quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Uma pequena demonstração do que falei

Mais cedo do que eu esperava, confirmou-se o resultado pelo provimento dos embargos infringentes, eliminando o crime de associação criminosa em relação a oito réus do "caso mensalão", inclusive os mais famosos. Aí a internet foi-se abarrotando de Ruys Barbosas comentando a deliberação.

No Portal G1:

"Quando o julgamento do mensalão teve início, os ministros do supremo eram outros e a jogada dos bandidos julgados nesse caso foi, utilizarem a morosidade das instituições jurídicas e as lacunas de nossas leis para que os quadrilheiros recebessem de seu compadres do Planalto ( Lula, Dilma e etc....) novos ministros, já que os anteriores deveria se aposentar. E assim foi! Trocaram as peças do jogo e conseguiram amenizar as situação de seus amigos! Ainda bem que temos alguns de lá ( do Supremo) que tem dignidade!!!!"

"O nome da Emissora que diz ser TV 'Justiça' deveria ser 'TV IMPUNIDADE'."

"A Rosa Weber, mais Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Teori Zavascki deveriam ser denunciados por formação de quadrilha!!!"

"Tudo carta marcada. esse é o verdadeiro STF que nós temos, sem credibilidade alguma, o que esses senhores fizer a partir hoje, pra mim e nada é a mesma coisa."

"BANDIDO AJUDA BANDIDO. PARABÉNS MINISTROS DO STF - SUPREMA TRAQUINAGEM FEDERAL."

No Portal Uol:

"Essa 'maioria' muito provavelmente tem 'rabo preso' e precisa manter os bandidos fora da cadeia por precisar de 'favores' deles. A Policia Federal , nosso admirado J. Barbosa e muitos outros já mostraram com todas as evidencias que jose dirceu, genoino e Cia são a escória da política brasileira, no entanto, outros membros do STF, tem interesse maior em manter esses bandidos fora da cadeia. Porque será??? Tavlez essa relação de cumplicidade tenha algo mais profundo ou eles deveriam estar atrás das grades tambem, onde é lugar de mensaleiro corrupto e formador de quadrilha. Quadrilheiros semm vergonha que insistem em se dizer inocentes apesar de todas as provas. Tambem eu nunca vi nenhum bandido sair por aí se dizendo culpado!"

"Eles estão fazendo a lição de casa direitinho, estão aplicando o DIREITO e não a JUSTIÇA, é tudo farinha do mesmo saco..."

"Quem vai contra o Supremo Tribunal Federal? Temos de ser socorridos da corrupção multinível no nosso estado? Por quem?"

"Decisão do STF é para ser cumprida, mas não obrigatoriamente ter concordância, neste caso não tenho, pois houve total mudança de posicionamento quando da alteração da composição dos votantes, esta claramente a serviço do Governo, vulgo Pt. Virou um tribunal comum pollitico com a total desconfiança da sociedade, uma pena, era esperança, hoje disilusão. Daqui a pouco irão conseguir novo julgamento e libertar aqueles que usurparam dos recursos públicos em detrimento de causas não nobres. Daqui a pouco irão condecorar os hoje presos, falta pouco, uma lástima, mas, é o Supremo, ou órgão máximo."

"Com a posse no STF, de Tofoli, Barroso e Zavascki, está tudo dominado. Vou arrumar uma filiação ao PT e estarei liberado para roubar, matar, lesar... e ainda poderei mandar prender quem se manifestar contra mim. Republiqueta latino-americana de quinta..."

Outros portais não permitem a reprodução dos textos, mesmo dos comentários, apenas a indicação do link. Seja como for, não há necessidade de reproduzir uma miríade de protestos que, em última análise, giram em torno de meia dúzia de baboseiras. E nem é o caso de esquentar a cabeça com esses, que representam apenas alguns brasileiros insatisfeitos. O problema, como disse antes, é ver profissionais do direito fazendo as mesmas críticas, no mesmo nível. Aí é triste.

Certezas imbecis

Julgamento dos embargos infringentes na Ação Penal n. 470, o caso "mensalão", no Supremo Tribunal Federal. Os primeiros resultados devem sair hoje e existe uma razoável possibilidade de os réus-embargantes serem absolvidos do crime de quadrilha ou bando (hoje, chamado associação criminosa). Afinal, quatro ministros já votaram pelo provimento dos embargos (Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia); a ministra Rosa Weber já se posicionara pela improcedência dessa acusação e o voto ainda desconhecido, de Teori Zavascki, se for pela absolvição, será o sexto. Numa corte com onze ministros, é o que basta.

O julgamento traz de volta a irracionalidade. Além dos destemperos do presidente da casa — que chegou ao ponto de atrapalhar a leitura do voto do ministro Barroso, cerceando-lhe o próprio exercício da função judicante, como se estivesse diante de um funcionário, não de um igual —, desde ontem as redes sociais estão tomadas pelos donos da verdade, pelos cérebros geniais que asseguram, pelo fio do bigode, a dicotomia: quem é a favor dos réus é bandido, podre, vendido e demente; quem brada pela condenação está do lado do bem.

Curiosamente, nos últimos dois dias, tratando com meus alunos sobre o tema do concurso de pessoas, recordei o dito processo, no particular em que se discute se a teoria do domínio do fato, usada para justificar a condenação, p. ex., de José Dirceu, teria sido bem aplicada ao caso ou não. Para a defesa, alguns réus foram condenados apenas porque exerciam funções de liderança no PT, configurando caso de responsabilidade objetiva. Mas eu deixei muito claro aos meus alunos: jamais tive acesso a qualquer peça do processo em questão, por isso não posso formular juízos conclusivos sobre nada. Limitei-me a comentar o que disseram acusação e defesa, mas saber mesmo, eu não sei. Como regra, não comento processos reais, por uma questão de bom senso e ética.

Causa-me perplexidade que uma pessoa se irrogue o direito, ou mesmo a capacidade, de proclamar a culpa ou a inocência de algum dos réus sem conhecer absolutamente nada do processo, senão aquilo que foi dito pela imprensa — conteúdo esse comprometido desde o nascedouro. O que se diz, portanto, não vai além da convicção pessoal do juiz de fato, do intelectual de folha de jornal, tornando-se mera questão passional tratada como verdade absoluta e indiscutível.

Acho incrível como uma pessoa possa dar um recibo de imbecilidade dessas, tão publicamente. O mais triste, ainda, é que essa atitude tem sido tomada por profissionais do direito, pessoas de quem se poderia exigir um mínimo de razoabilidade por serem ao menos iniciados na matéria. Mas a paixão cega, de fato. E no caso em apreço, ninguém quer raciocinar, apenas bradar aos quatro ventos. Ainda mais porque estamos em ano eleitoral e o processo em questão terá seus custos.

Ah, Deus, por que os brasileiros gostam tanto de viver fora do prumo?

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Uma questão de cor e mídia

Mais uma vez, dou razão ao jornalista Marco Antônio Araújo, em seu blog O Provocador (link do artigo original):

29osphx061 3omeoaoiv1 file1 Tenha medo de testemunhas, principalmente se você for negro
Já escrevi aqui, repito: tenho tanto medo da Justiça quanto de testemunhas. E o caso de Vinícius Romão de Souza está aí para comprovar minha tese: centenas de pessoas devem estar presas neste momento baseado apenas no depoimento e reconhecimento de uma pessoa ignorante e (momentaneamente?) cheia de ódio? E aposto meu salário: 99% são negros.
Vinícius só vai escapar de puxar uma cana pesada porque é ator e teve algum apoio da mídia. Devido à repercussão, a testemunha, Dalva da Costa Santos, que teve o celular roubado, “meditou” muito a respeito de sua acusação contra o rapaz e decidiu desmentir suas declarações anteriores. Ufa. Foi por pouco, não? Afinal, o ator é negro.
Fosse apenas mais um jovem trabalhador voltando a pé para casa (para economizar o dinheiro do ônibus), a chance de recuperar sua liberdade era rigoramente nenhuma. Testemunhas não voltam atrás. Para elas, basta que alguém pague pelo crime do qual foram vítimas que tudo bem. É assustador, convenhamos. Principalmente se você for negro.
Entre todas as provas, as testemunhais costumam ser as mais frágeis. O ser humano erra. Demais. E, numa delegacia, tenham certeza: policiais costumam incentivar testemunhas a reconhecer bandidos, mesmos que não sejam. Não estão nem aí. Eles estão mais interessados em concluir um caso do que em praticar a presunção da inocência. Principalmente se o acusado for negro.
Por isso, sempre que assisto testemunhas enfurecidas dando declarações sobre algum suspeito, meu cérebro entra em estado de absoluta atenção. Basta uma palavra para destruir a vida de uma pessoa. Para sempre. Pessoas foram condenadas à morte assim, para só depois se descobrir que eram inocentes. Adivinha a cor da maioria delas? Acertou.
Trabalho no Judiciário e já vi uma profusão de processos que espelham exatamente a situação do ator e vendedor Vinícius. Basta uma acusação e a cadeia é certa, inevitável e praticamente insolúvel. Não é apenas roubo, mas isto e tráfico é o mais comum. Ninguém pensa que a testemunha pode ter-se equivocado; ninguém se recorda que a vítima, nervosa e revoltada, pode ser traída pelo turbilhão emocional e pelo desejo de reparação ou mesmo de punição. São sentimentos humanos, que não recrimino. Até já passei por isso, em assalto que sofri. Meu réprobo não se dirige às testemunhas e vítimas, mas ao sistema.

