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quinta-feira, 3 de março de 2022

Nosso amigo Karl

Há poucos dias, vi o filme O jovem Karl Marx (Le jeune Karl Marx, dir. Raoul Peck, 2017), uma cinebiografia que já nas legendas iniciais demonstra admiração pelo biografado. Não creio que force a mão no vício da hagiologia, mas admito que roteiro e direção recortaram aquilo que ajuda a elevar a figura histórica. Não se abordam polêmicas ali; as controvérsias são centradas na perseguição que o filósofo etc. sofreu por suas ideias, que levariam à implosão das engrenagens de poder existentes.

Karl e Jenny: mais ou menos patriarcado.
O filme oferece uma narração informativa, como se o objetivo principal fosse dar a conhecer aquele personagem ao grande público, que certamente desconhece a trajetória de um homem que quase sempre é descrito com ódio e má-fé. Vemos, p. ex., um homem que trabalhava para sustentar sua família, quando não era banido de seus direitos. Mas um destaque muito significativo é a relação de Marx com sua esposa, Jenny von Westphalen, uma garota de família endinheirada, que abriu mão de tudo por sua história de amor. E ela não o fez submissa: era extremamente culta e ajudou ativamente o marido a produzir. O legado de Marx não é  compartilhado apenas com Engels, mas também, e decerto principalmente, com ela.

Eu já havia lido que a relação de Marx com a esposa e com as filhas era carinhosa e respeitosa, o que merece atenção no contexto da época e das dificuldades que a família enfrentava. Mas não passarei pano: Marx pulou a cerca e traiu os deveres do casamento com uma empregada, Helena Demuth, com quem teve um filho, cuja paternidade foi assumida por Engels, a seu pedido. Que feio, Karl. Que feio. Mas não serei eu a exigir perfeição de ninguém. Como nos ensinou a sitcom Brooklin Nine-Nine, olhar nossos ídolos de perto acaba em decepção.

Seja como for, em meio a tantos ídolos de barro (eu nem gosto da palavra ídolo; a meu sentir, não idolatro ninguém), Marx deixou sim um legado que só é negado pelos doidinhos hidrofóbicos. Seu trabalho intelectual é singular e metodologicamente admirável, mesmo que você opte por recusar as conclusões a que ele chegou. 

Nesse clima, achei muito interessante a matéria da sempre bem-vinda Deutsche Welle sobre Karl Marx ser um homem à frente de seu tempo. Ela o afirma em cinco argumentos. Leia aqui. Confira lá, se quiser.

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Pessoas que precisam ser conhecidas #3

Parte de minha mente se recusa a acreditar que pessoas que tiveram a oportunidade de frequentar escolas desconheçam o cientista de múltiplas áreas Carl Sagan, inclusive por ter sido (que eu saiba) o primeiro e ainda hoje o mais famoso divulgador de ciência em mídias de massa. Mas, em tempos de embrutecimento (quis ser elegante e por isso não escrevi "emburrecimento"), pode-se esperar o pior.

Eu era muito criança para me concentrar nos episódios da famosa série Cosmos, exibida na década de 1980, a que meu irmão Hudson assistia com vivo interesse. Mas eu me recordo de uma cena em que o apresentador viajava pelo universo, ao som do maravilhoso tema composto pelo músico grego Vangelis, que ainda hoje me emociona. Ali eu aprendi que havia um Carl Sagan no mundo e que ele era muito importante.

O tempo passou e aprendi um pouco mais sobre ele. Vi o filme Contato (1997) e depois li o livro que o inspirou. Excelentes. Comprei outros títulos do autor, que ainda preciso ler. E confesso que não sabia tudo o que Sagan foi: sua história, seu amor pela educação e seu ativismo social. O vídeo abaixo me surpreendeu com essas nuanças e me fez respeitar muito mais esse grande ser humano.


Nossos agradecimentos, Sagan.

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Pessoas que precisam ser conhecidas #2

Joshua Slocum (1844-1909), navegador e escritor canadense de nascimento, humanista, retratado no vídeo que nos serve de base como o maior marinheiro de todos os tempos, primeiro indivíduo a dar a volta ao mundo sozinho, navegando.


Não sou entusiasta de aventureiros. Mas fiquei encantado com os valores e a dignidade de Slocum, especialmente em um mundo que, quase 111 anos após sua morte, precisa mais do que nunca de valores e de dignidade.

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Pessoas que precisam ser conhecidas

Maurice Hilleman (1919-2005), microbiologista estadunidense, o maior desenvolvedor de vacinas da História.



Sem espaço para os irresponsáveis que se opõem a vacinas, externo a Hilleman nossa gratidão.

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

EGÍDIO



Egídio Machado Sales Filho PRESENTE!
Em: 03/08/2020

O escritório SÍLVIA MOURÃO ADVOGADAS ASSOCIADAS lamenta profundamente informar o falecimento do advogado EGÍDIO MACHADO SALES FILHO, ocorrido neste domingo (2.8.2020).

Os membros de nossa equipe tiveram em EGÍDIO, em diferentes épocas, um prestativo amigo, um notável colega de profissão, um professor de Filosofia do Direito na Universidade Federal do Pará, e de tantos outros saberes por onde passava, um mentor, um chefe no serviço público, que mantinha sua porta aberta aos colegas e ao povo.

Tivemos nele, sempre, um exemplo de cidadão, aguerrido nas lutas por justiça social, por igualdade de direitos e por assegurar voz aos vulneráveis. Mais do que palavras, EGÍDIO materializava suas convicções, por exemplo, advogando gratuitamente para famílias de vítimas da violência ― um papel que, em uma sociedade convictamente desigual, constitui um ato de doação.

Choramos hoje, porque estamos tristes com a sua partida abrupta. Mas honraremos sua memória e legado, lembrando que EGÍDIO era também um companheiro de gargalhadas, de brincadeiras sagazes e de acolhimento. Por ele, e pelos que ele defenderia, seguiremos perseguindo os sonhos que compartilhamos e brindando à vida, com um largo sorriso no rosto.

