sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Dando um jeitinho

Falei que haveria outros capítulos.
O brasileiro conhecido por "Champinha", famoso como matador do casal Liana Friedenbach e Felipe Caffé, foi considerado incapaz para a prática de todos os atos da vida civil, pelo juízo de Direito distrital de Embu-Guaçu, SP. O interessante é que, no meio da deliberação de caráter extrapenal, foi tomada uma tipicamente penal, enquadrável como imposição de uma medida de segurança detentiva: internação em estabelecimentos psiquiátricos, por tempo indeterminado.
A notícia que acabei de ler é superficial, por isso não disponho de meios para analisá-la com melhor conhecimento de causa. Todavia, ela me parece de legalidade duvidosa, na medida em que não se pode converter uma pena (ou, no caso concreto, uma medida socioeducativa) em medida de segurança, só para se ter a garantia de que o criminoso não retornará às ruas. A manobra foi tentada no caso do "Bandido da Luz Vermelha", sem sucesso. Pelo visto, no caso de "Champinha", está dando certo.
Tentarei informar-me melhor sobre o caso, a fim de me permitir uma análise penal técnica. Enquanto isso, saiba onde se origina minha preocupação, lendo aqui.

Universo dos bebês

A BBC Brasil está com uma série de matérias sobre bebês, interessantíssimas. Nela, você fica sabendo, p. ex.:
  • A partir dos seis meses de vida, os bebês já apresentam inteligência social, sendo capazes de julgar se uma pessoa teve atitudes boas ou más. Trata-se de atributo universal, que não depende de aprendizagem. Mesmo rechaçando a ideia de que bebês teriam senso moral, a pesquisa da Universidade de Yale sugere que "parece ser uma parte essencial da moralidade sentir uma empatia por aqueles que fazem coisas boas e o contrário por aqueles que fazem coisas más."

  • Outra pesquisa aponta que os bebês de hoje têm duas vezes mais chances de sofrer de problemas dermatológicos do que os da geração de seus pais. O motivo? Excesso de banho. Os bebês de hoje são "limpos demais". A recomendação é de que bebês tomem banho apenas duas ou três vezes por semana! Sei não, mas acho que essa pesquisa foi conduzida por algum francês...

  • Uma terceira pesquisa conclui que "um terço dos casais dorme uma hora e meia a menos por noite, o equivalente a uma noite inteira por semana ou a mais de dois meses por ano. Para um em cada cinco pais, a falta de sono é ainda pior: quase três horas a menos por dia." O resultado: aumento das brigas entre o casal. O problema já tem até nome: síndrome do sono competitivo. Deve ser também por isso que tantos casais se separam no primeiro ano de vida do bebê.
Não deixe de ler as notícias relacionadas, que são ótimas, especialmente "Bebês que mamam no peito 'têm mãe mais inteligente'" e "Bebês de cesariana têm mais risco de morte" — esta última valiosa na luta contra os médicos canalhas que fazem de tudo para convencer as mães ao parto cesariano, porque é melhor para eles, embora pior para a mãe e para o bebê. Claro, também merecem repulsa as próprias gestantes que fazem apologia da cesariana por motivos egoísticos, travestidos de praticidade e independência.

O Brasil e a síndrome do "veja bem"

Recentemente, a agência de publicidade Talent criou para a Votorantim Cimentos uma campanha na qual um pedreiro precisa explicar irregularidades numa obra e começa dizendo "veja bem..." Nos filmes seguintes, sugere-se que o grau de comprometimento da obra aumenta quanto mais o sujeito repita "veja bem..."

Tomava eu o banho matinal — momento dos meus devaneios filosóficos — quando me ocorreu que esse desculpismo é crônico no Brasil e bem pode ser utilizado para falarmos sobre o caos da segurança pública, ou mais particularmente do sistema penitenciário. Acompanhe meu raciocínio:
Quando se critica o sistema penal, que pertence ao Poder Executivo, pela ausência de vagas capazes de suprir a imensa demanda, dentre as muitas explicações ofertadas está uma transferência de culpa para o Poder Judiciário:
  • Veja bem, os processos criminais se arrastam durante anos e, especialmente no Pará, 80% dos presos são provisórios. Se o Judiciário sentenciasse mais rapidamente, teríamos menos presos provisórios e mais presos condenados.
Batemos, então, na porta do Judiciário e apresentamos nosso queixume. Mas a resposta é sabida de antemão:
  • Veja bem, temos um problema crônico de excesso de trabalho (enorme quantidade de processos), carência de juízes e de promotores de justiça, carência de infraestrutura e, para piorar, a legislação é arcaica. Se o processo penal fosse modificado, acabando com o excesso de recursos, as medidas inúteis e formalidades banais, poderíamos julgar os processos mais rapidamente.
Isso nos força, então, a procurar o Congresso Nacional, único que pode legislar sobre matéria penal. Lá, os nossos bem falantes representantes nos diriam algo do tipo:
  • Veja bem, temos inúmeras propostas para aperfeiçoamento da legislação penal, mas elas exigem um amplo debate social. Criaremos uma comissão, faremos audiências públicas e produziremos uma lei à altura das necessidades do povo brasileiro. Para isso, porém, precisamos que o governo nos dê melhores condições de trabalho, edite menos medidas provisórias que trancam a pauta das casas legislativas e seja menos corrupto, para fazermos menos CPI.
Diante disso, atravessaremos a Praça dos Três Poderes e, apresentando nossos queixumes ao Executivo Federal, escutaremos:
  • Veja bem...