Nunca soube de um delegado que tenha, procurando acalmar a vítima, ponderado se não haveria possibilidade de um equívoco. Provavelmente, o policial não considera seu dever funcional questionar, mas tão somente processar o caso, torná-lo uma acusação idônea a chegar ao judiciário. É um defeito grave, originário, porque o delegado deveria ser o primeiro a se questionar se há mesmo justa razão para a instauração do inquérito, para a prisão em flagrante, para o constrangimento de uma pessoa.

Li matéria dizendo que a vítima, após muito refletir, voltou à delegacia e admitiu o engano. O delegado responsável, então, teria admitido que a prisão era indevida, mas teria dito que, mesmo assim, Vinícius teria que responder à acusação, em juízo. Jesus Cristo, como é possível?! Uma acusação errada vira uma ação penal só para que, ao final, eu absolva o acusado?! Esse delegado parou no tempo? Esqueceu, de cara, que compete ao Ministério Público decidir se oferecerá denúncia. E caso haja denúncia, após mudança no Código de Processo Penal, hoje é possível ao juiz absolver sumariamente o réu considerando os termos da defesa preliminar.

No caso de Vinícius, qualquer coisa é abusiva. O rapaz foi preso porque a vítima o "reconheceu" a partir de duas características: cabelo black power e uma camisa preta. Oi? Nada sobre a fisionomia, voz, alguma característica exclusiva? O cabelo dele nem é grande. Se for por cabelo crespo e camisa preta, eu mesmo posso acabar preso qualquer dia desses. Embora eu seja um tanto desbotado, à noite todos os gatos são pardos. Convém não caminhar pela rua tarde da noite. Vá de carro, meu amigo. Quem tem carro é cidadão de bem.

Naturalmente, estas cautelas todas seriam desnecessárias se o suspeito fosse preso com o produto do crime. Mas Vinícius não possuía nenhum dos objetos mencionados pela vítima. Nem arma ou qualquer outro indício que pudesse relacioná-lo ao roubo. Foi, apenas, o primeiro negro com cabelo e camisa confundíveis que se avistou. Se estava às proximidades e cabia no estereótipo, era ele. Simples assim. Repito e insisto: a vítima está emocionalmente afetada. Dá para desculpá-la por suas falhas. Não podemos ter a mesma tolerância com a polícia. Ainda mais porque, segundo reportagem do G1, constou da ocorrência que o policial militar condutor do preso justificou o fato de não ter encontrado nenhum pertence da vítima em posse de Vinicius porque ele teria passado a res furtiva para uma pessoa de alcunha "Braço". No entanto, nenhuma diligência foi empreendida para checar essa informação. É sempre assim: o policial recorre a sua suposta rede de informações prévias e todo mundo acredita nele sem questionar. Com isso, qualquer inocente vira bandido contumaz e com larga rede de comparsas.

Enfim, o delegado de polícia pediu a libertação de Vinícius, que se encontra sob a humilhação e a violência do cárcere desde o dia 10. Já são 16 dias de inferno. E só vai sair porque houve mobilização em seu favor, mas não qualquer mobilização, porque muita gente que é presa também conta com isso. Só que ninguém dá a mínima. Delegado, promotor, juiz, em geral todos entendem que a alegação de inocência é mais uma malandragem do vagabundo e concordam que ele deve mesmo responder ao processo preso, porque é grande o risco de reincidência, de ações que possam comprometer a ação penal e para dar uma resposta rápida à sociedade, que fica abalada com delitos de tão extrema gravidade.

Vinícius, mesmo fulminado pelo estereótipo racista do brasileiro, ainda é um ponto fora da curva. Por ter feito um papel na Rede Globo, acreditaram quando ele alegou inocência, quando seus amigos comprovaram que ele trabalha em uma loja, onde por sinal é considerado um excelente vendedor; destacaram que ele voltava para casa a pé a fim de economizar dinheiro para um novo curso de teatro, etc. Não fosse o nome da Globo, e consequente repercussão em todos os portais de notícias, Vinícius seria apenas mais um negro alegando inocência para tapear o sistema. E talvez se dizer ator ainda o prejudicasse mais!

E ainda tem gente que menospreza e repudia o garantismo penal.

Autuação eletrônica por excesso de velocidade

A quantidade de multas por excesso de velocidade, em Belém, não para de aumentar, em decorrência da instalação de novos radares, inclusive equipamentos móveis. O problema é que, desde a década de 1990, época da municipalização da fiscalização de trânsito, a CTBel (depois AMUB e hoje SEMOB — Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de Belém) passou a ser associada à ideia de "indústria de multas", revelando que o belenense simplesmente não confia no órgão. Ao contrário, tem certeza absoluta de que ele não cumpre qualquer função educativa, sendo apenas um órgão que deixa a balbúrdia acontecer para poder multar e arrecadar quantias vultosas.

O Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), por meio da Resolução n. 214, vigente a partir de 22.11.2006 (que alterou a Resolução n. 146, de 2003), tornou obrigatória a sinalização indicativa da presença de fiscalização eletrônica de velocidade, informando o limite permitido e a distância do equipamento. Era por isso que víamos, por aí, placas dizendo "Fiscalização eletrônica a 150 metros", acrescida do limite de velocidade.

Ocorre que a Resolução n. 396, vigente a partir de 22.12.2011, revogou as normas que previam essa obrigatoriedade, acolhendo a manifestação de especialistas de trânsito, segundo os quais todo condutor deve respeitar os limites de velocidade, por senso de responsabilidade, e não apenas porque ameaçado de autuação, o que implica em reduzir o ritmo ao passar pelo radar e enfiar o pé no acelerador logo em seguida.

Diante disso, em princípio a SEMOB está respaldada em seu procedimento. Mas há outros aspectos a considerar. O Código de Trânsito Brasileiro, em seu art. 61, estabelece para as vias urbanas os seguintes limites: 80 km/h, nas vias de trânsito rápido; 60 km/h, nas vias arteriais; 40 km/h, nas vias coletoras; 30 km/h, nas vias locais. O primeiro grande problema é que a maioria dos condutores não sabe diferenciar os tipos de via e mesmo que saibamos existe o fato de ser permitido fixar valores diferentes, em geral mais baixos.

Veja-se, p. ex., o nosso caso. Um dos radares está posicionado na Av. Júlio César, na saída do elevado Daniel Berg, com velocidade restrita a 60 km/h. O da Rodovia Arthur Bernardes limita a 40 km/h e o da Pratinha II impõe 50 km/h. Isto dificulta concretamente, ao cidadão comum, saber como deve dirigir, tornando necessária uma sinalização eficiente, o que está longe de ser uma realidade por estas bandas.

Alega a SEMOB que as reclamações são infundadas porque os infratores excedem demais a velocidade, de 20% a 50% além do permitido. Sem dúvida que não há como admitir que uma pessoa trafegue a 90 Km/h dentro de Belém. Não há nenhuma via nesta cidade onde isso seja legalmente possível. Mas nos casos de limite em 40 Km/h, é perfeitamente tolerável que o condutor acredite poder trafegar a 60 Km/h. A despeito dessa boa fé, acabará autuado. Por isso, em vez de se limitar a dizer que os outros é que estão errados, pura e simplesmente, a SEMOB deveria preocupar-se com a transparência da ação pública e com a eficiência e a segurança do tráfego. Afinal, como repetimos à exaustão, o objetivo maior deveria ser educar o condutor.

Deveria.

Fontes: 

  • http://www.ormnews.com.br/noticia/semob-fatura-com-radares-e-e-alvo-de-criticas
  • http://www.ctbdigital.com.br/?p=InfosArtigos&Registro=110&campo_busca&artigo=61

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Pior do que o absurdo

A discussão sobre a redução da maioridade penal está sempre na ordem do dia e, claro, em geral tratada sob os mais ridículos e estúpidos argumentos (sim, para ambos os lados). Mas confirmando a ideia de que tudo que é ruim pode ficar pior, deparei-me agora com uma enquete do Senado acerca do Projeto de Lei n. 147, de 2013, que propõe... acabar com a maioridade penal!

Duvidei que pudesse ser apenas isso, mas o fato é que o projeto só tem mesmo dois artigos, o primeiro revogando o art. 27 do Código Penal e o segundo, cláusula de revogação da própria lei. Resta, assim, examinar a justificativa dessa preciosidade jurídica:

O presente projeto de lei tem como objetivo revogar o art. 27 do Código Penal, com o objetivo de excluir a idade como fator de inimputabilidade. 