Ontem, precisei redigir a nota acima, que foi publicada no site de nosso escritório de advocacia (http://www.silviamourao.adv.br/2020/08/03/egidio-machado-sales-filho-presente/). Acabara de saber que nosso amigo Egídio falecera subitamente. Escrevi o texto supra, então, tentando falar também por meus colegas, que viveram experiências diferentes com ele.

Para mim, Egídio foi professor de Filosofia do Direito II, na Universidade Federal do Pará, na virada de 1996 para 1997. Foi um momento complicado. A disciplina deveria ter sido ofertada no nono semestre letivo, porém a carência de professores levou ao seu adiamento para o décimo, o último. Imagine a aflição que uma situação assim provoca na cabeça de concluintes. Sem falar que aumentou o número de obrigações naquela reta final, pois tínhamos uma disciplina a mais, por sinal cursada no turno da tarde (eu era da manhã). Além disso, estávamos com o calendário acadêmico arrasado por uma longa greve ocorrida em 1996. Nosso curso deveria terminar em dezembro daquele ano, mas nossa última aula ocorreu em 6 de março de 1997.

A última aula, a última obrigação acadêmica, foi justamente com Egídio.

Nosso curso não foi nada regular. Egídio estivera profundamente envolvido com a campanha de Edmilson Rodrigues a prefeito de Belém. Edmilson foi eleito e Egídio se tornou secretário de Assuntos Jurídicos. O resultado disso foi que ele ministrou poucas aulas e aplicou uns trabalhos que precisamos desenvolver em grupos, às cegas. Recordo-me das reuniões para tentar entender os textos requisitados. Estavam em Língua Portuguesa, mas eram tão incompreensíveis quanto sânscrito. Imagine concluintes de Direito, preocupados com formatura, conclusão de estágio, empregabilidade, vida futura, etc., tendo que digerir, fora da época correta e por conta própria, uns textos clássicos. Em caso de insucesso, a consequência seria, somente, não se formar. Povo da minha equipe se entreolhava e ria, mas de nervoso.

Passamos o semestre inteiro sem a devolutiva das avaliações. E assim chegamos ao dia 6 de março de 1997, último do calendário acadêmico, sem saber absolutamente nada sobre nosso futuro. Egídio confirmou aula para aquela tarde e avisou que entregaria os resultados. Quem não estivesse aprovado faria prova naquela mesma oportunidade. Ele apareceu, com seu jeito bonachão, mas acho que estava preocupado naquela tarde. As turmas reunidas naquela disciplina especial continham umas figuraças raras e os caras, sabendo que Egídio adorava uma bebida, levaram uma caneca de cerveja! Egídio ficou super sem graça. Sabia que estava ali como professor. Mas cedeu à pressão e tomou um gole da cerveja. Um só, mas rendeu gritos de comemoração. Então entregou os resultados. Dois alunos precisaram fazer prova final. Os demais, eu no meio, foram aprovados. E, com isso, estavam integralizados os nossos créditos. Podíamos nos formar. Imagine a emoção para aquele bando de garotos.

Houve festa depois, pela conclusão do curso. E a vida seguiu. Quatro anos mais tarde, meu caminho cruzou o de Egídio novamente, quando fui nomeado para o cargo em comissão de Procurador Jurídico do Município de Belém. Ele, secretário, era o chefe. Muitas vezes precisei discutir, com ele, os termos dos pareceres que elaborava na Procuradoria Administrativa. Ele tinha muita responsabilidade com o que assinaria. Mas nem por isso deixávamos de dar boas gargalhadas naqueles encontros. Em um deles, agradeci por ter-me aprovado em Filosofia do Direito. Eu realmente não sabia como consegui e acho que foi gentileza do professor. Acho que o deixei sem graça com o comentário.

Fiquei na secretaria por pouco mais de dois anos e saí para me tornar assessor no Tribunal de Justiça do Estado. Mas ainda tive uma última relação com Egídio: fui professor de seu filho Lucas, um rapaz maravilhoso. Nunca mais o vi, algo que lastimo muito. Mas sei que ele sempre esteve firmemente ligado aos colegas advogados do escritório para onde voltei em 2015, nos campos pessoal e profissional. Ou seja, sempre esteve presente. E sempre estará. Porque Egídio é dessas pessoas que, quando partem, deixam um legado, não apenas palavras.

Um brinde, Egídio. Tudo valeu muito a pena.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Eras de um hotel

Houve uma época em que o progresso constituía uma obsessão generalizada e, infelizmente, era percebido como uma ruptura com o passado: você só se tornaria grande e moderno se demolisse, inclusive no sentido literal da palavra, as estruturas e as aparências dos tempos idos. Devido a essa mentalidade hoje execrável, muitas edificações antigas, que hoje teriam valor histórico inestimável, foram arrasadas. Em uma cidade como Belém, que até o presente momento não aprendeu a valorizar o próprio patrimônio, essa realidade é particularmente angustiante.

O tempo passou e, atualmente, vive-se o confronto entre os desenvolvimentistas a todo custo, que são burros, mal intencionados ou ambas as coisas, e aqueles que tentam defender os patrimônios natural e histórico-cultural. Mudanças importantes aconteceram, como as normas sobre tombamento, a despeito de sua baixa eficácia, em muitos casos, por inoperância dos entes responsáveis. Isso explica, p. ex., a perda dos casarões que deveriam ser marca registrada de nossa cidade. Ou o dono os derruba na marra ou os deixa ruir sob o peso do tempo.

Mas é fato que a mentalidade mudou, por isso se pode perceber uma certa consternação a respeito do passado que se perde. A questão vem sendo debatida nestas plagas, recentemente, por conta de um episódio aparentemente prosaico: a expiração de um contrato para exploração de uma marca de hoteis. Voltemos no tempo.

Em 1913, a ainda pujante Belém do ciclo da borracha ganhou uma edificação deslumbrante: foi inaugurado o Grande Hotel, cujo proprietário, Teixeira Martins, também era dono do cinema mais antigo do Brasil ainda em operação, o Olympia, logo ao lado. Foi o primeiro empreendimento concebido no nascedouro para fins de hospedagem e chegou como maior hotel da Região Norte, com cem quartos, restaurante, bar e um famoso Terrasse, repleto de luxo, conforto e inovações, voltado para a lateral do Theatro da Paz1.

A muito conhecida fotografia do Grande Hotel.

Em uma época em que Belém era uma das cidades mais importantes do país, sinônimo de elegância e modernidade, grandes e singulares empreendimentos não surpreendiam por aqui. E eram bem explorados, como o próprio Grande Hotel, que ainda em 1913 ganhou o Palace Theatre, o qual não ficava a dever ao ilustre vizinho da frente em matéria de espetáculos de alta qualidade. Aos domingos, funcionava como cinema.

Pelo ângulo, a foto abaixo2 foi tirada do Edifício Manoel Pinto da Silva (na década de 1970, considerando a demolição do prédio). Mostra o Grande Hotel à esquerda e o Theatro da Paz, à direita, separados pelo túnel de mangueiras da Av. Presidente Vargas. Restaurado, esse monumento traria uma imponência singular àquela região da cidade.


Ainda segundo a matéria jornalística que consultei, o Grande Hotel foi vendido em 1948 para a rede InterContinental Hotels Corporation, o que foi um exemplo da tal modernidade: era a globalização chegando. O nosso foi o primeiro hotel do grupo construído fora de sua sede, Londres3. Mas o seu preço foi começar a adaptar o prédio "aos padrões americanos de conforto, praticidade e eficiência".

Não sei dizer se isso comprometeu o que hoje chamaríamos de valor histórico da edificação mas, seja como for, o pior estava por vir: na década de 1970, o empreendimento foi vendido para dar espaço ao Hotel Hilton Belém, parte da segunda maior rede hoteleira do mundo.

Em 1979. a obra de arte foi demolida, para dar lugar a uma americanidade: uma torre que nada mais é do que um retângulo cheio de quadradinhos como sacadas. Mas dotada de 361 apartamentos e, em minha opinião, decorada com um gosto muito duvidoso. Muito pouco inspirador. Abaixo, uma foto externa bonita, para tentar minimizar o desalento:


E assim, para pessoas de minha geração, o Grande Hotel é apenas uma memória jornalística ou de ouvir falar. Para mim, é como se aquela torre bege estivesse ali desde sempre. Mas a era Hilton, apesar de seus altos (em 2008, o hotel local foi premiado pela matriz como o melhor das Américas em atendimento aos hóspedes), entrou em declínio e agora acabou.

Em seu lugar, a partir de hoje começa a funcionar o Hotel Princesa Louçã. O nome, pomposo e em português castiço, provavelmente será considerado esquisito por muitos. Faz sentido, entretanto, para quem conhece o hino do Pará ("Salve, ó terra de rios gigantes/ D'Amazônia, princesa louçã!"). Segundo o novo empreendedor, trata-se de uma referência às qualidades de nossa região e à hospitalidade do povo paraense. Então tá. Legal mesmo seria o endereço na internet: www.princesalouca.com.br!

Sacou? "Princesa louca"! Mas a pessoa que pensou nisso já foi checar e disse que o endereço será outro.

Como não podemos ter o Grande Hotel de volta, só posso desejar sucesso ao Princesa Louçã. Que gere empregos e promova a nossa cidade. Afinal, somos conhecidos como a "terra do já teve". Não vale a pena perder mais do que já se perdeu.

___________________________
1 Cf.
http://diariodopara.diarioonline.com.br/N-126319-GRANDE+HOTEL++APENAS+HOSPEDES+DA+MEMORIA.html [acesso em 1º.12.2013]

2 Créditos da imagem: http://fauufpa.org/2012/04/30/rara-panoramica-de-belem-grande-hotel-e-reservatorio-paes-de-carvalho/ [acesso em 1º.12.2013]

3 Atualmente, o grupo é dono da marca Crowne Plaza, que mantém três operações no Brasil, uma delas em Belém. Cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Hotel_Hilton_Bel%C3%A9m [acesso em 1º.12.2013]

terça-feira, 29 de abril de 2014

15 anos do curso de Direito

Em 1999, quem quisesse cursar Direito, nesta cidade, só dispunha de duas opções. A primeira era disputar uma das 180 vagas da Universidade Federal do Pará, divididas em duas turmas matinais e duas noturnas. A concorrência girava em torno de 20 candidatos por vaga e o vestibular era considerado exigente. A segunda opção era pagar para estudar na Universidade da Amazônia, que oferecia uma quantidade um pouco maior de vagas. Àquela altura, não havia vestibular no meio do ano, nem provas agendadas ou à distância, nem os méritos dos cursos particulares eram pautados pelo valor da mensalidade.

Naquele ano, o Ministério da Educação autorizou o terceiro curso de Direito da cidade, com 100 vagas. Aprovação tardia, motivou um vestibular fora de época, exclusivo. E assim, em 29 de abril de 1999, as duas primeiras turmas de Direito do então Centro de Estudos Superiores do Pará iniciaram as suas aulas. Em uma delas, estavam os jovens Nirson Neto e Patrícia Freitas, posteriormente professores do curso (hoje, ele é professor da Universidade Federal do Oeste do Pará e ela está licenciada para cursar doutorado). Valorizar os egressos é uma praxe da instituição.

4 meses e 11 dias após aquela aula, eu me tornei professor do CESUPA. E menos de 5 meses depois, entrei nas salas daquelas turmas para lecionar Direito Penal. Dos professores daquela primeira geração, restamos eu e Bárbara Dias, que por sinal foi quem me levou para lá.

O tempo passou e muita coisa mudou na educação superior, por estas bandas. O mercado ditou suas regras e o próprio Direito se transformou significativamente. Nosso curso foi se adequando, experimentando, testando estratégias, mudando a estrutura curricular, ganhando espaço físico próprio, criando uma linha editorial, consolidando uma imagem pública de grande respeitabilidade. Tornou-se o primeiro curso da instituição a ter um programa de mestrado e ganhou visibilidade nacional com as sucessivas vitórias nas competições do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, inclusive fora do país.

