quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Desventuras em série

Hardy Har Har, a hiena ultrapessimista criada pela dupla
Hanna-Barbera. Adivinha quem, quando criança, se
identificava plenamente com ela?
O escritor estadunidense Daniel Handler, sob o heterônimo Lemony Snicket, escreveu uma sequência de treze livros intitulada Desventuras em série. Você deve conhecer. Ela ensejou um filme fracassado em 2004 e uma série bem bacana produzida pela Netflix, lançada em 2017 e concluída em três temporadas. A saga dos órfãos Baudelaire é contada com um senso de humor depressivo e mórbido, com o narrador sempre ressaltando que não se deve ter esperanças, que tudo sempre vai piorar. É uma narrativa tão trágica que faz a hiena Hardy parecer um coach quântico.

Há pouco, ao acessar um portal de notícias e ler as manchetes, só consegui pensar que viver no Brasil se tornou algo como estar dentro das desventuras em série. Ou tragédias em série. Ou apocalipses em série. Faltam termos para qualificar o horror que temos enfrentado. Vamos a uma rápida demonstração:

Manchete 1: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/02/05/bolsonaro-pessoa-com-hiv-e-despesa-para-o-pais.htm

Uma gota de sabedoria: "O Alexandre Garcia [jornalista e apresentador da Globo] comentou que a esposa dele, que é obstetra, atendeu uma mulher que teve primeiro filho aos 12 anos, o segundo aos 15 e no terceiro já estava com HIV. Uma pessoa com HIV, além de ter um problema sério para ela, é uma despesa para todos aqui no Brasil", disse #@&*%$A declaração aconteceu quando o presidente foi questionado sobre cortes de verba em políticas públicas para mulheres e respondeu elogiando a campanha de abstinência sexual anunciada pela ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves.

Manchete 2: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/02/05/se-puder-confino-ambientalistas-na-amazonia-diz-bolsonaro.htm

Um momento edificante: Ao defender hoje a regulamentação da mineração e exploração de recursos em terras indígenas, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que, se pudesse, "confinaria" os ambientalistas na Amazônia, já que "eles gostam tanto de meio ambiente". (...) Na prática, Bolsonaro propõe alterar regras para permitir que áreas indígenas, hoje protegidas, passem a ser exploradas comercialmente em atividades como mineração, exploração de petróleo e gás natural e geração de energia hidrelétrica.

Manchete 3: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/02/governo-bolsonaro-nomeia-evangelizador-de-indigenas-para-chefiar-setor-de-indios-isolados.shtml

Uma dádiva do coração: O Ministério da Justiça nomeou nesta quarta-feira (5) o pastor evangélico Ricardo Lopes Dias para o cargo de chefe da coordenação de índios isolados da Funai, considerada um dos setores sensíveis do órgão por lidar com a população indígena mais vulnerável.

Manchete 4: https://www.uol.com.br/universa/noticias/agencia-estado/2020/02/05/violencia-contra-mulher-area-precisa-de-postura-nao-de-dinheiro-diz-bolsonaro.htm

Uma celebração da humanidade: O presidente Jair #@&*%$ (sem partido) sinalizou hoje que não pretende reforçar o orçamento para políticas de combate à violência contra a mulher. Para ele, a área não depende de dinheiro, e sim de "postura", "mudança de comportamento" e "conscientização". Levantamento feito pelo Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, revelou que houve redução drástica nos recursos do governo para a área entre 2015 e 2019 e que o programa Casa da Mulher Brasileira ficou sem receber um centavo em 2019. A Casa da Mulher foi criada para oferecer atendimento integrado às vítimas de violência.

Como diriam Snicket ou Hardy, vai piorar. Todos os dias, sem exceção, são várias as notícias que nos sugam o resto das energias. Isso, claro, se você ainda se sente humano e consegue enxergar humanidade em algo além do seu umbigo. Para os demais, esse extermínio planejado, sistemático e convicto é a melhor coisa que poderia estar acontecendo ao país. Para o resto de nós, é um exercício brutal de resistência, que fazemos porque a alternativa não é lá muito auspiciosa. 

Se vivos estamos, resistamos. 

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