sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Pessoas que precisam ser conhecidas

Maurice Hilleman (1919-2005), microbiologista estadunidense, o maior desenvolvedor de vacinas da História.



Sem espaço para os irresponsáveis que se opõem a vacinas, externo a Hilleman nossa gratidão.

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Raciocínio singelo

Em matéria publicada há pouco, o portal Uol ― usando, claro, linguagem diferente  afirma que o Deus Mercado, a única entidade que deve ser ouvida quando se trata de políticas públicas, está irritado com aquele excremento que ocupa a presidência da República, e cujo nome não pronuncio, porque este, visando a reeleição em 2022, está se afastando da agenda neoliberal, que é a obsessão do ministro da Economia, Chicago boy e escroto Paulo Guedes. Eis o link da matéria: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/08/27/bolsonaro-agenda-liberal-guedes-desenvolvimentismo.htm

Vou-me permitir um raciocínio simplório, mas que realmente me parece lógico.

Se um candidato precisa se afastar do discurso neoliberal e adotar um tom de defesa do Estado assistencialista, como condição para se eleger, isso prova por A + B que a maioria da população brasileira, aquela que numericamente (embora não ideologicamente) decide as eleições, deseja que essas políticas assistenciais existam, e não as práticas neoliberais. A maioria da população, empobrecida de muitas maneiras diferentes, quer o programa de geração de renda, quer o microcrédito para o pequeno empreendedor, quer a escola e universidade públicas, que o Sistema Único de Saúde, etc. Ela não quer, embora talvez não saiba explicar isso, que o Estado se ausente e deixe os empresários resolverem tudo a seu bel prazer. Não quer a absoluta desregulamentação. Não quer ser exposta à tal liberdade de mercado, sem garantias.

Está provado, segundo entendo, que a ideologia neoliberal não serve ao Brasil, porque não traz desenvolvimento, nem igualdade, nem justiça. Por força de consequência, também está provado que quem se elege com um discurso e, no governo, pratica outro, comete um evidente estelionato eleitoral e deveria ser brindado, pelo eleitorado, com a derrota, o ostracismo e, quem sabe, medidas de responsabilização.

O Deus Mercado, auxiliado por uma malta hidrófoba que não arrefece sua crueldade, conseguiu usurpar o mandato de Dilma Rousseff em 2016 e colocou no posto, em 2018, aquele que estava, no momento, em melhor posição para afastar o PT. Mas eu desejo, sem querer incorrer em ingenuidade, que ele já tenha entendido que o capitão não sabe, não consegue e não pode governar. Com ele, ninguém conseguirá o que almeja  nem o mercado, pois países desenvolvidos não compram mercadorias de fornecedores sem responsabilidade ambiental, para citar apenas um exemplo.

O projeto alucinado de 2018 precisa acabar, o quanto antes, Há motivos para impeachment, há motivos para responsabilização criminal, mas não conto com nada disso. Ainda acho que a via da eleição, em 2022, segue sendo a opção mais firme, concreta e segura para se tentar resgatar o país. Mas não adianta esperar um ungido: quem quer que se eleja, estará abençoado por forças que não advêm do povo. No xadrez da realidade, há uma turma que não perde nunca.

Fiscais da "coerência"

 O oncologista Dráuzio Varella incomoda. Mesmo com sua postura contida, tornou-se um comunicador bem-sucedido, querido pelo grande público e, particularmente, dotado de credibilidade. Como médico e como escritor, tornou-se (não sei se intencionalmente) uma voz para um dos setores mais vulneráveis da sociedade: os presidiários. Mostrar empatia com a população carcerária não é o caminho mais seguro para conservar uma boa imagem perante o brasileiro médio.

Nos últimos dias, as redes sociais se encheram de postagens de gente reclamando que Varella passou o ano mandando as pessoas ficarem em casa, devido à pandemia do coronavírus, mas agora está incentivando as pessoas a serem mesários voluntários. Buscam minar sua credibilidade por suposta incoerência. 

Mas a quem interessa isso? Simples. Diante da calamidade trazida pelo coronavírus, Varella se colocou ao lado da ciência, obviamente. E ao fazê-lo, contrariou o discurso do governo genocida, que tem no negacionismo científico e no ódio aos pobres duas de suas características mais marcantes. Ridicularizar Varella é, portanto, uma estratégia da direita, que é composta basicamente por gente má, burra (ou sem receio de passar recibo) e que se comporta como bullies de ensino fundamental. É exatamente isso que estão fazendo: bullying com o médico que se opôs à cloroquina. Para piorar, gostam de frisar que Varella, lá por fevereiro, chamou a covid-19 de "gripezinha". Varella já explicou publicamente que cometeu um erro de avaliação, pediu desculpas pela manifestação e passou a recomendar todas as cautelas possíveis, inclusive o isolamento social.