O Código Penal, no que se refere ao fator idade, adotou o critério puramente biológico na aferição da imputabilidade penal ou da também chamada capacidade de culpabilidade. Nesse caso, a inimputabilidade ocorre em virtude da presunção legal de que os menores de 18 anos não gozam de plena capacidade de entendimento que lhes permita imputar a prática de um fato típico e ilícito, não se fazendo, assim, a verificação dos elementos intelectual (capacidade de entender o caráter ilícito do fato) e volitivo (capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento). 

A fixação do parâmetro de 18 anos como fator de imputabilidade decorreu de razões de política criminal, por meio da qual se considerou que o jovem abaixo dessa idade não podia estar sujeito à persecução penal pela prática de crime, mas sim a medida sócio-educativa estabelecida em legislação especial.

O primeiro Código Penal brasileiro de 1830 fixou a idade de imputabilidade plena em quatorze anos, prevendo um sistema bio-psicológico para a punição de crianças entre sete e quatorze anos. Por sua vez, o Código Republicano de 1890 estabeleceu que era irresponsável penalmente o menor com idade até nove anos, devendo o maior de nove anos e menor de quatorze anos submeterem-se à avaliação do Magistrado. 

Posteriormente, a Lei Orçamentária de 1921 revogou esse dispositivo do Código Penal de 1890, tratando, já por motivos de política criminal, a questão da menoridade penal, ao estabelecer a inimputabilidade dos menores de quatorze anos e o processo especial para os maiores de quatorze e menores de dezoito anos de idade. 

Finalmente, com o advento do Código Penal de 1940, fixou-se o limite da inimputabilidade aos menores de dezoito anos, tendo sido adotado o critério puramente biológico, em que se presume absoluta falta de discernimento do indivíduo menor de dezoito anos para o cometimento de crimes, estando sujeitos à legislação especial. A Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, ao reformar a Parte Geral do Código Penal, manteve a imputabilidade penal aos 18 anos, observando assim um critério objetivo, que foi recepcionado pelo art. 228 da Constituição Federal. 

Atualmente, essa presunção absoluta, que o jovem com idade inferior a 18 anos não possui capacidade de entender o caráter ilícito de seus atos e de determinar-se de acordo com esse entendimento, tem gerado revolta na sociedade brasileira, que presencia, quase que diariamente, a prática de diversos delitos penais por crianças e adolescentes, valendo-se, inclusive, da impunidade que a sua condição particular lhe proporciona. 

Desde a definição da idade de 18 anos pelo Código Penal de 1940, a sociedade se modificou. Os jovens ingressam cada vez mais cedo na criminalidade, inclusive na prática de crimes mais violentos. Os adolescentes infratores não são mais apenas usados por quadrilhas criminosas em razão de sua inimputabilidade, mas sim participam dessas organizações, até liderando várias delas. 

O modelo atual, de aplicação da legislação especial (Estatuto da Criança e do Adolescente), que determina a aplicação de medidas sócio-educativas a esses jovens, leva a uma situação de verdadeira impunidade. Na grande maioria dos crimes, o jovem que o pratica responde em meio aberto ou com liberdade assistida, sendo acompanhado por um assistente social e tendo direito de participar de cursos profissionalizantes, tudo à custa do Estado. 

Nos casos de crimes mais graves ou de reiteração criminosa, quando é aplicada a medida de internação, onde os adolescentes são privados da liberdade, o tempo máximo de duração é de 3 (três) anos, com revisão obrigatória, no máximo, a cada 6 (seis) meses. 

Com a evolução da sociedade, por meio de avanços tecnológicos e sociais, que estimulam cada vez mais precocemente o desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, o jovem de hoje é muito diferente daquele que vivia no ano de 1940, quando a maioridade penal foi estabelecida em 18 anos. Assim, atualmente, o adolescente é capaz de entender o caráter ilícito de um ato e escolher entre praticá-lo ou não. 


Diante disso, propomos a revogação do art. 27 do Código Penal, com o objetivo de excluir a idade como fator de inimputabilidade.

Engasgado com a sucessão de sandices, tive que me esforçar para chegar ao fim da leitura, quando então encontrei o nome da peça que propôs esse nojo. Sem surpresa, topei com Magno Malta, uma das criaturas cuja presença no Senado mais me causa espécie, indignação, vontade de fugir correndo.

Várias coisas poderiam ser ditas desta imbecilidade colossal que é o PLS 147/2013. A primeira, que não adianta revogar o art. 27 do Código Penal se o art. 228 da Constituição permanecer como está. Trata-se de um erro tão primário e gritante que está valendo exonerar todos os assessores do senador. Mas a leitura dessa asneira supratranscrita revela, ainda, outros desatinos:

  • A já esperada tolice de definir imputabilidade penal com base, tão somente, em capacidade discernimento, quando ela também exige capacidade de autodeterminação. As duas menções a esta última mais não fazem do que repetir o texto da lei ou a redação exígua de qualquer manualzinho, o que sugere absoluta ausência de reflexão sobre o conteúdo e o sentido da norma. Magno Malta, que não possui nenhuma formação específica senão a de pastor evangélico, não é do tipo que conhece (ou entende) um conceito técnico como imputabilidade penal.

  • O senador também não compreende o que é "política criminal", expressão que aparece em sua justificativa como uma espécie de sinônimo de protecionismo quando, na verdade, tudo é política criminal, inclusive o mais extremo punitivismo.

  • A justificativa alude à revolta da sociedade brasileira, informação que é presumida e não comprovada. Mas mesmo que fosse real, não é óbvio que legislar sobre a revolta constitui comportamento perigoso? Isso não recomendaria especial cautela na proposição e encaminhamento das políticas públicas?

  • Outra presunção não comprovada é a de que adolescentes lideram organizações criminosas. Certamente isso aconteceu aqui e ali, mas a justificativa dá a entender que isso virou rotina, um fenômeno tão comum que justifica conceber-se todo um sistema repressivo baseado em tais fatos. Estratégia comum dos loucos: legislar sobre a exceção.

  • Distorcendo os fatos, para enganar o público, Malta afirma que, na "grande maioria dos crimes", os adolescentes recebem medidas socioeducativas não privativas de liberdade, o que geraria sensação de impunidade e estimularia novos ilícitos. Omite o senador, com certeza dolosamente, que a "grande maioria" dos atos infracionais é composta por ações menores, mas ele induz o leigo a acreditar que o jovem infrator é, em sua maioria, assassino, latrocida, estuprador. Ora, se a maioria dos atos infracionais não envolve violência contra a pessoa e corresponde a tipos penais com penas menores, como criticar que os responsáveis não sejam encarcerados? Não é para ser! Mesmo em se tratando de adultos.

  • Malta também omite, é claro, a situação em que vivem os adolescentes submetidos à medida de internação e a absoluta violência inerente ao sistema. Também finge que criminalidade não tem causa alguma além da vontade individual.

  • Tão cínica é a justificativa que o senador não se esqueceu de criticar o fato de que o adolescente infrator tem direito a acompanhamento por assistente social e a cursos profissionalizantes, "tudo à custa do Estado"!!! Mas o que essa criatura espera, então? O dinheiro "do Estado", que na verdade é nosso, deve ser empregado para quê, então? Para sustentar um Congresso Nacional parasitário, vergonhoso, que tem metade dos membros respondendo a algum tipo de acusação de improbidade, inclusive ações penais? Ou para torrar em obras faraônicas que fazem a alegria dos empreiteiros? Mas para política pública não pode haver dinheiro. Melhor seria, portanto, que o homem de Deus propusesse a pena de morte, de uma vez. Porque prisão sem assistência alguma pode ser pior do que morrer.
Desculpem subir o tom desse jeito, mas é má fé demais. Magno Malta me enoja. Não há dia que eu não lamente haver, neste país, gente que permita a um ser desses ocupar uma vaga no Senado. Não à toa, não conseguimos melhorar enquanto país, enquanto povo.

PS — Ah, sim: sem surpresa, constato que, dos 2.911 internautas que já votaram na enquete do Senado, 80,4% se disseram a favor da proposta. Claro. Viram o que era, votaram a favor, usando a técnica de sempre: agiram sem pensar, movidos por uma convicção irracional e que não aceita ponderações. Com brasileiros assim, ficam explicados os Maltas da vida.

Avaliação de serviço

No começo da tarde do último sábado (22), ao trafegar pela faixa central da Av. Gentil Bitencourt, perímetro compreendido entre Dr. Moraes e Benjamin Constant, o parabrisas do meu carro foi atingido pelo que suponho ser uma manga (ou um conjunto delas), estilhaçou no lugar do choque e sofreu rachaduras que o atravessaram de cima a baixo.

