bairro periférico e, embora seja administrado pela mesma empresa (a Aliansce), destina-se a um público mais modesto.

A Cinépolis, sendo uma empresa alienígena aqui chegada há menos de quatro anos, talvez não tenha prospectado adequadamente a praça de Belém e tomou decisões tipicamente capitalistas, ou seja, baseadas tão somente em sua perspectiva de maximizar seus lucros, sem a menor preocupação com os interesses da comunidade onde se inseriu.

Ao que parece, a Cinépolis acredita que somente os frequentadores do Boulevard têm educação formal bastante para se interessar por filmes de arte e para ler legendas ou, quem sabe, para treinar a escuta do inglês aprendido nas melhores escolas de idiomas da cidade. Já o público do Parque, parcamente alfabetizado, precisa das sessões dubladas porque mal consegue ler as legendas das comédias rasas ali exibidas. Se for minimamente esse o parâmetro, a Cinépolis tomou uma decisão nada inteligente.

De saída, a atitude é odiosa já pelo fato de ser discriminatória. Mas, além disso, ignora que o Parque se localiza na principal área de expansão imobiliária de Belém, densamente povoada, e onde se situam todos os condomínios horizontais considerados de alto padrão da cidade (Greenville I e II e Montenegro Boulevard, na Augusto Montenegro; Cristalville, na Transmangueirão, e Água Cristal, na Centenário). Não é possivel que a Cinépolis acredite que, nesse universo, não existe público suficiente para sessões legendadas nas salas do Parque.

No próximo ano, deve ser inaugurado o Shopping Bosque Grão-Pará, na confluência da Transmangueirão com a Centenário, portanto na mesma região. Ele promete se tornar o empreendimento mais requintado da cidade. E há rumores de que suas salas de cinema serão exploradas pela United Cinemas International (UCI), uma concorrente de peso. Convém pensar se vale mesmo a pena continuar a tratar os clientes do Parque como consumidores de segunda classe.

Em conclusão, o pedido é muito simples: harmonizem a programação dos cinemas de ambos os shoppings, no que tange à variedade, qualidade dos títulos e proporcionalidade (ao menos isso) entre sessões dubladas e legendadas. Basta isso.

É preciso saber perder

A maturidade que aponta nos cabelos cada vez mais raros e esbranquiçados já me sugeriu falar menos de política. O primeiro motivo é ser coerente com a minha ideia de que não devemos falar sobre aquilo que não sabemos. Como não sou cientista político nem tenho qualquer formação em área afim; como também não trabalho no ramo, acho melhor assumir que, nessa condição, o máximo que posso fazer é emitir alguma opinião, deixando bem claro que se trata tão somente disso mesmo: uma mera opinião. Afinal, de especialistas fundamentalistas sobre tudo a internet já está abarrotada.

Creio ser, todavia, uma conclusão razoável dizer que as últimas eleições foram extremamente difíceis porque as intenções de votos para os dois candidatos à presidência da República eram muito semelhantes, havendo reais possibilidades de qualquer um deles vencer. Segundo amplamente divulgado, Aécio Neves liderou a apuração até 89,9% dos trabalhos, quanto então Dilma Rousseff passou à frente e foi lentamente aumentando a vantagem (ao final, nada expressiva em um contexto nacional), com a apuração dos votos das regiões Norte e Nordeste.

Pode-se afirmar que o resultado da eleição foi bastante coerente com as últimas pesquisas divulgadas e até mesmo com a evidente divisão do eleitorado, observável nas ruas. E também foi coerente com uma controversa tradição brasileira: é muito raro um candidato à reeleição não vencer. No período da redemocratização, isso nunca aconteceu no que tange à presidência. Em nível estadual, isso aconteceu em 2010 com as governadoras Yeda Crusius (RS) e Ana Júlia Carepa (PA), respectivamente as duas piores chefes de Executivo do país, nessa ordem, segundo sondagens da época. Deve haver outros casos, mas desconheço.

Por tudo isso, soa patético o pedido de "auditoria" sobre os resultados das eleições, que o PSDB formalizou junto ao Tribunal Superior Eleitoral, na pessoa do deputado federal por São Paulo Carlos Sampaio, coordenador de campanha de Neves. Bem mais grave do que patético, isto sim é uma afronta real ao Estado democrático de direito.

As reações, claro, foram imediatas. E não me refiro a reações partidárias. Ministro do TSE e corregedor-geral eleitoral, João Otávio de Noronha foi enfático em considerar que o pedido se baseia em mera suspeita e compromete a imagem do processo eleitoral brasileiro. Segundo o ministro, o pedido "não é sério".

Trata-se de um factoide, claro, para desestabilizar o governo e fazer Dilma iniciar seu segundo mandato com ainda maiores dificuldades, além das que inevitavelmente terá por ter que se relacionar com o Congresso Nacional mais conservador desde 1964, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP). Afinal, ao contrário do que assevera a escumalha, para consumo público, não há nenhum interesse público aí, apenas o objetivo de afundar o país para vencer as próximas eleições, a partir da insatisfação geral.

Enquanto o PSDB finge agir dentro da legalidade, milhares de brasileiros mostram que a insanidade não tem limites e vão às ruas pedir o impeachment da presidente reeleita e uma nova intervenção militar!

Que eu saiba, nunca, jamais, em tempo algum e em lugar algum pessoas foram às ruas pedir o fim das liberdades democráticas e sua substituição por atos de exceção. É curioso que esses histéricos, esses imbecis superlativos não pediram uma "revolução" ou coisa do gênero. Pediram simplesmente que os militares tomem o poder. Parece que acabou o estoque de Rivotril, junto com a água do Sistema Cantareira. Algo assim não poderia acontecer jamais; contudo, já que aconteceu, tinha que ser no Brasil, à frente a inacreditável classe média, notadamente a paulista.

Pelo menos, o PSDB já declarou que não apoia iniciativas desse jaez. Isso fica para os surtados das redes sociais, as socialites do YouTube e os cantores fracassados à caça de espaço na mídia. Mesmo assim, no somatório, e considerando que para esses não existe nenhuma política de internação compulsória, resta concluir que o país tem um problema sério, muito sério, e que não será enfrentado com a responsabilidade que ele exige.

Os próximos tempos serão muito difíceis e o caminho provável é o da profecia autorrealizável: depois de sabotar o governo tudo que se puder, quando as coisas derem errado, aí se dirá: "Está vendo? Nós avisamos que ela afundaria o país! Nós estávamos certos! Sempre estivemos. Você só não viu porque é burro demais."

Aguardemos os desdobramentos. Eu, pelo menos, torcendo para que as coisas não desandem. E torcendo também para que, o mais tardar lá pelo carnaval, o brasileiro relaxe e pare de falar e fazer tanta besteira.