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Terremoto, agora em Belém e de verdade

No Ceará pode ter sido brincadeira, mas agora o terremoto foi verdadeiro. E em Belém do Pará!
Na verdade, o epicentro do abalo sísmico ocorreu na Martinica, Caribe, a 145 quilômetros de profundidade. Porém, foi de alta intensidade (7,3 graus na escala Richter), o que permitiu sua propagação por imensas distâncias, chegando a ser percebido em quatro Estados brasileiros: Amazonas, Pará, Roraima e Rondônia.
O fato se deu no meio da tarde, quando eu estava em casa, no 11º andar, mas não percebi nada. Acabei de saber, contudo, por uma colega professora, que uma amiga dela se encontrava a dois quarteirões do meu prédio, no Edifício Síntese 21, e chegou a fugir do consultório médico em que se encontrava, assustadíssima (provavelmente foi ele o edifício evacuado na Conselheiro Furtado). Pessoas na sede do BASA ficaram bastante assustadas.
A reportagem da Folha Online informa que, em Manaus e Belém, o Corpo de Bombeiros foi acionado para vistoriar edifícios. Pelo visto, foi neles que o fenômeno pode ser percebido.
A reportagem do Portal ORM menciona que alguns prédios, como o do Banco Central, do BASA e do Hilton chegaram a ser evacuados.
Luiz Ercílio Faria, doutor em Geologia e professor da UFPA, explicou o fenômeno e revelou que há pouco menos de 15 dias, Belém foi atingida por outro tremor de terra, consequência de um terremoto de 7,7 graus na escala Richter, ocorrido no Chile. Pelo visto, o fato não foi noticiado.
Nós, aqui na terrinha, sempre comentamos que abalos sísmicos não pertencem a nossa realidade. Lembro-me de minha mãe contar acerca de um terremoto que a apavorou, nos anos 1970, antes mesmo de eu nascer. Não pensei que isso um dia fosse acontecer. Mas aconteceu e eu nem percebi.

Homens de pouca fé

Detesto fundamentalistas religiosos. A maior demonstração que dão de sua fé é que ela é minúscula. Cínicos, hipócritas e mal intencionados, sempre tentando impor ao mundo a sua falta de caráter.
Saiba do que estou falando.

Dando o melhor de si

Doar, dizem alguns, significa dar mais. Interessada em doar para a Fundação Teletón, que ajuda crianças carentes com problemas de saúde, a garota de programa chilena María Carolina decidiu doar o dinheiro arrecadado em 27 horas contínuas de sexo. No valor de US$ 300 a hora, ela espera arrecadar US$ 5.400.
O responsável pela campanha no Chile já avisou que não pretende aceitar a oferta, causando surpresa à abnegada profissional do sexo.
Ninguém pediu a minha opinião mas, honestamente, eu aceitaria a oferta. Sou contra esses pruridos moralistas, nada tenho contra prostitutas e considero importante estimular, nas pessoas marginalizadas, as boas iniciativas. Acima de tudo, as crianças precisam, não? E prostituição não é crime.

Moralidade: só para os outros

Em princípio, defendo que toda pessoa seja punida pelas faltas que cometer. A impunidade é perniciosa e estimula novos vícios, generalizadamente. Naturalmente, esta máxima não exclui a possibilidade do perdão, que é um valor moral importante e pode representar a segunda chance de que todos, mais cedo ou mais tarde, acabamos por precisar. Também não exclui as lições da Psicologia, quando ensina que a punição pode produzir efeitos diametralmente opostos ao esperado.
Em todo caso, por punição não se pode entender sanção penal, que nos últimos anos vem sendo banalizada, como se devesse ser utilizada em todo e qualquer caso — o famoso discurso de "lei e ordem" ou "tolerância zero", como é mais conhecido nestas pastagens.
Meus alunos escutam, logo na primeira aula de Direito Penal I, e voltam a escutar repetidas vezes durante todo o nosso curso, que a pena criminal é a mais drástica das punições jurídicas. Logo, somente deve ser aplicada quando estritamente necessário. Para faltas menores, deve-se adotar outras penalidades jurídicas e, em certos casos, a reprimenda, se houver, deve cingir-se a outros planos, como o moral, o familiar, o de grupo, etc., por sinal muitas vezes bem mais eficientes.
Sem meias palavras, irrita-me profundamente o discurso punitivo-penal largamente empregado hoje. Para tudo se quer uma dose de cadeia. A par da total ausência de senso de proporcionalidade, tal discurso em geral mascara a incomensurável hipocrisia do povo brasileiro, que adora se considerar bom e solidário. Balela. O brasileiro médio tem muito dessas características, mas não está imerso nelas e frequentemente age assim por conveniência. Sem falar que, a meu ver, são predicados em declínio.
Quando está fora do problema, o indivíduo sabe exigir conduta irrepreensível. Dos outros. Alguém afanou um pacote de macarrão de um supermercado? Cadeia. Disse um palavrão para uma autoridade? Cadeia. Mas, a bem da verdade, as pessoas reagem dessa forma sobretudo em relação aos ataques patrimoniais. Sinal dos tempos. Agem assim porque são ou temem ser vítimas. Reagem dessa forma por medo ou raiva — dois sentimentos que embotam o senso crítico.
Mas pense comigo: que moral tem, para conclamar punições a rodo, mesmo para as pequenas faltas cotidianas, aquele que:
  •  insere todo ano informações falsas em sua declaração de imposto de renda? (sonegação tributária)
  •  arranca páginas do livro que pertence à biblioteca do seu local de estudo? (dano)
  •  dirige embriagado? (perigo para a vida alheia)
  •  apresenta atestado médico falso no trabalho ou no local de estudo? (falsidade ideológica)
  •  ofende as pessoas na internet? (afetação à honra)
  •  transforma a própria casa ou automóvel num trio elétrico? (poluição sonora)
  •  humilha a empregada doméstica? (constrangimento, ameaça, etc.)
  •  fornece bebidas alcoólicas ou cigarro para menores? (perigo à saúde de adolescentes)
  •  consome entorpecentes, nas boates da vida? (estímulo ao tráfico) — e outras milhares de condutas cotidianas.

  
Para esses casos, não se pede punição. O débil mental que arrebenta o som no carro está apenas curtindo a vida. Não é um criminoso. Som tonitruante? Que que tem? Atestado médico falso para fazer prova de segunda chamada? Que que tem? Gritar com aquela pobre que me serve em casa? Que que tem? Beber, fumar ou consumir as outras drogas, ilícitas? Ora, sou livre e tenho dinheiro para comprar!! Que que tem?
Mas se o sujeito tirou 10 reais da minha carteira, aí todos os ensinamentos morais de nossos antepassados são resgatados. Temos que pensar no exemplo! Temos que desestimular o ilícito! Temos que coibir a safadeza! Aí eu entro no meu carro estacionado em fila dupla, jogo um papel pela janela e saio de alma lavada, porque sou um cidadão de bem!
Não estou do lado dos criminosos. Também sou vítima, concretamente falando. Só acho que, p. ex., o militar que se apropria indevidamente de 75 reais sofre uma punição exemplar e pesadíssima ao ser expulso da corporação. Não precisamos de cadeia, como precisaríamos se ele tivesse afanado 100 mil — ou então o que os políticos nos levam diariamente.
Foi largamente noticiado, há poucos dias, o caso dos jovens cariocas que agrediram uma prostituta e foram obrigados a trabalhar como garis (prestação de serviços à comunidade). Para mim, está ótimo.
Passei há anos da fase de me considerar a palmatória do mundo. Não sou modelo de conduta para ninguém. Quando digo que falta moral a quem perpetra suas vilezas cotidianas, reconheço as minhas e por isso mesmo evito botar o dedo na cara dos outros. Adoraria que o mundo fosse melhor. E até acho que ele pode vir a ser. Mas enquanto não for, continuarei reconhecendo que há erros que merecem veemência e outros que pedem condescendência.
Essa está longe de ser uma opinião fácil. Aceito as críticas que receber.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Princípio da insignificância em crime militar