Diante disso, por que a recomendação de ser mesário voluntário não é uma incoerência? A resposta, na verdade, é bem simples.

Todas as pessoas que defendem o isolamento social sempre ressalvaram a necessidade de preservar as atividades essenciais. Não podemos deixar de comprar comida e remédios, de manter em funcionamento certas atividades profissionais, etc. Alguém duvida que viabilizar as eleições seja uma tarefa essencial? Duvidar disso exigiria uma enorme capacidade de má-fé ou de ignorância, em níveis só alcançados por... apoiadores do atual governo.

Um mandato político tem data para acabar. Não podemos apenas prorrogá-lo, como se não fosse nada. Há muita coisa em jogo, especialmente para aqueles que, como nós, moradores de Belém, estão sob o jugo de um governo municipal pífio, frequentemente apontado como o pior da História. A manutenção do sistema democrático exige que as eleições aconteçam. E, para isso, precisamos de mesários. Daí que medidas foram tomadas, a maior delas sendo o adiamento das eleições. E a convocação dos mesários destaca que os voluntários não podem estar em grupos de risco para o coronavírus e que o treinamento será virtual. Já é bem difícil convencer pessoas a participar de uma tarefa tão inglória (muito trabalho, responsabilidade e riscos, com compensações menosprezadas). No contexto atual, a Justiça Eleitoral precisou apelar para um recurso mais forte: o carisma de Dráuzio Varella. Sobrou para o garoto propaganda.

Presto minha solidariedade a Varella. Se não está fácil existir neste país, pior ainda quando nos posicionamos em oposição à perversidade dessa gente ruim, que ora coloniza o governo federal, e seus apoiadores. Sem alternativa, resta persistir na lucidez, porque somente com comportamentos lúcidos poderemos resgatar este país algum dia.

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

EGÍDIO



Egídio Machado Sales Filho PRESENTE!
Em: 03/08/2020

O escritório SÍLVIA MOURÃO ADVOGADAS ASSOCIADAS lamenta profundamente informar o falecimento do advogado EGÍDIO MACHADO SALES FILHO, ocorrido neste domingo (2.8.2020).

Os membros de nossa equipe tiveram em EGÍDIO, em diferentes épocas, um prestativo amigo, um notável colega de profissão, um professor de Filosofia do Direito na Universidade Federal do Pará, e de tantos outros saberes por onde passava, um mentor, um chefe no serviço público, que mantinha sua porta aberta aos colegas e ao povo.

Tivemos nele, sempre, um exemplo de cidadão, aguerrido nas lutas por justiça social, por igualdade de direitos e por assegurar voz aos vulneráveis. Mais do que palavras, EGÍDIO materializava suas convicções, por exemplo, advogando gratuitamente para famílias de vítimas da violência ― um papel que, em uma sociedade convictamente desigual, constitui um ato de doação.

Choramos hoje, porque estamos tristes com a sua partida abrupta. Mas honraremos sua memória e legado, lembrando que EGÍDIO era também um companheiro de gargalhadas, de brincadeiras sagazes e de acolhimento. Por ele, e pelos que ele defenderia, seguiremos perseguindo os sonhos que compartilhamos e brindando à vida, com um largo sorriso no rosto.

Ontem, precisei redigir a nota acima, que foi publicada no site de nosso escritório de advocacia (http://www.silviamourao.adv.br/2020/08/03/egidio-machado-sales-filho-presente/). Acabara de saber que nosso amigo Egídio falecera subitamente. Escrevi o texto supra, então, tentando falar também por meus colegas, que viveram experiências diferentes com ele.

Para mim, Egídio foi professor de Filosofia do Direito II, na Universidade Federal do Pará, na virada de 1996 para 1997. Foi um momento complicado. A disciplina deveria ter sido ofertada no nono semestre letivo, porém a carência de professores levou ao seu adiamento para o décimo, o último. Imagine a aflição que uma situação assim provoca na cabeça de concluintes. Sem falar que aumentou o número de obrigações naquela reta final, pois tínhamos uma disciplina a mais, por sinal cursada no turno da tarde (eu era da manhã). Além disso, estávamos com o calendário acadêmico arrasado por uma longa greve ocorrida em 1996. Nosso curso deveria terminar em dezembro daquele ano, mas nossa última aula ocorreu em 6 de março de 1997.

A última aula, a última obrigação acadêmica, foi justamente com Egídio.

Nosso curso não foi nada regular. Egídio estivera profundamente envolvido com a campanha de Edmilson Rodrigues a prefeito de Belém. Edmilson foi eleito e Egídio se tornou secretário de Assuntos Jurídicos. O resultado disso foi que ele ministrou poucas aulas e aplicou uns trabalhos que precisamos desenvolver em grupos, às cegas. Recordo-me das reuniões para tentar entender os textos requisitados. Estavam em Língua Portuguesa, mas eram tão incompreensíveis quanto sânscrito. Imagine concluintes de Direito, preocupados com formatura, conclusão de estágio, empregabilidade, vida futura, etc., tendo que digerir, fora da época correta e por conta própria, uns textos clássicos. Em caso de insucesso, a consequência seria, somente, não se formar. Povo da minha equipe se entreolhava e ria, mas de nervoso.