São muitas as vitórias que colecionamos, que eu observo com grande alegria, já que passei por todas as fases desse processo (exceto, digamos assim, o período em que o bebê só mamava, pois só me vinculei ao curso em seu segundo ano, ou seja, proporcionalmente, quando o bebê já comia papinha).

Hoje é dia de comemorar. E o curso está, nesta terça-feira, dedicado a isso. Parabéns para todos nós. Acho que estamos fazendo um trabalho bonito. E não sou o único a pensar assim.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Recredenciamento

As exigências do Ministério da Educação sobre as instituições de ensino superior beiram a insanidade. Constituem uma técnica do tipo te pego na curva para tentar coibir instituições privadas que tratam a educação como comércio, que proliferaram desenfreadamente a partir da década de 1990, com o beneplácito do... Ministério da Educação! Claro que, por trás, havia uma política a cargo do governo federal da época.

O fato é que as instituições carreiristas continuam aí, dando o seu jeito de enfrentar as exigências ministeriais. Enquanto isso, as instituições sérias precisam se esforçar muito para, além de cumprir a sua atividade fim, dar conta do MEC. Felizmente, quando o trabalho é sério de verdade, o reconhecimento aparece.

Com grande alegria, recebi esta mensagem na tarde de hoje:

Caríssimos gestores, professores, alunos e colaboradores.
É com imensa alegria e satisfação que compartilhamos com todos vocês o resultado atribuído pela Comissão de Avaliação do INEP/MEC para o Recredenciamento do CESUPA: conceito 5, que corresponde à nota máxima.

Temos a plena convicção de que essa conquista é fruto do empenho e da dedicação competente de cada um de nós, comprometidos com o projeto educacional do CESUPA, planejando, executando e avaliando ações, procurando superar as adversidades e buscando fazer sempre o melhor.

Recebam, assim, nossa manifestação de pleno reconhecimento pelo trabalho coletivo realizado para o cumprimento desta relevante e decisiva etapa para a evolução de nosso projeto institucional.

Parabéns a todos !

Saudações acadêmicas,
João Paulo do Valle Mendes
Reitor do CESUPA

Para os não familiarizados com a área, as autorizações concedidas pelo MEC não são mais definitivas, e sim subordinadas a prazos. Isso tanto vale para os cursos (que primeiro são autorizados, depois reconhecidos e precisam renovar esse reconhecimento periodicamente) quanto para as instituições em si mesmas. Assim, o CESUPA ascendeu de Centro de Estudos Superiores para Centro Universitário, pelo prazo de 10 anos. Havia a necessidade de mostrar seus méritos a fim de continuar nessa condição.

A comissão do MEC esteve no mês passado no CESUPA e vistoriou tudo. Aí está o resultado: fomos recredenciados como centro universitário, com nota máxima, e podemos seguir nossos planos de futuro. E enquanto isso, podemos dizer à sociedade, e em especial aos nossos alunos e a seus familiares, que trabalhamos duro e com muita responsabilidade para merecer a confiança que nos tem sido depositada.

Já disse muitas vezes antes: tenho orgulho de pertencer a essa instituição. Sem dúvida, o Pará ganha com a sua existência.

Parabéns a todos que fazem o CESUPA diariamente.

segunda-feira, 31 de março de 2014

Parabéns aos professores da UNICAMP

É contraditório e constrangedor que títulos honoríficos, seja qual for a instituição que os outorgue, frequentemente sejam imerecidos e, pior, tisnem a honorabilidade da própria instituição outorgante. Talvez algumas pessoas pensem (ou eu pense, por ingenuidade decorrente de miopia adquirida ao longo dos anos de docência) que instituições de ensino seriam mais seletivas e responsáveis na escolha dos seus agraciados. Não necessariamente. Mas uma vez concedida, a homenagem fica para sempre, a menos que inesperadas forças contramajoritárias entrem em ação.

É sob esta premissa que parabenizo os professores da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), que pediram formalmente ao Conselho Universitário a cassação do título de doutor honoris causa outorgado em 1973 ao então Ministro da Educação, Jarbas Passarinho, coronel reformado (não consegui saber de qual Força) hoje com 94 anos.

A moção dos professores da UNICAMP já começa arrasadora:
Afirmando que a honestidade intelectual é um imperativo nas atividades acadêmicas, entendemos que os recursos teóricos da crítica e da autocrítica devem ser permanentemente exercidos, tanto no plano individual quanto das instituições. Fundados nesta premissa, vimos a esta Congregação a fim de manifestar – nesta conjuntura política em que as diferentes Comissões da Verdade buscam conhecer em profundidade episódios recentes da vida política e cultural brasileira – nosso repúdio em face de um fato que compromete os valores democráticos e científicos perseguidos, ao longo de sua história, pela Universidade Estadual de Campinas. Os signatários desta Moção estão convencidos que a concessão do título de Doutor Honoris Causa ao então Ministro da Educação Jarbas Passarinho – na reunião extraordinária do Conselho Diretor da Unicamp de 30 de novembro de 1973 – não foi acertada do ponto de vista acadêmico nem pertinente sob a perspectiva dos pressupostos e padrões da convivência democrática.
Foto da Sala de Imprensa da UNICAMP, obtida na internet,
mostra o então ministro da Educação conversando
amistosamente com o reitor daquela instituição.
Os professores destacam o intenso envolvimento de Passarinho com os atos dos golpistas, a ponto de ser um dos subscritores do hediondo Ato Institucional n. 5, cuja adoção foi justificada, por ele mesmo, em reunião do Conselho de Segurança Nacional com uma frase sintomática e escandalosa, hoje muito conhecida: "Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência". Ressaltam, ainda, que Passarinho jamais fez qualquer autocrítica e continua se orgulhando das ações dos militares, por meio de manifestações (inclusive livros publicados) que o colocam como defensor do "terrorismo de Estado".