L.C.F., soldado da Força Aérea Brasileira, adulterou uma ficha de hospedagem do Cassino de Soldados e Sargentos da Base Aérea de Recife, para se apropriar do valor referente a cinco diárias. Com isso, apropriou-se da quantia, R$ 75,00, a qual teria sido devolvida espontaneamente logo no dia seguinte.
Caracterizado o peculato, como crime militar, o soldado foi denunciado. Mas a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu habeas corpus em favor do rapaz e trancou a ação penal, em contrariedade ao que decidira o Superior Tribunal Militar. Para os ministros, acatando o voto da relatora Carmen Lúcia, a conduta do soldado não constitui crime (atipicidade pela exiguidade do dano — aplicação do princípio da insignificância), além de não comprometer a hierarquia e a disciplina. Para a corte, bastam as sanções administrativas, pois uma sanção criminal seria maior do que o próprio dano cometido pelo agente que, por sinal, foi reparado.
Serena e sábia decisão. Naturalmente, não será uma unanimidade. Observei, p. ex., no Consultor Jurídico, uma estudante de Direito esbravejar com moralismo: "Se furtar 75 reais não fere a disciplina militar, o que fere?? O que alguns juízes não entendem é que em uma Unidade militar o que mais se preza é valores morais que assegurem um ambiente harmoniozo (sic). Quando um militar é processado por um crime militar, no caso um furto de 75 reais, o que se busca não é somente a punição dele pelo crime, mas o resgate da ética e da moral dentro da tropa. Não é o valor material do bem que importa, mas a disciplina e a ética que são valores ainda muito importantes dentro do militarismo."
Suponho que se trate de uma jovem. A despeito de compreender e respeitar suas opiniões sobre moralidade e segurança jurídica, acho que ela ainda precisa aprender que a vida não é tão cartesiana quanto gostaria. E que o ser humano se move por parâmetros que vão muito além do certo e errado. Obviamente, o Direito precisa reconhecer isso, principalmente o Penal.

Ambiguidade processual

Se você lesse na capa dos autos de uma ação penal a expressão "PESSOA IDENTIFICADA POR PIMENTA", o que entenderia?
Será que estamos diante de um novo procedimento de identificação criminal, coisa de CSI? Será que o ardente ingrediente culinário agora tem aplicações no combate ao crime?
Dê a sua sugestão e depois esclareço.

Queimados

Há mais de uma década, quando era voluntário no Hospital Ophir Loyola, junto ao setor de oncologia infantil, eu e meu grupo resolvemos conhecer outros setores onde também houvesse crianças internadas. Passamos por uma ala onde havia crianças queimadas, algumas internadas há vários meses e sem previsão de alta. Vi uma menina que havia caído numa carvoeira e perdido tanta massa muscular em uma das pernas que o membro, após umas tantas cirurgias para enxertar tecido, cicatrizara torta, formando um "v". Ou seja, andar normalmente, jamais.
Já estando adaptado quanto possível à rotina de mortes provocadas pelo câncer, essa visita me afetou profundamente. Cheguei em casa, onde tínhamos duas crianças, implorando que tomassem cuidado com elas, no sentido de prevenir acidentes com fogo e afins.
Esta manhã, nos meus curtos minutos de jornal antes do trabalho, assistia a uma matéria sobre o setor de queimados do Hospital Metropolitano. Fiquei sabendo que mais de 60% dos pacientes atendidos são crianças (muitas bem pequenas). Este ano, já foram 468 casos — um horror, especialmente porque não se trata de queimaduras leves, mas de lesões seríssimas, que poderiam inclusive ter levado à morte. Sobrevivendo a vítima, as sequelas são medonhas.
Para completar, a maioria das vítimas vêm do interior, o que explica acidentes de certo modo inconcebíveis, como o da criança de 3 anos que caiu num buraco onde queimavam lixo. Isso implica na grande demora para que recebam atendimento adequado, em Belém, pois seus locais de origem são completamente desprovidos de condições de tratamento.
Louve-se, por isso, a iniciativa do hospital, de fazer uma campanha de conscientização para as famílias. Mas com ou sem campanha, pelo amor de Deus, cuidado com as suas crianças.

Falou o que quis...

