Acerca da postagem sobre abandono intelectual, de ontem, uma comentarista anônima deixou esta abordagem:
Yudice, mas qual é sua sugestão para os pais que não matriculam os filhos ao menos na educação básica, mesmo que exista bolsa familia para incentivo, ameaça de destituição de poder familiar (que para pais desidiosos é um prêmio, já que o dever cuidado dos rebentos é passado para outra pessoa ou Estado) e a multa por infração administrativa prevista no ECA é inexequível porque o pai omisso/desidioso geralmente não tem renda para tanto? Me desculpe, mas o pai que deixa de matricular o filho ele está condenando o mesmo à miséria e ignorância, expondo-o à criminalidade, enfim, tirando o futuro do mesmo, sem que a criança possa se defender de um tipo de criminoso deste laia. Para mim, deveria ser como a pensão alimentícia: 3 dias para matricular ou justificar, passado o prazo, mantendo-se a inércia: cadeia. E isso vale também para os homens (pais) que deixam tudo nas mãos da mulher como se só esta tivesse a obrigação de correr atrás da educação formal do filho. Eu digo isto, porque estou cansada de ir em audiências da Infância e Juventude ou do Conselho Tutelar,os pais serem advertidos (pois quando chega nesta fase, já ultrapassou a fase de conscientização) e depois de alguns tempos a criança/adolescente permanece fora da escola. Para mim, a conduta merece ser criminalizada porque a educação básica é um direito fundamental da criança e adolescente, uma conduta equiparada a deixar de dar água ou alimento, tamanha a sua importância para o pleno desenvolvimento de um ser humano. Por isso, não dá para aceitar em pleno seculo 21 o cidadão desconhece a obrigação de matricular seu filho/pupilo na escola.
Minha resposta:
Cara anônima das 17h24, concordo com todas as suas premissas e juízos de valor, mas não com a sua conclusão. De modo algum podemos continuar a sustentar a obsessão do brasileiro por punição. Decantado por Gilberto Freyre como um povo naturalmente bom e generoso, o brasileiro na verdade é um povo cruel, que continua a supervalorizar a tradição católica de imposição do máximo sofrimento para qualquer pecado. Você mesma disse: não é qualquer pena, é "cadeia".
Entenda que, sim, educação é um direito fundamental e sua ausência nega, à pessoa, a possibilidade de um futuro, porque limita o próprio ser humano. Logo, o abandono intelectual é mesmo uma conduta gravíssima, mas de onde é que as pessoas tiram essa convicção de que punição resolve alguma coisa, meu Deus? De onde?
Naturalmente, como todo problema difícil, este também tem uma solução fácil, que é a errada. Por não ser versado em políticas públicas sobre educação infantil, confesso que não sei quais seriam os mecanismos mais adequados para compelir a matrícula dos infantes. Mas, desde logo, ocorre-me ao menos uma ideia.
Amiga minha relatou que, em Curitiba, onde vive há alguns anos e onde teve o seu bebê, foi surpreendida com a chegada inesperada, em sua casa, de agentes de saúde da família, que foram verificar como estava a criança. Por que isso aconteceu? Porque o parto foi comunicado a um sistema de assistência, que acionou os agentes de saúde do bairro onde ela mora e estes cumpriram sua obrigação de visitá-la, com eficiência e gentileza. Desacostumada de medidas como essa no Brasil, minha amiga chegou a pensar que era um golpe! Na verdade, era o Estado tomando conta das pessoas. Ela elogiou muito a assistência que recebeu.
Detalhe: a família dela tem plano de saúde e o parto sequer ocorreu na rede pública. Mesmo assim eles foram visitados, porque se trata de uma política universalizada. Onde há uma criança, os agentes devem ir.
Se é uma sugestão prática que você me pede, então podíamos pensar em uma política pública com esse perfil: a partir da comunicação de nascimento de uma criança, o próprio Estado poderia, utilizando recursos elementares da informática, monitorar a matrícula dessa criança. Caso ela não fosse feita espontaneamente, o Município - a quem compete a gestão da educação infantil - promoveria a matrícula de ofício, em uma escola próxima à residência da família e se valeria de agentes para as devidas comunicações e advertências. Em caso de faltas, os agentes entrariam em ação de novo.
Muitas vezes, os pais são pessoas tão humildes que, eles mesmos, não compreendem o papel da educação. Se esclarecidos, mandam os filhos à escola. Não necessariamente é má fé. Por essas e inúmeras outras razões, não concordo e jamais vou concordar com a criminalização.
Permita-me dizer, ainda, que toda proposta de criminalização chega sempre com uma carga de desvalor pessoal elevada e isso se percebe em seu comentário, quando afirma que a destituição do poder familiar seria um prêmio para certos pais. Sim, eu sei que isso acontece. Aliás, como diz minha esposa, devia haver uma espécie de carteira de habilitação para o sujeito ser pai ou mãe. O problema é a generalização que o texto sugere, como se toda falta de matrícula fosse uma desídia oriunda de pais que preferiam não ter qualquer encargo.
Se queremos pensar em uma solução, creio que ela começaria com um estudo sério, que respondesse a seguinte questão: por que, afinal, as pessoas deixam de matricular seus filhos na escola, havendo vagas?
Desconhecendo a resposta a essa pergunta, não poderíamos fazer muita coisa, penso.
Grato por suas ponderações, educadas e preocupadas, próprias de quem tem conhecimento pessoal do tema. Se quiser esclarecer de onde vem essa experiência, agradeço. Fico à disposição para prosseguimentos.
Quem quiser, debata conosco.
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