Aduzem que, como ministro de Estado, Passarinho foi responsável direto pela perseguição a intelectuais e a servidores públicos (professores e pessoal administrativo) e estudantes, que foram expulsos das universidades, além de implantar, em 1971, as Assessorias de Segurança e Informações em todas as universidades federais. Não bastasse isso, trabalhou pela privatização do ensino superior.

Se estamos em período de revisão histórica, devemos fazê-la por completo, corrigindo os erros do passado, tais como glorificar o que merece ser execrado. E nada mais adequado do que essa tarefa ter, na dianteira, as universidades, justamente um dos foros mais duramente atingidos pelos governos de exceção e de onde saíram inúmeras de suas vítimas. Inclusive porque possuem o dever institucional de promover o conhecimento e o aprimoramento da sociedade.

Em página do Senado, estão listadas homenagens prestadas a Passarinho, havendo 13 títulos de doutor honoris causa. Além da UNICAMP, também cometeram esse desatino, no Brasil, as universidades do Pará (onde o cidadão foi governador nomeado pelos militares), Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, pelas Católicas da Bahia, Recife e Goiás, e pelas PUC do Rio Grande do Sul e de Petrópolis ; e no exterior, a Universidade Autônoma de Guadalajara (México), esta última por sinal me deixando bastante curioso quanto a sua motivação.

Leia a íntegra da nota dos professores e informações sobre Passarinho clicando aqui.

***

Fica a dica para a minha querida UFPA. Por oportuno, vale a leitura desta postagem do Blog do CJK.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Fogão em acidente de trânsito

Se eu dissesse que duas pessoas morreram, em uma rodovia, devido a um acidente de trânsito provocado por um fogão, é provável que a primeira reação fosse de dúvida e incredulidade. Como assim? Qual a relação entre um acidente rodoviário e um fogão? Em princípio nenhuma, não fosse pela mania das pessoas de transportar objetos, inclusive grandes e perigosos, de maneira inadequada. Aí o fogão cai do veículo no meio da pista e o condutor do carro, tentando evitar uma colisão, perde o controle de seu veículo e acaba morrendo em condições trágicas.

O culpado pelo sinistro desapareceu na noite. Ao ver as implicações de seu ato, preferiu sumir. Afinal, o que é um fogão perto do tamanho da responsabilidade que ele teria diante de tão grave ocorrência? Foi irresponsável no transporte do equipamento, foi desumano em sua covardia. Duas famílias lamentam suas perdas brutais e não terão o conforto das respostas. Espero que alguém surja revelando a identidade do culpado, porque por enquanto não há testemunhas nem outros meios de prova.

Faz-me lembrar aquele desastre horroroso ocorrido na estrada de Salinas (PA-124), em julho de 2008, no qual cinco jovens morreram carbonizadas. A manobra imprudente de um sujeito levou à tragédia e, até hoje, nunca se chegou ao culpado. Ninguém teve a dignidade de apresentá-lo, já que ele não teve a decência de assumir os seus atos (como fez, p. ex., esta cidadã aqui). Só podemos desejar que sua consciência pese todos os dias, embora isso seja pouco provável.

Esses dois episódios retratam a guerra diária que este país enfrenta no trânsito, sem que se consiga colocar o dedo na ferida: enquanto as pessoas não mudarem de atitude, teremos que continuar a conviver com esses dramas. Não é a lei, nem a fiscalização, nem nada que soe a responsabilidade jurídica: são as pessoas que precisam mudar e passar a ter o sentimento de compromisso, de respeito pelo semelhante, além de por si mesmas, já que o próprio condutor imprudente pode ser a vítima. Ou alguém que ele ame e com quem se importe.

Juro que, se eu soubesse a identidade dos culpados por esses acidentes, eu os entregaria sem hesitação. E não teria problema algum em olhar na cara do sujeito e de seus familiares e dizer: esse é o certo a se fazer. Assuma seus atos. E deixe que aqueles que choram encontrem o fechamento que seja possível em seu luto.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

45 anos de uma tragédia insepulta


Assim como hoje, a data de 13 de dezembro, em 1968, foi uma sexta-feira. Ainda faltavam 12 anos para que chegasse aos cinemas o primeiro filme da famosa (e trash) série de cinema protagonizada pelo psicopata Jason Voorhees, mas a data já era associada a azar e infortúnio, por razões místicas (13 se segue a 12, um número considerado perfeito).

Para o Brasil, não houve ficção. Já imerso na ditadura militar, naquela sexta-feira 13 o país mergulhou nos chamados "Anos de Chumbo", por meio do Ato Institucional n. 5, trazendo o aumento da repressão sobre tudo que pudesse contrariar os interesses dos psicopatas aboletados ilegalmente no poder.

O quadro acima (integrante desta matéria aqui) mostra dez atividades que o AI-5 não permitiria que fizéssemos. Como se pode ver, você com certeza seria afetado em mais de um item. Eu, p. ex., nunca fiz greve nem usei camiseta do Che Guevara, embora simpatize com o personagem. Quanto ao resto, fica mais do que evidente que a vida seria muito difícil, insegura e sem graça.

Esta é uma data para recordar, na perspectiva de nunca esquecer para não repetir. Infelizmente, a ditadura militar ainda é um cadáver insepulto, já que subsistem muitas pessoas, de diferentes gerações, que continuam apoiando o regime de exceção, uma espécie de patologia psiquiátrica nunca estudada, mas que deveria ser tratada com os métodos que a ditadura usaria contra os "subversivos" e pelo mesmo motivo: o bem da nação.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Homenagem ao nosso querido Ney

Foi bela e emocionante a homenagem prestada ontem à noite ao nosso saudoso colega de docência, Prof. Ney Sardinha, como parte das atividades da XIII Semana Jurídica do CESUPA, que lhe foi dedicada.