A situação era de risco pessoal e, justamente por isso, ensejava também a possibilidade de multa caso eu fosse flagrado dirigindo naquelas condições. O jeito foi encostar o carro em casa, de onde saiu na segunda-feira, já para tomar o rumo do conserto. E é sobre isto a postagem.

Acionei o seguro na tarde do domingo (a conveniência da assistência 24 horas). Sem dificuldades, foi agendado o serviço, tendo-me sido dada a opção de atendimento em casa. Recusei, porque me faria esperar mais um dia, por questões de agenda, mas com certeza é uma oferta muito atraente.

O serviço foi agendado para a manhã seguinte, na empresa Autoglass, na Av. Dr. Freitas, 325, entre Pedro Álvares Cabral e Senador Lemos. Ali, fui atendido com rapidez e cordialidade. Pediram-me apenas quatro horas para devolução do veículo, acrescido de mais uma porque pedi aplicação de película (uma escolha estritamente pessoal).

Menos de meia hora após o horário combinado, retornei à empresa e o carro estava lá, com jeito de que estava pronto há algum tempo. Preso ao retrovisor interno, um cartão de boa qualidade informando os cuidados que devem ser tomados com o veículo, p. ex. não o submeter a lavagem sob pressão ou não trafegar em velocidade elevada por pisos irregulares, por 72 horas.

Sou partidário da tese de que os canalhas devem ser denunciados e os bons devem ser exaltados. Por isso, registro meu elogio a Autoglass, pela eficiência e gentileza do tratamento dispensado ao cliente, registrando como única reclamação o valor absurdo cobrado pela película. Mas paguei pela conveniência de não ter que encostar o carro em outro lugar, já que meu tempo é exíguo. Paguei para sair com tudo totalmente resolvido.

Saibam, portanto, que contamos em Belém com uma empresa séria para nos atender quando temos problemas com vidros, para substituição ou reparos. Vale a pena conhecer os serviços que ela disponibiliza, que envolvem inclusive recuperação de pintura.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

RoboCop à brasileira

Padilha, quando recebeu o Urso de Ouro
de melhor filme por "Tropa de Elite" (2008)
Quero começar esta resenha dizendo que, antes (no sentido cronológico) de consolidar uma carreira no cinema, o carioca José Padilha (46) se formou em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica e, em Oxford, Inglaterra, estudou economia política, literatura inglesa e política internacional. Assumirei, portanto, que se trata de um profissional qualificado, bem instruído, com suficiente capacidade de olhar o mundo com uma visão crítica e bem informada.

Esse perfil se delineia em uma carreira cinematográfica marcada por um nítido objetivo de crítica social. Começou com documentários (como o elogiado Estamira, de 2004, que produziu) e depois passou para longas de ficção que podem até ser classificados como blockbusters, mas que conservam os valores do cineasta, muito longe de serem apenas formas de ganhar dinheiro.

O primeiro grande feito de Padilha foi o documentário Ônibus 174, no qual mostrou como um sobrevivente da chacina da Candelária se tornou protagonista de um crime grave e acabou odiado pela sociedade e executado sumariamente, sob os aplausos dos cidadãos de bem. Ao humanizar o criminoso, acompanhar suas perdas e desvelar como a violência e a exclusão constroem um bandido, Padilha tinha tudo para ser execrado pelos colunistas de Veja, p. ex., ou pelos apresentadores de certos programas de TV. Mas o que ele conseguiu foram as condições para dirigir um dos maiores e mais controversos sucessos do cinema brasileiro, Tropa de Elite, em duas produções. E a visibilidade ganha ao contar a trajetória do polêmico Capitão Nascimento lhe deu prestígio na indústria de Hollywood.

E assim chegamos a RoboCop, refilmagem do clássico de 1987, cujo sucesso (e também uma boa dose de nostalgia) tem levado muitas pessoas a dizer bobagens sobre o atual trabalho de Padilha.

Muita gente esperava que a refilmagem se mantivesse fiel ao original, o que por si só é uma tolice, pois se perderia a oportunidade de uma nova abordagem. Houve quem reclamasse até do tratamento dado ao tema musical do personagem, composto pelo aclamado compositor greco-americano Basil Poledouris (1945-2006), agora minimizada e transformada numa fanfarra irônica (por favor, "fanfarra" é um estilo musical!). Mas assim como Tim Burton (A fantástica fábrica de chocolate) e Zack Snyder (O Homem de Aço), Padilha não estava ali para refilmar a mesma estória, e sim para contar a sua própria. Os saudosistas que vejam o original e parem de encher o saco. Isso não tem nada a ver com os filmes, o antigo e o atual, serem ou não bons.

Suspeito que o fato de Padilha ser brasileiro contaminou o debate. Há quem diga que o filme é uma droga e só está sendo elogiado por bairrismo e outros, em sentido oposto, para os quais o filme é muito bom e está sendo criticado por causa da síndrome de vira-lata do brasileiro. De minha parte — não sou crítico de cinema e estou aqui apenas emitindo uma opinião pessoal, na condição de leigo que viu o filme e gostou —, posso dizer que a obra reúne toda a qualidade técnica de um autêntico filme de ação estadunidense, com ótimas atuações, efeitos visuais e especiais de primeira linha e... um toque particular que motiva esta postagem.

Por que um estúdio americano, com tantas opções de cineastas para escolher, iria querer um brasileiro que nem possui uma cinegrafia tão vasta assim? Por que conceder a ele a possibilidade de realizar um projeto pelo qual muitos brigariam, com um respeitável orçamento de 100 milhões de dólares, e ainda permitindo que ele trouxesse a reboque ao menos três membros de sua equipe? Foi uma aposta em sua capacidade técnica? Duvido. Fosse por isso, ficariam com a prata da casa, mesmo. Suponho que eles autorizaram Padilha porque apostaram na visão pessoal que ele daria a um projeto cheio de possibilidades políticas, com uma evidente crítica ao governo e à sociedade estadunidense.

O filme de 1987 (dirigido pelo competente e irônico Paul Verhoeven, holandês) já era assim. Basta lembrar que a narrativa era entrecortada por "comerciais" de TV com mensagens esdrúxulas. No meu preferido, anunciava-se um sistema antifurto de automóveis que eletrocutava o ladrão a ponto de matá-lo. Um desbunde para uma sociedade que valoriza o patrimônio muito mais do que a vida, como é lá e como é cá. A estratégia, agora, foi entrecortar a narrativa por entradas de um programa de TV altamente canalha, no qual o âncora, Pat Novak, em excelente atuação de Samuel L. Jackson, tenta convencer a população americana de que a melhor coisa em matéria de segurança pública é ser policiado por robôs.

Novak é a perfeita e descarada síntese do conceito de empresário moral, criado pelo sociólogo Howard Becker: um comunicador (no caso, da imprensa, mas poderia ser um político, um empresário com grande visibilidade, etc.) que, por meio de discursos de ódio altamente utilitaristas, tenta convencer a população como um todo de suas verdades em matéria de políticas públicas, notadamente de segurança, que mascaram intenções as mais perversas e setoriais. Fica por nossa conta deduzir que ele ganha dinheiro da OmniCorp para se dedicar tanto à causa, o que explica cenas de uma ironia aguda, como quando corta a palavra do Senador Dreyfuss (responsável pela lei que veda o uso de robôs nos Estados Unidos para fins de policiamento), grita palavrões quando a lei é mantida após ter sido revogada e, em especial, quando se vale de um exercício de metacrítica, "denunciando" que certos setores da mídia são tendenciosos e mal intencionados, e que poderiam induzir as pessoas a acreditar que os Estados Unidos são um agressor imperialista, já que exerce policiamento em países como Iraque e Afeganistão. Ponto para Padilha.

RoboCop pode decepcionar os tontos que vão ao cinema para ver porrada. Existe ação, obviamente, mas em doses adequadas. O roteiro de Joshua Zetumer trata sobre pessoas. Sobre seres humanos, com suas perdas, dores, desejos e necessidades. Enfatiza a humanidade do protagonista Alex Murphy, a ponto de explicar, sob a ótica científica, quanto de humanidade ele conserva. Enfatiza a sua família e mostra o passo a passo das decisões de um capitalista inescrupuloso, assessorado por gente igualmente sem caráter, para produzir um ciborgue. Este aspecto me pareceu mais convincente do que o roteiro original.

O RoboCop de Padilha é um ótimo programa de entretenimento. E seu aspecto comercial não trai a verve do cineasta, que por meio de um blockbuster consegue promover reflexões úteis para a nossa vida real. Isso não é novo no cinema, obviamente. E apenas reforça a minha reserva em relação às pessoas que o reduzem ao lazer e acham bacana "desligar o cérebro" antes de entrar na sala. Cinema também serve para isso, mas não pode ser apenas isso. Se não equivaleria aos diversos outros instrumentos de imbecilização de que o nosso mundo já está abarrotado. Vá ver os tiros, mas se permita meditar sobre o que significa a presença dos Estados Unidos em países estrangeiros, que deveriam ser soberanos; pense na aplicação da lógica da guerra sobre o policiamento urbano de rotina; pense no confronto entre eficiência e resguardo dos direitos fundamentais; pense nas atividades econômicas que ganham com o crime e o seu combate, muitas vezes fomentando o primeiro para lucrar; pense nas estruturas de corrupção profundamente arraigadas no tal "sistema"; pense em como a tecnologia pode nos desumanizar. Enfim, há muito em que pensar.

