segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Eras de um hotel

Houve uma época em que o progresso constituía uma obsessão generalizada e, infelizmente, era percebido como uma ruptura com o passado: você só se tornaria grande e moderno se demolisse, inclusive no sentido literal da palavra, as estruturas e as aparências dos tempos idos. Devido a essa mentalidade hoje execrável, muitas edificações antigas, que hoje teriam valor histórico inestimável, foram arrasadas. Em uma cidade como Belém, que até o presente momento não aprendeu a valorizar o próprio patrimônio, essa realidade é particularmente angustiante.

O tempo passou e, atualmente, vive-se o confronto entre os desenvolvimentistas a todo custo, que são burros, mal intencionados ou ambas as coisas, e aqueles que tentam defender os patrimônios natural e histórico-cultural. Mudanças importantes aconteceram, como as normas sobre tombamento, a despeito de sua baixa eficácia, em muitos casos, por inoperância dos entes responsáveis. Isso explica, p. ex., a perda dos casarões que deveriam ser marca registrada de nossa cidade. Ou o dono os derruba na marra ou os deixa ruir sob o peso do tempo.

Mas é fato que a mentalidade mudou, por isso se pode perceber uma certa consternação a respeito do passado que se perde. A questão vem sendo debatida nestas plagas, recentemente, por conta de um episódio aparentemente prosaico: a expiração de um contrato para exploração de uma marca de hoteis. Voltemos no tempo.

Em 1913, a ainda pujante Belém do ciclo da borracha ganhou uma edificação deslumbrante: foi inaugurado o Grande Hotel, cujo proprietário, Teixeira Martins, também era dono do cinema mais antigo do Brasil ainda em operação, o Olympia, logo ao lado. Foi o primeiro empreendimento concebido no nascedouro para fins de hospedagem e chegou como maior hotel da Região Norte, com cem quartos, restaurante, bar e um famoso Terrasse, repleto de luxo, conforto e inovações, voltado para a lateral do Theatro da Paz1.

A muito conhecida fotografia do Grande Hotel.

Em uma época em que Belém era uma das cidades mais importantes do país, sinônimo de elegância e modernidade, grandes e singulares empreendimentos não surpreendiam por aqui. E eram bem explorados, como o próprio Grande Hotel, que ainda em 1913 ganhou o Palace Theatre, o qual não ficava a dever ao ilustre vizinho da frente em matéria de espetáculos de alta qualidade. Aos domingos, funcionava como cinema.

Pelo ângulo, a foto abaixo2 foi tirada do Edifício Manoel Pinto da Silva (na década de 1970, considerando a demolição do prédio). Mostra o Grande Hotel à esquerda e o Theatro da Paz, à direita, separados pelo túnel de mangueiras da Av. Presidente Vargas. Restaurado, esse monumento traria uma imponência singular àquela região da cidade.


Ainda segundo a matéria jornalística que consultei, o Grande Hotel foi vendido em 1948 para a rede InterContinental Hotels Corporation, o que foi um exemplo da tal modernidade: era a globalização chegando. O nosso foi o primeiro hotel do grupo construído fora de sua sede, Londres3. Mas o seu preço foi começar a adaptar o prédio "aos padrões americanos de conforto, praticidade e eficiência".

Não sei dizer se isso comprometeu o que hoje chamaríamos de valor histórico da edificação mas, seja como for, o pior estava por vir: na década de 1970, o empreendimento foi vendido para dar espaço ao Hotel Hilton Belém, parte da segunda maior rede hoteleira do mundo.

Em 1979. a obra de arte foi demolida, para dar lugar a uma americanidade: uma torre que nada mais é do que um retângulo cheio de quadradinhos como sacadas. Mas dotada de 361 apartamentos e, em minha opinião, decorada com um gosto muito duvidoso. Muito pouco inspirador. Abaixo, uma foto externa bonita, para tentar minimizar o desalento:


E assim, para pessoas de minha geração, o Grande Hotel é apenas uma memória jornalística ou de ouvir falar. Para mim, é como se aquela torre bege estivesse ali desde sempre. Mas a era Hilton, apesar de seus altos (em 2008, o hotel local foi premiado pela matriz como o melhor das Américas em atendimento aos hóspedes), entrou em declínio e agora acabou.

Em seu lugar, a partir de hoje começa a funcionar o Hotel Princesa Louçã. O nome, pomposo e em português castiço, provavelmente será considerado esquisito por muitos. Faz sentido, entretanto, para quem conhece o hino do Pará ("Salve, ó terra de rios gigantes/ D'Amazônia, princesa louçã!"). Segundo o novo empreendedor, trata-se de uma referência às qualidades de nossa região e à hospitalidade do povo paraense. Então tá. Legal mesmo seria o endereço na internet: www.princesalouca.com.br!

Sacou? "Princesa louca"! Mas a pessoa que pensou nisso já foi checar e disse que o endereço será outro.

Como não podemos ter o Grande Hotel de volta, só posso desejar sucesso ao Princesa Louçã. Que gere empregos e promova a nossa cidade. Afinal, somos conhecidos como a "terra do já teve". Não vale a pena perder mais do que já se perdeu.

___________________________
1 Cf.
http://diariodopara.diarioonline.com.br/N-126319-GRANDE+HOTEL++APENAS+HOSPEDES+DA+MEMORIA.html [acesso em 1º.12.2013]

2 Créditos da imagem: http://fauufpa.org/2012/04/30/rara-panoramica-de-belem-grande-hotel-e-reservatorio-paes-de-carvalho/ [acesso em 1º.12.2013]

3 Atualmente, o grupo é dono da marca Crowne Plaza, que mantém três operações no Brasil, uma delas em Belém. Cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Hotel_Hilton_Bel%C3%A9m [acesso em 1º.12.2013]

Nenhum comentário: