segunda-feira, 3 de novembro de 2014

É preciso saber perder

A maturidade que aponta nos cabelos cada vez mais raros e esbranquiçados já me sugeriu falar menos de política. O primeiro motivo é ser coerente com a minha ideia de que não devemos falar sobre aquilo que não sabemos. Como não sou cientista político nem tenho qualquer formação em área afim; como também não trabalho no ramo, acho melhor assumir que, nessa condição, o máximo que posso fazer é emitir alguma opinião, deixando bem claro que se trata tão somente disso mesmo: uma mera opinião. Afinal, de especialistas fundamentalistas sobre tudo a internet já está abarrotada.

Creio ser, todavia, uma conclusão razoável dizer que as últimas eleições foram extremamente difíceis porque as intenções de votos para os dois candidatos à presidência da República eram muito semelhantes, havendo reais possibilidades de qualquer um deles vencer. Segundo amplamente divulgado, Aécio Neves liderou a apuração até 89,9% dos trabalhos, quanto então Dilma Rousseff passou à frente e foi lentamente aumentando a vantagem (ao final, nada expressiva em um contexto nacional), com a apuração dos votos das regiões Norte e Nordeste.

Pode-se afirmar que o resultado da eleição foi bastante coerente com as últimas pesquisas divulgadas e até mesmo com a evidente divisão do eleitorado, observável nas ruas. E também foi coerente com uma controversa tradição brasileira: é muito raro um candidato à reeleição não vencer. No período da redemocratização, isso nunca aconteceu no que tange à presidência. Em nível estadual, isso aconteceu em 2010 com as governadoras Yeda Crusius (RS) e Ana Júlia Carepa (PA), respectivamente as duas piores chefes de Executivo do país, nessa ordem, segundo sondagens da época. Deve haver outros casos, mas desconheço.

Por tudo isso, soa patético o pedido de "auditoria" sobre os resultados das eleições, que o PSDB formalizou junto ao Tribunal Superior Eleitoral, na pessoa do deputado federal por São Paulo Carlos Sampaio, coordenador de campanha de Neves. Bem mais grave do que patético, isto sim é uma afronta real ao Estado democrático de direito.

As reações, claro, foram imediatas. E não me refiro a reações partidárias. Ministro do TSE e corregedor-geral eleitoral, João Otávio de Noronha foi enfático em considerar que o pedido se baseia em mera suspeita e compromete a imagem do processo eleitoral brasileiro. Segundo o ministro, o pedido "não é sério".

Trata-se de um factoide, claro, para desestabilizar o governo e fazer Dilma iniciar seu segundo mandato com ainda maiores dificuldades, além das que inevitavelmente terá por ter que se relacionar com o Congresso Nacional mais conservador desde 1964, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP). Afinal, ao contrário do que assevera a escumalha, para consumo público, não há nenhum interesse público aí, apenas o objetivo de afundar o país para vencer as próximas eleições, a partir da insatisfação geral.

Enquanto o PSDB finge agir dentro da legalidade, milhares de brasileiros mostram que a insanidade não tem limites e vão às ruas pedir o impeachment da presidente reeleita e uma nova intervenção militar!

Que eu saiba, nunca, jamais, em tempo algum e em lugar algum pessoas foram às ruas pedir o fim das liberdades democráticas e sua substituição por atos de exceção. É curioso que esses histéricos, esses imbecis superlativos não pediram uma "revolução" ou coisa do gênero. Pediram simplesmente que os militares tomem o poder. Parece que acabou o estoque de Rivotril, junto com a água do Sistema Cantareira. Algo assim não poderia acontecer jamais; contudo, já que aconteceu, tinha que ser no Brasil, à frente a inacreditável classe média, notadamente a paulista.

Pelo menos, o PSDB já declarou que não apoia iniciativas desse jaez. Isso fica para os surtados das redes sociais, as socialites do YouTube e os cantores fracassados à caça de espaço na mídia. Mesmo assim, no somatório, e considerando que para esses não existe nenhuma política de internação compulsória, resta concluir que o país tem um problema sério, muito sério, e que não será enfrentado com a responsabilidade que ele exige.

Os próximos tempos serão muito difíceis e o caminho provável é o da profecia autorrealizável: depois de sabotar o governo tudo que se puder, quando as coisas derem errado, aí se dirá: "Está vendo? Nós avisamos que ela afundaria o país! Nós estávamos certos! Sempre estivemos. Você só não viu porque é burro demais."

Aguardemos os desdobramentos. Eu, pelo menos, torcendo para que as coisas não desandem. E torcendo também para que, o mais tardar lá pelo carnaval, o brasileiro relaxe e pare de falar e fazer tanta besteira.

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