Vá ao cinema. E leve o cérebro junto.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O que fazer com o abandono intelectual?

Acerca da postagem sobre abandono intelectual, de ontem, uma comentarista anônima deixou esta abordagem:

Yudice, mas qual é sua sugestão para os pais que não matriculam os filhos ao menos na educação básica, mesmo que exista bolsa familia para incentivo, ameaça de destituição de poder familiar (que para pais desidiosos é um prêmio, já que o dever cuidado dos rebentos é passado para outra pessoa ou Estado) e a multa por infração administrativa prevista no ECA é inexequível porque o pai omisso/desidioso geralmente não tem renda para tanto? Me desculpe, mas o pai que deixa de matricular o filho ele está condenando o mesmo à miséria e ignorância, expondo-o à criminalidade, enfim, tirando o futuro do mesmo, sem que a criança possa se defender de um tipo de criminoso deste laia. Para mim, deveria ser como a pensão alimentícia: 3 dias para matricular ou justificar, passado o prazo, mantendo-se a inércia: cadeia. E isso vale também para os homens (pais) que deixam tudo nas mãos da mulher como se só esta tivesse a obrigação de correr atrás da educação formal do filho. Eu digo isto, porque estou cansada de ir em audiências da Infância e Juventude ou do Conselho Tutelar,os pais serem advertidos (pois quando chega nesta fase, já ultrapassou a fase de conscientização) e depois de alguns tempos a criança/adolescente permanece fora da escola. Para mim, a conduta merece ser criminalizada porque a educação básica é um direito fundamental da criança e adolescente, uma conduta equiparada a deixar de dar água ou alimento, tamanha a sua importância para o pleno desenvolvimento de um ser humano. Por isso, não dá para aceitar em pleno seculo 21 o cidadão desconhece a obrigação de matricular seu filho/pupilo na escola.

Minha resposta:

Cara anônima das 17h24, concordo com todas as suas premissas e juízos de valor, mas não com a sua conclusão. De modo algum podemos continuar a sustentar a obsessão do brasileiro por punição. Decantado por Gilberto Freyre como um povo naturalmente bom e generoso, o brasileiro na verdade é um povo cruel, que continua a supervalorizar a tradição católica de imposição do máximo sofrimento para qualquer pecado. Você mesma disse: não é qualquer pena, é "cadeia".

Entenda que, sim, educação é um direito fundamental e sua ausência nega, à pessoa, a possibilidade de um futuro, porque limita o próprio ser humano. Logo, o abandono intelectual é mesmo uma conduta gravíssima, mas de onde é que as pessoas tiram essa convicção de que punição resolve alguma coisa, meu Deus? De onde?

Naturalmente, como todo problema difícil, este também tem uma solução fácil, que é a errada. Por não ser versado em políticas públicas sobre educação infantil, confesso que não sei quais seriam os mecanismos mais adequados para compelir a matrícula dos infantes. Mas, desde logo, ocorre-me ao menos uma ideia.

Amiga minha relatou que, em Curitiba, onde vive há alguns anos e onde teve o seu bebê, foi surpreendida com a chegada inesperada, em sua casa, de agentes de saúde da família, que foram verificar como estava a criança. Por que isso aconteceu? Porque o parto foi comunicado a um sistema de assistência, que acionou os agentes de saúde do bairro onde ela mora e estes cumpriram sua obrigação de visitá-la, com eficiência e gentileza. Desacostumada de medidas como essa no Brasil, minha amiga chegou a pensar que era um golpe! Na verdade, era o Estado tomando conta das pessoas. Ela elogiou muito a assistência que recebeu.

Detalhe: a família dela tem plano de saúde e o parto sequer ocorreu na rede pública. Mesmo assim eles foram visitados, porque se trata de uma política universalizada. Onde há uma criança, os agentes devem ir.

Se é uma sugestão prática que você me pede, então podíamos pensar em uma política pública com esse perfil: a partir da comunicação de nascimento de uma criança, o próprio Estado poderia, utilizando recursos elementares da informática, monitorar a matrícula dessa criança. Caso ela não fosse feita espontaneamente, o Município - a quem compete a gestão da educação infantil - promoveria a matrícula de ofício, em uma escola próxima à residência da família e se valeria de agentes para as devidas comunicações e advertências. Em caso de faltas, os agentes entrariam em ação de novo.

Muitas vezes, os pais são pessoas tão humildes que, eles mesmos, não compreendem o papel da educação. Se esclarecidos, mandam os filhos à escola. Não necessariamente é má fé. Por essas e inúmeras outras razões, não concordo e jamais vou concordar com a criminalização.

Permita-me dizer, ainda, que toda proposta de criminalização chega sempre com uma carga de desvalor pessoal elevada e isso se percebe em seu comentário, quando afirma que a destituição do poder familiar seria um prêmio para certos pais. Sim, eu sei que isso acontece. Aliás, como diz minha esposa, devia haver uma espécie de carteira de habilitação para o sujeito ser pai ou mãe. O problema é a generalização que o texto sugere, como se toda falta de matrícula fosse uma desídia oriunda de pais que preferiam não ter qualquer encargo.

Se queremos pensar em uma solução, creio que ela começaria com um estudo sério, que respondesse a seguinte questão: por que, afinal, as pessoas deixam de matricular seus filhos na escola, havendo vagas?

Desconhecendo a resposta a essa pergunta, não poderíamos fazer muita coisa, penso.

Grato por suas ponderações, educadas e preocupadas, próprias de quem tem conhecimento pessoal do tema. Se quiser esclarecer de onde vem essa experiência, agradeço. Fico à disposição para prosseguimentos.

Quem quiser, debata conosco.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Lost que o diga...

Tanta propaganda, investimento, material distribuído, coletiva, festa com bolo e... a sensacional, fabulosa, inacreditável e impressionante série "Breaking Bad", que tanto sucesso fez nos EUA, anda fazendo água no Brasil. Não é de se admirar. Não é de hoje que seriados considerados "o máximo" pela crítica, cultuados como religião e elogiados como o suprassumo da vida inteligente dão com os burros n'água quando exibidos no Brasil...

Fonte: http://f5.folha.uol.com.br/colunistas/ricardofeltrin/2014/01/1405309-ator-highlander-e-salvo-pela-globo-com-cacamba-acolchoada-em-amor-a-vida.shtml

O colunista não disse, mas parece que ele quer sugerir alguma conclusão a partir dos dados acima. Uma crítica ao nível cultural do telespectador brasileiro, decerto?

Não entrarei, como nunca entro, nessa pressuposição tola de que quem assiste TV é idiota; ou de que quem assiste à Rede Globo é idiota; ou de que quem vê novela (incluam-se os seriados, porque também são teledramaturgia) é idiota. A mesma televisão que me deixou burro, muito burro demais também já produziu feitos memoráveis, de grande qualidade em todos os sentidos, de valor artístico mesmo.

E quando se aposta em roteiros mais inteligentes e tramas mais profundas, o público responde positivamente, também. Talvez o caso mais recente seja o do seriado Sessão de terapia, da GNT, que não é leve, nem engraçado, nem cheio de ação, nem padece de qualquer das reprimendas habituais dos intelectuais de orelha de livro. E é um sucesso de público e crítica, a caminho de sua terceira temporada.

De maneira semelhante, fala-se que a música paraense está chafurdada na lama, empenhada na busca dos lucros fáceis de produtos popularescos e imbecilizantes, etc. Mas quando acontecem os grandes espetáculos de música erudita, o teatro lota. Sempre. Ou seja, há público para tudo, no teatro, na música, na TV, no cinema. Resta saber em que se quer investir. Compreendendo-se isso, pode-se dar um tempo nesse insuportável complexo de vira-lata, segundo o qual precisamos ser toscos e limitados simplesmente porque somos brasileiros.

Dessa conclusão, eu fora.