Passamos o semestre inteiro sem a devolutiva das avaliações. E assim chegamos ao dia 6 de março de 1997, último do calendário acadêmico, sem saber absolutamente nada sobre nosso futuro. Egídio confirmou aula para aquela tarde e avisou que entregaria os resultados. Quem não estivesse aprovado faria prova naquela mesma oportunidade. Ele apareceu, com seu jeito bonachão, mas acho que estava preocupado naquela tarde. As turmas reunidas naquela disciplina especial continham umas figuraças raras e os caras, sabendo que Egídio adorava uma bebida, levaram uma caneca de cerveja! Egídio ficou super sem graça. Sabia que estava ali como professor. Mas cedeu à pressão e tomou um gole da cerveja. Um só, mas rendeu gritos de comemoração. Então entregou os resultados. Dois alunos precisaram fazer prova final. Os demais, eu no meio, foram aprovados. E, com isso, estavam integralizados os nossos créditos. Podíamos nos formar. Imagine a emoção para aquele bando de garotos.

Houve festa depois, pela conclusão do curso. E a vida seguiu. Quatro anos mais tarde, meu caminho cruzou o de Egídio novamente, quando fui nomeado para o cargo em comissão de Procurador Jurídico do Município de Belém. Ele, secretário, era o chefe. Muitas vezes precisei discutir, com ele, os termos dos pareceres que elaborava na Procuradoria Administrativa. Ele tinha muita responsabilidade com o que assinaria. Mas nem por isso deixávamos de dar boas gargalhadas naqueles encontros. Em um deles, agradeci por ter-me aprovado em Filosofia do Direito. Eu realmente não sabia como consegui e acho que foi gentileza do professor. Acho que o deixei sem graça com o comentário.

Fiquei na secretaria por pouco mais de dois anos e saí para me tornar assessor no Tribunal de Justiça do Estado. Mas ainda tive uma última relação com Egídio: fui professor de seu filho Lucas, um rapaz maravilhoso. Nunca mais o vi, algo que lastimo muito. Mas sei que ele sempre esteve firmemente ligado aos colegas advogados do escritório para onde voltei em 2015, nos campos pessoal e profissional. Ou seja, sempre esteve presente. E sempre estará. Porque Egídio é dessas pessoas que, quando partem, deixam um legado, não apenas palavras.

Um brinde, Egídio. Tudo valeu muito a pena.

sábado, 1 de agosto de 2020

Tanto quanto os demais

O mês de agosto sempre padeceu de mau agouro por culpa de uma simples rima tosca: "agosto, mês do desgosto".

Falando sério, se pensarmos na experiência dos últimos meses, todos eles podem ser facilmente associados a muito desgosto. Por conseguinte, está na hora de superarmos o preconceito e de deixarmos que o oitavo mês do ano cumpra o seu papel.

Em todo caso, boa sorte para nós.

Ser livre e ter respeito absoluto pela vida

O vídeo abaixo me era recomendado pelo algoritmo do YouTube de forma recorrente e eu, sabe lá por qual razão, deixava passar. Nos últimos dias, comecei a me interessar pelos ótimos vídeos do canal da BBC Brasil e hoje, finalmente, decidi conhecer a história da família que virou fumaça.

Impossível, impossível não sofrer com a narrativa de Andor Stern, judeu brasileiro, sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz. Impossível, também, não ficar impressionado com a serenidade com que ele faz seu relato, sem transparecer ódio ou mágoa, enfatizando a imensa sorte que acredita ter por... estar vivo e ser livre. E, por liberdade, ele entende, simplesmente, poder ir para qualquer lado sem ser impedido.

Sensação semelhante tive ao ler o livro autobiográfico O pianista, de Wladyslaw Szpilman (1911-2000), pianista polonês que teve sua obra adaptada para o cinema, com o mesmo título (dir. Roman Polanski, 2002). Os fatos descritos são horrorosos por si sós, mas a narrativa pode, por incrível que pareça, ser desprovida de rancor e enfatizar a humanidade que nós, e não os outros, podemos desenvolver.

Gostaria de compartilhar o vídeo, pois sinto que, ao vê-lo, alguma coisa boa emerge em nós, se estivermos dispostos.


Triste é pensar que, voluntariamente, renunciamos à experiência histórica e nos conduzimos à barbárie. Mas não quero pensar nisso agora. A proposta desta postagem é enfatizar o que resulta de positivo mesmo de um enorme trauma. Ou, parafraseando Carlos Drummond de Andrade, deixar que da hora mais triste surja outra, a mais bela.