Contando com a presença de familiares do Ney, ouvimos um tocante discurso feito pelo Prof. Adelvan Olivério, que foi aluno, monitor e amigo do mestre, tornando-se professor da mesma disciplina (direito constitucional). Um grande representante para falar em nome do grupo. Suas palavras primaram pela informalidade, alegria e sinceridade. E ele ainda teve a delicadeza de convidar a aluna Clarissa, última monitora do Ney, para se pronunciar. Emocionada, ela se justificou dizendo que não tinha um "discurso bonito" como o de Adelvan, mas foi linda falando de improviso, dando o seu depoimento pessoal sobre um ano de convivência acadêmica que marcou sua vida para sempre.

Após os discursos, inclusive do nosso vice-reitor, Prof. Sérgio Mendes, a filha de Ney, Aline Bentes, e sua mãe descerraram a placa que nos trouxe de volta a visão do sorriso do grande amigo, sacramentando o nome do auditório, que foi dado ainda sob o impacto da notícia de seu falecimento, em 4 de maio último.

Foi destacado que o CESUPA não deixou para proclamar seu reconhecimento ao Prof. Ney Sardinha após a sua morte: ele já fora homenageado em 2009, por ocasião da IX Semana Jurídica, no qual também aconteceu o nosso I Seminário Internacional. Um grande evento, inteiramente dedicado ao mestre de gerações, contando com sua presença, que proferiu a conferência de abertura.

Como destacado pelo Prof. Sérgio, nós temos memória. E em se tratando do Ney, as memórias que ficam são as melhores. E sob o seu patrocínio, seguimos os trabalhos da noite, seguiremos as nossas vidas e, como já dizia a linda canção da Legião Urbana,

"os nossos dias serão para sempre".

sábado, 19 de outubro de 2013

Vinícius para sempre

Meu poeta brasileiro favorito se chama Marcus Vinícius de Moraes, nascido na capital carioca há exatos 100 anos. O centenário foi amplamente lembrado hoje e até virou um doodle do Google.

Mais conhecido como poeta e compositor, havendo uns tantos vídeos disponíveis na internet em que ele aparece cantando, também foi dramaturgo e jornalista. Em 1943, foi aprovado em disputado concurso público para a carreira diplomática. Serviu nos Estados Unidos e em Portugal, mas em 1946, por causa de sua coragem e de suas ideias à esquerda, foi exonerado em situação de perseguição política.

Por meio da Lei n. 12.265, de 2010, foi promovido post mortem a Ministro de Primeira Classe da Carreira de Diplomata, o que beneficiou diretamente os seus herdeiros. Uma reparação para uma injustiça. Mas o Poetinha, como era conhecido, vive mesmo no coração dos brasileiros, através de alguns de seus poemas, que são muito populares.

Vinícius já foi mencionando, aqui no blog, em mais de uma ocasião: excerto de "Pátria minha", o lascivo "Soneto do caju", "Soneto a quatro mãos", "Ternura" (meu poema favorito de sua lavra), "Balada do enterrado vivo" e "O operário em construção".

O Poetinha nos deixou em 9 de julho de 1980, aos 67 anos, por causa de um edema pulmonar, sem dúvida alguma pleno de poemas que deixamos de ler. Recordo-me do prazer que tive ao percorrer a casa em que ele viveu, hoje transformada em um museu. E foi durante a minha lua de mel, uma ocasião muito propícia a celebrar o poeta, como ele celebrava tão lindamente. Eu não poderia deixar este dia acabar sem prestar a minha reverência.

Para saber mais: 

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Você sabia?

O mais longevo ministro da história do Supremo Tribunal Federal foi o pernambucano Hermínio Francisco do Espírito Santo (9.5.1841-11.11.1924). Foi chefe de polícia e juiz de carreira, de acordo com as normas vigentes em seu tempo, tendo tomado posse no STF em 17.11.1894.

O ministro morreu em pleno exercício da presidência da Suprema Corte, a seis dias de completar 30 anos na função. Tinha 93 anos e nunca houve acusações de que estivesse inapto para o exercício de suas elevadas funções.

Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/ministro/presidente.asp?periodo=stf&id=183

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Dia Nacional da Matemática

Entrou em vigor hoje, quando de sua publicação, a Lei n. 12.835, de 26.6.2013, que institui a data de 6 de maio como Dia Nacional da Matemática. Legal, não? Mas talvez você se pergunte: a novidade serve para quê, mesmo? Respondo: para que o Poder Executivo incentive "a promoção de atividades educativas e culturais alusivas à referida data". E só. Esse é todo o conteúdo da lei.

Aliás, leis instituindo dias disso e daquilo são abundantes em todos os níveis federativos e têm em comum o fato de que não servem para nada.

Vale ao menos destacar que o dia 6 de maio foi escolhido por marcar o aniversário de nascimento de Malba Tahan. Os poucos brasileiros que já escutaram esse nome certamente o relacionam ao famoso livro O homem que calculava. Esses poucos brasileiros talvez acreditem que Malba Tahan era algum pensador indiano ou coisa que o valha.

Na verdade, Malba Tahan é o pseudônimo do matemático, professor e escritor Júlio César de Mello e Souza, nascido no Rio de Janeiro em 1895 e falecido no Recife, em 18.6.1974. Este grande e pouco conhecido (pelo público em geral) compatriota ganhou renome internacional por difundir o conhecimento da Matemática de modo leve e lúdico, através de mais de uma centena de livros.

Suas tramas reuniam aventura e recreação matemática, consideradas muito instigantes para fins educacionais.Você pode saber mais sobre ele no site específico, que por sinal disponibiliza desafios matemáticos. Um doce entretenimento para quem gosta e tem cacife.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Baratas na cabeça

Um setor intelectual e moralmente prejudicado do povo brasileiro gosta de expressar o seu saudosismo em relação aos tempos da ditadura militar. Segundo eles, tudo era melhor naqueles tempos, especialmente, é claro, o modo como se combatia o "crime".

Aqui no Pará, além desse defeito de caráter tradicional, existe uma variante: "Bom era nos tempos do Barata!"