Abandono intelectual: direito à educação através da criminalização

O crime de abandono intelectual está previsto no artigo 246 do Código Penal e ocorre quando o pai, mãe ou responsável deixa de garantir a educação primária de seu filho. De acordo com o o juiz Leandro Cunha Bernardes Silveira, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, a criminalização da conduta tem como principal objetivo coibir a prática e garantir que toda criança tenha direito à educação.
Durante audiência com pais e mães de jovens que abandonaram a escola, o juiz afirmou que, quando é constatada a ausência de autoridade dos adultos sobre os filhos, é promovido um trabalho para reafirmação da autoridade familiar. Nos casos em que não há qualquer explicação, continuou ele, os pais são informados sobre a possibilidade de criminalização da conduta e da aplicação de penas como a prestação de serviços à comunidade.
Leandro Cunha Silveira disse que três são as causas mais comuns de evasão escolar: a falta de controle dos pais, a contratação do jovem por alguma empresa e a influência do tráfico de drogas. Um exemplo prático registrado na audiência envolveu uma mãe que classificou o filho como boa pessoa, mas lamentou que más companhias o tenham desestimulado a estudar. O juiz determinou que ele seja matriculado em outro colégio e garantiu ajuda de órgão público à família.
A audiência faz parte do Programa Justiça na Escola, que desde janeiro promove o contato dos estudantes com o Judiciário. O objetivo é levar noções de cidadania para os alunos e permitir a discussão de temas como bullying, violência nas escolas e tráfico de drogas. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-ES.  
Sobre o programa "Justiça na Escola" (cf. site do Tribunal de Justiça do Espírito Santo):

O Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo em conjunto com o Governo do Estado e a Secretaria de Educação (SEDU) instituíram em Janeiro de 2013 o Programa Justiça na Escola com o objetivo de promover um contato direto dos estudantes com o Poder Judiciário no propósito de levar noções de cidadania e justiça para alunos do ensino fundamental da rede pública, preparando os futuros cidadãos para agir de forma consciente.
A proposta do programa é debater temas como combate às drogas, bullying, violência nas escolas, evasão escolar, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e cidadania, com a participação de juízes, professores, educadores, técnicos em psicologia e serviço social, alunos e pais e demais interessados. Por meio dessas discussões, busca-se estimular o trabalho articulado entre as instituições de Justiça e de Educação.
Objetivos:
· Indicar uma série de medidas sequenciais a serem adotadas para evitar/reduzir a evasão escolar, verificadas as peculiaridades locais envolvendo cada Município/Comarca;
· Sugerir que a questão da evasão escolar seja inicialmente tratada de forma coletiva, antes do encaminhamento individual dos casos, diante da quantidade significativa de alunos evadidos;
· Propiciar um incremento da atuação da rede de atendimento na esfera da evasão escolar, motivando-a, tornando a Vara da Infância e Juventude parceira dos demais atores;
· Contribuir para que a rede possa trabalhar de forma autônoma, mas com o acompanhamento, monitoramento e fiscalização do Poder Judiciário;
· Compreender as causas da evasão escolar para possibilitar a elaboração de um plano de trabalho em cada escola, em razão das demandas e problemas a serem identificados.
***
Crime de abandono intelectual (CP, art. 246): "Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar: Pena — detenção, de 15 dias a 1 mês, ou multa."

O tipo de abandono intelectual é daqueles que não deveria continuar existindo. É um grande exemplo do modelo punitivista exacerbado que vivemos neste país, o qual busca no direito penal a solução para mazelas sociais. Além de ser, formalmente, manifestação de criminalização em prima ratio, traz-nos um instigante desafio: se os pais omissos fossem punidos com prisão, quem se responsabilizaria pelos menores já em situação irregular? Não teríamos um agravamento do problema?

Sim, eu sei que se trata de uma infração de menor potencial ofensivo, portanto eventual condenação implicaria em outro tipo de penalidade, p. ex. multa, o que implica em subtrair à família os recursos, provavelmente já escassos, de que depende para sua subsistência. E se pensarmos em outra espécie, p. ex. uma prestação de serviços à comunidade, isso de qualquer modo terá, como consequência mínima, a perda da condição de primário, dificultando a colocação do condenado no mercado de trabalho, se for o caso.

Obviamente, esses efeitos se manifestam em qualquer caso e não podemos pensar em condenação penal indolor. Mas é justamente esse o problema: não estamos falando de criminosos sanguinários, e sim de pessoas que não colocaram seus filhos na escola, muitas vezes porque, sendo elas mesmas indivíduos sem instrução escolar, simplesmente não foram orientados sobre a real necessidade da educação.

O interessante é que. lendo a matéria e a identificação do programa, fica evidente que os esforços para reverter o problema da evasão escolar não são penais. O que o poder público está tentando é o certo: juntar-se às famílias, com apoio de uma rede profissional multidisciplinar, para atacar o problema na origem. Direito penal para quê? Para dificultar ainda mais uma solução? As previsões oriundas do direito de família já não são suficientes? Eu creio que sim.

As falhas do sistema — em especial para os apoiadores da pena de morte

Comecemos lembrando que os Estados Unidos são o país cujo modelo de justiça criminal os "especialistas" brasileiros mais querem copiar.
Nesta semana, um júri federal em Tacoma, Washington, concedeu uma indenização de US$ 9 milhões a um ex-policial que passou 20 anos na prisão, por crimes que não cometeu. Clyde Spencer foi condenado à prisão perpétua por abuso sexual de seus próprios filhos, embora jurasse inocência. Investigações mais recentes revelaram que o chefe do Departamento de Polícia, com a ajuda de outro policial, fabricou provas contra Spencer, porque tinha um caso amoroso com a mulher dele e queria tirá-lo do caminho. Comprovado o erro judicial, Spencer foi libertado.
Quase que ao mesmo tempo, a “National Registry of Exonerations (NRE)”, organização da Faculdade de Direito da Universidade de Michigan, divulgou seu relatório anual sobre a libertação de presos inocentes nos EUA em 2013. Só neste ano foram libertados 87 presos, que passaram, inocentes, de três a mais de 20 anos na cadeia – com a ressalva de que nem todos os inocentes têm a mesma sorte. Segundo o advogado-chefe da “Legal Aid Society” Steven Banks, esses dados mostram a “ponta do iceberg”.
Das 87 condenações erradas, 27 (cerca de um terço) se referem a casos em que, como se descobriu posteriormente, não ocorreu crime algum; 40 casos se referem a pessoas condenadas por homicídio que não cometeram — incluindo a libertação de um preso no corredor da morte; 18 casos se referem a falsas acusações de estupro ou outros tipos de abuso sexual.
De todas as condenações erradas, 17% ocorreram porque os réus, sob pressão, fizeram confissões falsas. A origem das condenações erradas foi encontrada, principalmente, nos seguintes fatores (muitos deles, concomitantes): falso testemunho ou falsa acusação: 56%; má conduta policial: 46%; identificação errada de testemunha: 38%.
A instituição começou a pesquisar processos de libertação de inocentes nos EUA, com a ajuda do “Center on Wrongful Convictions” da Faculdade de Direito da Universidade Northwestern, que se dedica a investigar erros judiciais, em 2012. Desde então, levantou 1.304 casos de libertação de inocentes, dos quais 1.281 libertações, que ocorreram de 1989 a 2012, foram estudadas mais detalhadamente. Com os dados obtidos, a instituição produziu o quadro abaixo, que mostra o tipo de crime que o réu não cometeu e os fatores que concorreram, muitas vezes de forma concomitante, para a condenação – com base em cálculos percentuais:
 Identificação errada por testemunhaFalso testemunho ou falsa acusaçãoConfissão falsaProva forense falsa ou enganosaMá conduta de autoridades
Homicídio (597)26%65%20%23%58%
Estupro (224)75%32%7%34%19%
Abuso sexual de crianças (154)18%81%7%24%47%
Roubo (77)82%21%1%5%27%
Outros crimes violentos (92)47%48%8%13%43%
Crimes não violentos (117)9%54%2%6%56%
Todos os casos (1.281)38%56%12%22%46%
Das 1.281 pessoas libertadas, 81% foram condenadas por tribunais do júri e 7% por juiz singular. O restante sequer foi a julgamento, porque se declararam culpados em acordo com a Promotoria, para pegar penas mais leves, mesmo sendo inocentes. Desse total, 28% foram inocentadas com a ajuda de exames de DNA e as 78% restantes por investigações posteriores, no decorrer dos anos, sem a ajuda de exame de DNA. Somados os anos que cada um passou na cadeia, apesar de inocente, a média seria de 10 anos para cada pessoa.
Das pessoas libertadas, 1.184 (92%) são homens e 97 (8%), mulheres; 598 (47%) são negros, 513 (40%), são brancos, 513 (11%) são hispano-decendentes; e 23 (2%) são nativo-americanos ou asiáticos.
A instituição está pesquisando libertações de vítimas de erros judiciais a partir de 1989, com base no pressuposto de que foi a partir desse ano que os exames de DNA entraram em evidência, como forma de provar a inocência de condenados à prisão. Mas o levantamento tem mostrado que o volume de libertações, graças a exames de DNA, vem caindo ano a ano. A explicação é simples: progressivamente, os tribunais estão recorrendo mais a exames de DNA como elemento de provas, de forma que mais réus são inocentados ainda no julgamento.
Outra tendência evidenciada pelo levantamento é a de que cada vez mais promotores, juízes e até mesmo policiais são responsáveis por investigações, análises de processos e produção de provas, que resultam na libertação de condenados por erro judicial.
Em 2013, por exemplo, 33 (38%) das 87 libertações se deveram a esforços investigativos dessas autoridades. O restante é resultado do trabalho de advogados, investigadores particulares e de instituições que se dedicam a provar a inocência de condenados e, obviamente, a buscar erros judiciais.
Em Nova York, o promotor Kenneth Thompson foi eleito, este ano, procurador-geral do Distrito de Brooklyn, graças a sua bem-sucedida promessa eleitoral de investigar erros judiciais em sua jurisdição. Terá muito trabalho, porque são muitos. Mas a gota d’água foi a libertação de dois prisioneiros que passaram mais de 20 anos atrás das grades, condenados por matar a própria mãe e a irmã, quando um tinha 18 anos e o outro 15. DNA obtido na unha da mãe foi encontrado na investigação de outro crime, quando os dois já estavam presos há anos.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.

