segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Fazendo valer a pena

Quando um professor que leva a sério a docência passa um trabalho, no fundo ele tem a expectativa de que seus alunos receberão aquela tarefa com paixão e que tentarão implementá-la da melhor forma possível, não apenas cumprindo o que lhes foi solicitado, mas indo além, com vontade de aprender mais do que orientado e, inclusive, de surpreender. Como a vida é mais ou menos como as fotos meramente ilustrativas em sua relação com a realidade, ou seja, o sanduíche de verdade nunca é tão bonito quanto o da fotografia publicitária, as coisas não saem exatamente como o desejado. Na rotina, trabalhos são feitos para cumprir tabela e obter os pontos correspondentes.

Em minha trajetória docente, já me deparei com alunos que corresponderam à idealização e foram muito além do esperado. Posso me considerar um privilegiado nesse sentido, pois não foram poucas as vezes que saí de sala com o espírito em festa. Neste semestre, fiz minhas requisições às minhas turmas de Direito Penal III, relativas a temas transversais de nosso conteúdo programático, selecionados por sua importância e capacidade de influenciar para além da formação técnica dos estudantes de direito: temas escolhidos para estimular as suas emoções e o seu senso de cidadania.

Hoje vivi uma tarde valiosíssima. Para ser justo, admito que deveria aludir a outras equipes, que também merecem louvor, mas a verdade é que, na correria, deixamos de fazer os devidos registros. Peço desde já perdão por me concentrar em apenas duas apresentações, mas direi que foi a última tarde de trabalhos deste semestre. Foi o fechamento, a cereja do bolo. E que cereja!


A tarde começou com Luísa Francês, Mayara Alencar, Lara Brito, Paulo Henrique Santana, Luísa Santos e Breno Alves defendendo um dos temas que mais me motivam: a escravidão contemporânea. Em formato de documentário, cuja forma e conteúdo não deixavam nada a dever aos bons vídeos que gente séria publica na internet, em canais educativos ou ativistas, eles fizeram uma síntese de 40 minutos sobre esse flagelo da sociedade brasileira que, longe de acabar, reinventa-se graças à ganância e à perversidade de muitos.

Após pesquisas, entrevistas e seleção de material audiovisual, produziram um texto preciso, largamente informativo e claramente humano. E ainda fizeram bonito na telinha.


E a tarde terminou com Isabelle Figueiredo, Joana Galvão, Natália Negrão, Renata Figueiredo e Valeska Ferreira, falando sobre violência contra a mulher. Esta equipe foi longe na criatividade, levando-nos a um cenário preparado com faixas pretas e cartazes, nos quais se viam fotos, depoimentos de mulheres vitimizadas e cartazes com as ofensas verbais que naturalizamos em nosso cotidiano.

A partir da estória de "Maria", que poderia ser qualquer mulher que conhecemos (ou somos!), foram apresentando a violência que começa simbólica, por meio da reprodução de padrões comportamentais antigos, passa ao assédio sexual, depois avança para os abusos nas relações profissionais e, por fim, materializa-se na violência obstétrica e no casamento abusivo, que vai da obediência à submissão, das ameaças às agressões físicas e à morte (para incluir o tema do feminícidio). Uma tarefa lindamente construída, capaz de provocar fortes reflexões e... empatia.

Hoje me alegrei, aprendi, me emocionei e confirmei que estou onde devia: na sala de aula, o meu outro lar. Uma casa onde sempre haverá alunos como os onze aqui mencionados, fração de um universo ainda mais envolvente, que fazem tudo valer a pena.