O débil refere-se a Joaquim de Magalhães Cardoso Barata (1888-1959), que foi interventor federal, senador e governador de nosso Estado. Existe uma lenda, já desmentida por historiadores, segundo a qual Barata determinou que ladrões (sei lá se outros criminosos também) fossem postos num navio e levados para alto-mar, onde por fim seria lançados às águas para virar comida de tubarão!

O previsível resultado disso é que a escumalha sanguinolenta e dona da verdade adora dizer que sente saudades do Barata, por causa de algo que ele nunca fez. De minha parte, quando vejo alguém manifestando esse sentimento, só consigo pensar que fazer o mesmo com o sujeito seria uma ideia legal, exceto pelo fato de que seria crime ambiental e os pobres tubarões merecem comer coisa melhor.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

A brecha não funcionou

No ano passado, fez sucesso nas redes sociais o vídeo de uma capixaba de 19 anos que, altamente embriagada, envolveu-se num acidente de carro e, abordada por policiais, protagonizou uma cena ridícula, com direito a tentar fumar dinheiro e ligar o carro usando um canudo plástico. Para variar, a desgracenta era estudante de direito e prestou um desserviço à categoria colocando-se numa postura superior, acima da responsabilidade, além de dizer que estudantes de direito sabem encontrar as brechas da lei.

Na época, comentei com amigos que, fosse minha filha, essa moleca ia se arrepender do dia em que pôs a primeira gota de álcool na boca, mesmo que fosse um simples Listerine (só uso colutórios 100% sem álcool). E tinha curiosidade de saber que fim teve tão honorável criatura. Minha curiosidade, enfim, foi saciada.

A estudante não sofreu processo nem foi condenada, mas não foi necessário recorrer às brechas da lei; ao contrário, bastou aplicar a lei vigente. Como os delitos que contra ela pesavam eram de menor potencial ofensivo, foi possível recorrer aos benefícios da Lei n. 9.099, de 1995, e por meio de transação penal (a reportagem fala em "acordo"), ficou decidido que ela prestará 6 horas semanais de serviços à comunidade, durante 4 meses, no Hospital da Polícia Militar de sua cidade, Vitória.

Chamou-me a atenção que a reportagem, ao cometer um erro técnico, acabou dizendo uma verdade. A frase é: "Além dos serviços prestados à comunidade, a mãe de Luiza vai ter que pagar R$ 400 em cestas básicas..."

Como a responsabilidade penal é personalíssima, nenhuma pessoa além do próprio infrator pode sofrer as consequências de seus atos (princípio da intranscendência da pena e seus consectários). Na transação penal, não se pode assumir compromissos para terceiros cumprirem. No entanto, como se trata de uma garota que ainda depende financeiramente da família, é óbvio que os encargos não pessoais serão suportados pela mãe e não por ela, situação por sinal bastante corriqueira.

Essa é a razão pela qual há penalistas que se opõem às penas de natureza estritamente pecuniária, eis que são impessoais; não se pode garantir de onde sairá o dinheiro. Se o sujeito, p. ex., é condenado ao pagamento de uma multa e um parente abastado doa o dinheiro, a multa será paga e a questão penal, resolvida. Contudo, o infrator não terá sofrido qualquer consequência de sua má conduta, o que pode inclusive gerar um efeito nocivo de impunidade. O tiro pode sair pela culatra.

Enfim, a capixaba vai trabalhar pela comunidade. Espero que a experiência funcione para ela, fazendo-a se sensibilizar um pouco com os problemas do mundo, com vistas a perceber que não deve tornar-se mais um deles.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Grande atriz e grande ser humano

Elizabeth Mendes de Oliveira, ou simplesmente Bete Mendes, atriz brasileira, natural do Município paulista de Santos, hoje com 64 anos e no ar, como Olívia, na novela Flor do Caribe. Atriz profissional desde 1966, tendo atuado em uma peça de teatro, 9 filmes e 45 programas de televisão, entre novelas, seriados e especiais.

Aos 18 anos, ingressou na VAR-Palmares (por onde também passaram Carlos Lamarca e Dilma Rousseff), organização de resistência à ditadura. Foi presa duas vezes. Depois disso, assumiu a carreira política e foi deputada federal por dois mandatos. Também exerceu funções junto ao Poder Executivo de São Paulo e Rio de Janeiro. Continua ativista dos direitos humanos. Torturada pela ditadura militar brasileira, não guarda ódio, considera-se feliz e quer trabalhar e viajar mais.

O tipo de pessoa que, por sua coerência e serenidade, nestes dias em que vivemos, merece ser lembrada e ouvida.

Fonte: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/05/atriz-bete-mendes-relembra-tortura-a-pior-perversidade-da-raca-humana.html

domingo, 28 de abril de 2013

Uma nota "inocente" sobre um perigo incerto

Em 1936, uma grande área fora do espaço urbano de Belém foi adquirida pelo então Ministério da Guerra e  nela foi instalado o Campo de Souza, sede do 7º Regimento de Aviação. No ano seguinte, foi criado o Aeroclube do Pará, com a missão de formar pilotos civis, utilizando a área como aeródromo. Em agosto de 1976, o mesmo foi alçado à condição de aeroporto, aberto ao tráfego civil. Foi batizado de Aeroporto "Júlio Cézar", em alusão a Júlio Cézar Ribeiro de Souza (1843-1887), paraense de Acará, pioneiro dos estudos sobre dirigibilidade aérea. Em abril de 2010, o aeroporto passou a denominar-se "Aeroporto de Belém - Brigadeiro Protásio de Oliveira" e o nome de Júlio Cézar foi transferido para o Aeroporto Internacional de Val-de-Cans.

Em 77 anos de existência, ou pelo menos 37 anos como aeroporto civil, raros foram os acidentes ocorridos naquele campo. Eu mesmo me recordo de ter visto um pequeno avião caído de ponta-cabeça na pista da Av. Pedro Álvares Cabral, quando eu era adolescente. E na última sexta-feira houve a queda, com drásticas consequências para quem estava na aeronave, mas sem vítimas externas, p. ex. em solo. Sem dúvida houve diversos outros, mas de proporções pequenas o bastante para não nos recordarmos, nem ter havido nenhum resgate das notícias pela imprensa.