Revista Consultor Jurídico, 16 de fevereiro de 2014
Fonte: http://www.conjur.com.br/2014-fev-16/estudo-mostra-porque-tantos-inocentes-sao-condenados-prisao-eua

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Ah, esclareça

A notícia é muito triste e me comoveu. Mas os jornalistas brasileiros deram um jeito de piorar as coisas:
Olga Tilinina, 20 anos, foi decapitada na frente do seu filho Maxim, de 2 anos, em um acidente de elevador, nesta quarta-feira (12), em Moscou.
Mãe e filho voltavam de um passeio, quando a mulher entrou no elevador na frente da criança, sem explicação, a porta do aparelho teria se fechado. Em seguida, o elevador se moveu bruscamente e o corpo de Olga ficou preso na porta. Ela não sobreviveu ao acidente.
Ah, tá. Agradeço pela informação, pois eu estava muito inclinado a acreditar que a moça sobrevivera à decapitação...

Fonte: http://noticias.r7.com/internacional/russa-e-decapitada-pelo-elevador-em-frente-ao-filho-13022014

Camarilha

O Congresso Nacional do Brasil é uma indecência, um deboche. A enésima confirmação advém do case Natan Donadon, criminoso condenado a 13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão, obviamente em regime inicial fechado, pelos delitos de peculato e de quadrilha ou bando.

Graças à malandragem do constituinte, que abriu a porteira para que um mandato parlamentar somente pudesse ser cassado pela própria casa legislativa, mesmo na hipótese de condenação penal transitada em julgado, lamentavelmente chancelada pelo Supremo Tribunal Federal ao colocar a forma sobre o conteúdo e a própria lógica, o ex-deputado por Rondônia, hoje sem partido, escapou da cassação em agosto do ano passado, beneficiado pela obscenidade da votação secreta.

Graças a isso, inaugurou-se na História o caso de um parlamentar com condenação penal definitiva, e por crime contra a Administração Pública, permanecer representante do povo, indo e vindo entre a Penitenciária da Papuda, onde estão os bandidos que foram pegos, e o Congresso Nacional, onde você preencherá o restante do chiste.

Ontem, por fim, Donadon foi cassado, mas tão somente porque a votação agora é aberta. Como bem destacou o seu advogado, num rasgo de sinceridade pungente, os parceiros se sentiram na obrigação de limar o criminoso, embora talvez não quisessem fazê-lo, quiçá por empatia, quiçá para não criar precedente. Mas em se tratando de uma votação com quórum qualificado, havia a necessidade de 257 votos pela cassação.

E aí o que fizeram os ilustres parlamentares? Para não se queimar votando "não", abstiveram-se ou se ausentaram. Em votações desse tipo, é mais do que evidente que a omissão equivale à ação, porque impedir o quórum mínimo é estratégia consciente para preservar o bandido amigo. Por isso, procure saber os nomes dos picaretas que simplesmente sumiram durante uma votação importante dessas e faça um favor ao Brasil, de jamais votar em um deles.

Deputado cassado, mas o mal ficou feito. E novos horrores foram incluídos à trajetória de um Poder Legislativo que não representa os brasileiros. Ou pior: talvez represente. E justamente por isso as coisas são como são e todo mundo deixa estar.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Por onde anda o Alexandre, de Campinas?

Uns cinco anos atrás, este blog era habitualmente visitado pelo Alexandre, um rapaz de Campinas que nunca conheci, cujo rosto desconheço, mas que volta e meia me deixava um comentário sempre muito amistoso. Ele possuía uma sobrinha com o mesmo nome de minha filha, que eu gostava de chamar de "Júlia Campineira". Mas, como diria Chico Buarque, assim como veio, partiu, não se sabe pra onde.

Caro Alexandre, se você ainda está por aí, dê um alô. Vou gostar de conversar com você novamente. Abraço.

Novamente à caça de um monitor (3)

Vamos corrigir as provas...

Certo o Toffoli

A condenação extinta há mais de cinco anos não pode ser utilizada para majorar pena. Com base nesse fundamento, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, retirou o acréscimo de seis meses sobre a pena-base de um condenado por tráfico de drogas. A majoração, em 1/6 da pena, havia sido determinada pela Justiça Federal do Paraná.
Segundo o ministro Dias Toffoli, como o Código Penal determina que os efeitos da reincidência estão limitados a condenações ocorridas até cinco anos antes da infração, não faz sentido que uma pena já extinta há mais tempo seja reconhecida como mau antecedente e sirva para elevar a pena imposta ao condenado.
“A interpretação do disposto no inciso I do artigo 64 do Código Penal [que trata da reincidência] deve ser no sentido de se extinguirem, no prazo ali preconizado, não só os efeitos decorrentes da reincidência, mas qualquer outra valoração negativa por condutas pretéritas praticadas pelo agente”, afirmou o ministro. “Se essas condenações não mais prestam para o efeito da reincidência, que é o mais, com muito maior razão não devem valer para os antecedentes criminais, que é o menos”, concluiu.
Condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região a 7 anos e 5 meses de prisão e pagamento de 748 dias multa, o réu recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, onde o Recurso Especial foi negado pelo relator, ministro Marco Aurélio Bellize. Segundo o ministro do STJ, a corte entende que, embora o decurso de período superior a cinco anos afaste a reincidência, isso não impede o reconhecimento de maus antecedentes.
A defesa então entrou com Habeas Corpus no STF. Ao analisar o caso, o relator, ministro Dias Toffoli, afirmou que, embora a questão ainda não tenha sido analisada por colegiado do STJ, o que impede o conhecimento do HC pelo Supremo, o caso é de ilegalidade flagrante. Assim, Toffoli não conheceu do HC, mas concedeu a ordem de ofício.
“O homem não pode ser penalizado eternamente por deslizes em seu passado, pelos quais já tenha sido condenado e tenha cumprido a reprimenda que lhe foi imposta em regular processo penal”, afirmou o ministro.
O tema, porém, ainda não foi pacificado pelo STF. A palavra final será dada quando a corte julgar o Recurso Extraordinário 593.818/SC. O caso é Repercussão Geral e nele se discute se as condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos devem ser consideradas como maus antecedentes na fixação da pena-base. O relator é o ministro Roberto Barroso.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2014-fev-12/pena-extinta-anos-nao-serve-majoracao-decide-toffoli

Emergências, direito penal e burrice

Tudo como sempre, mas com umas novidades de permeio.

O de sempre: acontece um crime de grave repercussão social, a sociedade chia, os politiqueiros se agitam e logo surge uma proposta para endurecimento das leis penais. A bola da vez é a morte do cinegrafista Santiago Andrade, em serviço, durante manifestação no Rio de Janeiro. Contudo, a proposta imbecil que desejo comentar não surgiu agora, e sim remonta a meados do ano passado, quando o país foi tomado por intensa agitação popular nas ruas, começando com os protestos durante a Copa das Confederações.

Foi quando um dos super-herois da classe média brasileira, José Mariano Beltrame, secretário de segurança pública do Rio de Janeiro, convocou uma comissão de juristas (Questionamentos 1 e 2: Que sentido foi dado à palavra "juristas"? Quais são as credenciais dessas pessoas cujos nomes sequer foram divulgados?) para elaborar um projeto de lei criminalizando a incitação ou prática de desordem. Esta mais nova pérola da cultura jurídica brasileira está em poder do Ministério da Justiça há três meses, enquanto Beltrame sustenta que, sem leis mais rígidas, a polícia nada pode fazer para... Para quê mesmo?

Dentre as propostas dos "doutos", está a proibição do uso de máscaras durante protestos. E até dentro de casa tenho que escutar que, se o sujeito vai para a rua mascarado, é porque necessariamente está mal intencionado, como se o mundo fosse assim cartesiano e as pessoas não pudessem, apenas, querer se defender de violência policial. Outra proposta, esta correta, é impedir o porte de instrumentos que possam causar lesões, desde que se esclareçam que instrumentos seriam, porque eu posso ferir alguém com uma simples caneta.

Mas, acima de tudo, [questionamento 3] como se pode criminalizar a "desordem", sendo esse um conceito indeterminado? Aliás, é essencialmente um conceito construído por instâncias de poder, que ditam como os subordinados devem se comportar e tudo que esteja fora dessa moldura será desordem. A imprecisão se torna ainda mais nítida quando se propõe um tipo penal consistente na associação "com o fim de praticar desordem, vandalismo ou qualquer tipo de violência". O que é vandalismo? Quais são os tipos de violência? Simples: o que o policial quiser que seja. Ou o governo.

Percebo, logo de saída, a violação ao princípio da taxatividade penal, o que não causa nenhuma surpresa, considerando que se essa é uma estratégia elementar do direito penal simbólico dos nossos tempos, dominado pela ideia das "emergências" (reagir com veemência a acontecimentos graves que supostamente não podem aguardar os efeitos resposta mais branda). Inúmeros criminólogos se dedicam a demonstrar como as emergências são criadas ao bel prazer dos governantes e classes hegemônicas, nunca com boas intenções e se sucedendo no tempo, de acordo com as conveniências.

Outra característica desse modelo de direito penal é o apelo ao suposto tecnicismo e a informação privilegiadas, embora elas não sejam de conhecimento público. No caso do Rio de Janeiro, supostos relatórios sigilosos do setor de inteligência policial indicam o risco de protestos mais violentos ao longo do ano. Pode ser, mas é um chute até que se prove o contrário. Lendas urbanas são habitualmente criadas para justificar os delírios punitivos do poder vigente. Que o diga Hitler.

Beltrame, no entanto, quer não apenas a lei, mas o engajamento de toda a sociedade por sua aprovação. Não lhe faltarão adeptos. Eu, como de praxe, ficarei entre os vencidos. A argumentação que desenvolve é rica em sintomas do nosso tempo, além de apelar para psicologismo infantil:

Diz aí, Beltrame: Se usar máscara é coisa de bandido, por que os
policiais escondem o rosto? Não estão no estrito cumprimento
do dever legal?
"Qual é o grau de tolerância que a sociedade tem com a violência apresentada durante as manifestações? Só para dar um exemplo, a pessoa que foi presa com o artefato já havia sido presa três vezes. As idas à delegacia não foram suficientes para ela repensar seus atos. Ela voltou a praticar crimes."

Sintoma 1: O discurso remete à famosa política de tolerância zero, que conta com inúmeros fãs, embora provavelmente nenhum deles saiba exatamente em que ela implica.

Sintoma 2: No exemplo citado, apela para uma situação dramática, que é mais fácil de provocar reação emocional intensa no público, que assim se convence da necessidade do rigor proposto.

Sintoma 3: A reiteração criminal (não confundir com reincidência, que é um conceito técnico) costuma ser entendida como uma prova inquestionável de personalidade criminosa convicta. O esperto só se esquece que a imputação criminal é um fenômeno externo e que quanto mais uma pessoa é acusada, mais fica vulnerável a novas acusações.

Sintoma 4: A infantilidade de achar que, por ter sido presa, a pessoa poderia "repensar os seus atos", ou seja, ter uma espécie de epifania e se converter em uma pessoa de bem, de acordo com os parâmetros externos. Realmente, uma cela é um lugar muito adequado para elevação moral. As estatísticas de sempre e de todos os lugares estão aí para comprovar isso.

Não me venha com papo de que a desordem está definida pelos danos que causam a terceiros, porque isso é consequência e aparece na proposta como qualificadora.

O que mais me irrita nessa história é que ninguém tentou disfarçar: a ideia do projeto de lei surgiu após os protestos contra a Copa das Confederações. De novo Beltrame, satisfeito em ser lambaio da FIFA:

"As manifestações surgiram no ano passado de uma maneira que nunca havíamos visto. Gente mascarada utilizando pedras, coqueteis Molotov, rojões, foguetes, estilingues incendiários. Temos tentado viver um protesto de cada vez, complementando com informações da nossa inteligência e treinando os policiais. Em função do que temos hoje na lei, não temos condições de manter estas pessoas presas e puni-las, porque os crimes são de menor potencial ofensivo. Temos prendido muita gente, foram cerca de 50 na última quinta-feira, mas todos foram soltos. Fizemos o estudo para propor as mudanças legislativas para evitar que isso ocorra."

"Eu respeito o Ministério da Justiça, mas não posso deixar que as coisas continuem acontecendo aqui, nas minhas costas, na Central do Brasil. A própria Constituição garante o direito de manifestação, mas veda o anonimato e a utilização de armas durante os protestos. Estamos só pedindo para regulamentar algo previsto na Constituição há 30 anos. Precisamos ser rápidos, pois temos a Copa do Mundo à nossa porta."

De saída, alguém informe a Beltrame que a Constituição é de 1988 e, portanto, acabou de fazer 25 anos e não 30. A regra "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato" (CR/1988, art. 5º, IV) deve ser interpretada de maneira sistemática, em confronto com os demais direitos fundamentais, não se podendo interpretar, fora de contexto, que todo uso de máscara em manifestação, por ser anonimato, é conduta vedada de modo absoluto. Quando ao uso de armas, ele não tem que ser "regulamentado": trata-se de prática proibida.

E é assim que vamos levando: tentando corrigir os erros com outros erros, sem os pés na realidade e com muito discurso.

Fonte: http://oglobo.globo.com/rio/beltrame-sugere-leis-mais-rigidas-para-conter-violencia-em-protestos-11567972

E bem a propósito: http://www.conjur.com.br/2014-fev-13/especialistas-alertam-riscos-proposta-tipifica-crime-desordem

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Cidadãos de isopor

Esses intelectualoides esquerdoides de merdoide vivem grasnando que São Paulo é reduto de uma aristocracia tardia, egoísta e cruel, quando na verdade essa gente bronzeada paulista está aí, mostrando o seu valor, na vanguarda do ativismo dos movimentos sociais. Sim, dos movimentos sociais porque, a julgar pelas manifestações da grande imprensa, basta que meia dúzia de cabocos se reúnam para reivindicar alguma coisa ou reclamar de alguma coisa e já temos um autêntico movimento social.

Refiro-me ao "isoporzinho", movimento no qual amigos se reúnem para beber na rua ou em outros espaços públicos. Trata-se de um protesto contra a ganância e a insensibilidade dos capitalistas safados de restaurantes e bares, que têm cobrado preços extorsivos pela bebida (e por tudo o mais, na verdade). Com essa atitude desumana, eles suprimem o acesso dos cidadãos ao direito fundamental ao álcool, ao lazer e à felicidade. É uma questão de dignidade humana. Tá lá, na constituição. De quebra, esses desbravadores dão uma lição de cidadania ao propor a ocupação saudável e fraterna de espaços públicos sub-utilizados, o que certamente contribuirá muito para a melhoria da qualidade de vida nas grandes cidades, hoje tão insalubres.

Tal como o "rolezinho no shopping", a parada também é convocada pela internet e ganha rapidamente um número imenso de adesões. Mas diferentemente daquele movimento periférico e tãããããããão 2013, o "isoporzinho" não será objeto de repressão policial, nem haverá liminares judiciais, nem a boa família brasileira se sentirá ameaçada de sair de casa, com suas crianças, e passear por espaços onde antes se sentiam seguras, porque essa gentalha não estava lá.

Talvez os empresários do setor se ofendam e queiram alguma reação, mas sempre haverá a todo-poderosa indústria cervejeira para se disponibilizar, pronta e desinteressadamente, a defender esse grito dos excluídos. Não duvido que semana vindoura esteja passando na TV, em cadeia nacional e horário nobre, uma campanha publicitária convidando: Isoporzinho! Vem pra rua você também! (E em letras miúdas e som menos audível, a advertência do Ministério da Saúde sobre os riscos do consumo de álcool).

É por essas e outras que eu morro de orgulho do meu país.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/2014/02/1408443-encontro-para-beber-na-rua-o-isoporzinho-chega-a-sp-neste-sabado.shtml

O blog Arbítrio do Yúdice adverte:

A despeito do tom jocoso da postagem, é absolutamente correta e necessária a prática do boicote a todo produto ou serviço com preços irreais ou qualidade insuficiente. Somos humilhados continuamente por todos os lados, porque permitimos isso. Claro que é extremamente difícil você se privar de certos itens, que correspondem a necessidades essenciais, prestados pelo próprio poder público ou pela iniciativa privada mediante concessões ou procedimentos análogos. Mas é preciso começar a reclamar, cobrar soluções e resistir.

Um dos exemplos mais contundentes é o sempre lembrado preço dos carros neste país. Se os brasileiros parassem de comprar carros por algumas semanas — o que é perfeitamente possível, já que não se trata de item essencial, como regra —, seria a maior barata voa. Carro parado no pátio é prejuízo para o revendedor e, em cascata, para os fabricantes, porque o problema atingiria seus próprios pátios. No sufoco, as promoções iam aparecer. Para dar um exemplo apenas.

Então é isso: não pague caro.