Mesmo assim, aquela conhecidas coluna de negócios publicou hoje a seguinte nota: "Voo. Risco permanente com o aeroporto Júlio César no coração da cidade."

Existe mesmo o aludido perigo? Sim, claro. A navegação aérea é uma atividade inerentemente perigosa. Não há como evitar, por isso se defende que os aeroportos sejam construídos longe das cidades. No caso do Brasil, o problema é sério, porque o crescimento desmesurado das cidades fez com que os aeroportos, originalmente distantes, acabassem englobados pelo fenômeno da conurbação urbana. Trata-se de um problema irreversível, porque com todas as deficiências de infraestrutura já existentes, não se justifica gastar bilhões e bilhões em transferências de sede, além de que isso seria um paliativo tolo: a cidade cresceria para os lados do novo aeroporto.

Eu me preocupo com o assunto, porque se um avião em pouso ou decolagem em Val-de-Cans despencasse, haveria alguma chance de cair em cima da minha casa ou da de minha mãe (lá seria até mais provável). Mas nem por isso vivemos com pânico de desastres aéreos. Eu, pelo menos, tenho prazer em ver os aviões passando. Então qual seria, afinal, o motivo do grande medo do colunista de negócios, expresso na nota acima?

Longe de mim ser leviano, mas é que desde 2009, quando a área daquele aeroporto foi reduzida para construção da Av. Brigadeiro Protásio, e também pela inauguração do Hangar Centro de Convenções da Amazônia (ou seja lá que nome ele tenha), toda aquela imensa gleba se tornou a menina dos olhos da especulação imobiliária. Foi quando se começou a debater sobre a possibilidade de mandar o aeroporto menor para outro lugar (cogitou-se acerca de Marituba e Mosqueiro) e construir, no local, um bairro novo, planejado. Prédios residenciais e comerciais surgiriam, no segundo caso formando o Complexo Hoteleiro do Hangar. Como na época ainda se contava que Belém seria sub-sede da Copa do Mundo, dizia-se que precisaríamos de hoteis, restaurantes e outros equipamentos, capazes de atender às inúmeras novas demandas.

Como a proposta sempre deve aparecer travestida de útil para o cidadão comum, falou-se que logradouros como a Marquês de Herval e a Pedro Miranda seriam prolongadas até a Júlio César, desafogando o trânsito, argumento que costuma chamar a atenção por estas bandas. O fato é que, se a ideia vingasse, a indústria da construção civil lucraria a rodo. Seria o mais importante empreendimento imobiliário da cidade. Mas o tempo passou, o assunto esfriou e tudo ficou como dantes. Até que um acidente aconteceu e, de repente, tirar o aeroporto de onde se encontra voltou a ser uma alternativa. Ou ao menos assim pensam os capitalistas e seus ardorosos defensores.

Em tempo, por maiores que fossem as manifestações nesse sentido, o Aeroporto de Congonhas continua exatamente no mesmo lugar e nem sequer houve a redução de seus usos ou do volume de tráfego, cogitadas por ocasião do trágico acidente com o voo 3054 da TAM, em julho de 2007, com 199 mortes. A tragédia foi particularmente emblemática porque a aeronave chegou a pousar, mas não parou. Se o aeroporto ficasse em outro lugar e possuísse uma pista mais longa, vidas teriam sido salvas, senão todas, ao menos as das vítimas em solo.

Nada mudou lá. Aqui mudaria por quê? Para vermos mais espigões emporcalhando a paisagem de Belém?

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Informações históricas: http://www.infraero.gov.br/index.php/br/aeroportos/para/aeroporto-de-belem-brigadeiro-protasio-de-oliveira.html

Sobre os nomes dos aeroportos de Belém: http://yudicerandol.blogspot.com.br/2010/05/nomes-dos-aeroportos-de-belem.html

Sobre a possível mudança do aeroporto e suas implicações: http://yudicerandol.blogspot.com.br/2008/11/o-aeroclube-de-belm.html (vale ler os links)

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Julgamento: massacre do Carandiru

Mais de 26 anos depois (de novo, o absurdo), começou na manhã de hoje o julgamento de 26 policiais militares que invadiram a Penitenciária do Carandiru e escreveram uma das páginas mais odiosas da crônica criminal brasileira, porque temperada com a ampla aprovação da sociedade brasileira, dita solidária, em relação ao episódio, já que o generoso brasileiro não se peja de estimular e comemorar a morte dos vagabundos.

O Portal Terra publicou um excelente infográfico com boa quantidade de informações sobre o caso. Uma breve leitura induz à conclusão de que houve mesmo um massacre, caracterizado por execuções sumárias. Segundo o dado, muitas vítimas morreram alvejadas 8 vezes. Em média, para cada 4 disparos, um era na cabeça. Isso não é execução sumária?

Segundo consta, o temido PCC (Primeiro Comando da Capital), facção criminosa com pretensões de comandar as atividades criminosas dentro e fora do sistema penitenciário, em São Paulo, teria surgido como uma reação dos condenados ao massacre. O PCC inspirou outras organizações do gênero. Ou seja, a grande iniciativa da segurança pública paulista não resolveu problema algum e criou outros bem graves.

Enquanto policiais aguardam um julgamento que praticamente vale mais como resgate histórico, recorda-se a figura sombria de Ubiratan Guimarães, coronel da Polícia Militar que comandou a invasão do presídio e foi apontado como um dos principais responsáveis pelo morticínio. Condenado a 632 anos de reclusão em 2001, foi eleito deputado estadual no ano seguinte, dando mais uma grande demonstração da grandeza do eleitorado paulista. Em 2006, ele acabou absolvido, mas em setembro daquele mesmo ano foi morto com um tiro desferido, supostamente, pela namorada, num crime nunca esclarecido.

Num muro em frente ao prédio em que morava o coronel, alguém pichou "Aqui se faz, aqui se paga". Sintomático.