"Responda você, telespectador, quem é que tem debilidade mental nessa história."
Jornalista Fernando Vieira de Mello,
apresentador do 1º Jornal, da Band, há menos de uma hora

Assim se pronunciou o apresentador do jornal, acerca da declaração do Delegado-Geral da Polícia Civil, Raimundo Benassuly, objeto da postagem "Cala a boca, Magda!" de ontem. Confesso que até eu fiquei sem graça. Dessas e de outras resulta que o autor da malsinada frase está com a cabeça a prêmio.
Mas não pensem que eu quero atirar pedras. Até aqui, tudo o que escutei falar de Benassuly foi favorável. As pessoas sempre se referiram a ele como uma pessoa de bem, muito mais agradável do que certas outras autoridades da polícia civil. Ficar frente à frente com as cobras do Senado não é fácil, ainda mais para quem vai na condição em que ele estava. Imagino como devia estar nervoso. Mas, convenhamos, a gafe excedeu a qualquer tolerabilidade, num contexto tão grave.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Cala a boca, Magda!

A situação do Pará já é ruim e nossas otoridades se esforçam por piorá-la. Desta feita, foi o delegado-geral de nossa briosa Polícia Civil, Raimundo Benassuly — contra quem já paira a acusação de nunca estar presente quando estoura uma confusão (fazendo-se representar por um interino) —, quem arrebentou na gafe. Em plena audiência pública da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal — casa que anda louca para algum escândalo abafar as suas mazelas próprias —, Benassuly sugeriu que menor posta numa cela com 20 homens tem debilidade mental, pois "em nenhum momento ela manifestou sua menoridade penal". Como se uma coisa tivesse a ver com a outra. Além disso, a menina alega que deu essa informação, sim, à delegada e à juíza.
Ana Júlia deu uma dura no subordinado imediatamente. Claro: ela está sofrendo graves ônus com esse acontecimento e, diante de uma declaração infeliz dessas, a coisa só tende a piorar.
Até agora, não escutamos sobre esse caso nada que nos dê algum alento. Mas que aumente a nossa vergonha, isso não falta.

Igreja atrapalha a educação sexual e a prevenção da AIDS

Segundo o Dr. Josep María Gatell, presidente da Sociedade Clínica Europeia de AIDS (EACS), instituições como a Igreja Católica confundem a cabeça dos jovens, tornando parcial e insuficiente a educação sexual que recebem. Com isso, eles ficam mais à mercê da AIDS. Afinal, os contrassensos a respeito do uso de preservativos são perigosos, num mundo em que metade dos portadores de HIV simplesmente ignora a condição de infectados. Saiba mais.
De fato, o moralismo imposto por certos segmentos religiosos desce ao nível das utopias, em sentido pejorativo. As ordens para se manter a castidade até o casamento e a fidelidade, depois dele, não se coadunam com a vida que as pessoas efetivamente levam. Não seria, então, o caso de, sem abdicar dos preceitos morais de cada religião, pugnar por um código de conduta mais realista? De que adianta exortar os jovens a não transar, se eles ignorarão a advertência, por mais recheada de pecados que ela venha? E qual a (ir)responsabilidade de repudiar o uso de preservativos, diante dessa premissa?
Mesmo que a Idade Média se tenha encerrado há alguns séculos, as nódoas de obscurantismo tradicionalmente relacionadas a ela continuam aí.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Santarém africanizada

O jornal O Liberal de hoje publica pequena matéria acerca de um sítio português, que teria comparado a nossa Santarém ao continente africano, em termos de degradação. Como o jornal em questão tem problemas de credibilidade e a Pérola do Tapajós é administrada pelo PT, o que daria motivos particulares para esculachos, resolvi conferir pessoalmente e acessei o Expresso, que é uma espécie de revista eletrônica. Após alguma garimpagem, finalmente consegui encontrar a matéria mencionada, cujo título é "Os parentes afastados da Amazônia".
Lendo-a, constata-se que O Liberal não inventou. Os termos da matéria são, de fato, contundentes. Santarém é ostensivamente chamada de "a África do Brasil" e, a certa altura, o texto vem desvastador:

A principal cidade do Oeste do Pará é um deslumbramento, quanto a enquadramento paisagístico. Mas, de tão degradada, fornece motivos que baste à tentação de a compararmos, por exemplo, a Freetown ou Conakry na África Ocidental. E se focarmos a atenção em Santarenzinho, o seu bairro maior dos subúrbios e onde vivem umas 35 mil pessoas, o mínimo que pode dizer-se é que mete medo.

O jornal local exagerou um pouco ao dizer que a matéria lusa não dispensa nem Alter-do-Chão. Na verdade, o que se diz é que os turistas preferem passar direto para aquela vila, em vez de permanecer na sede do Município.
Sendo casado com uma santarena, ainda por cima neta do Maestro Isoca, ícone daquelas plagas como músico, compositor e historiador, bem sei que os mocorongos de ufanam de si mesmos, de seu torrão natal, de sua história e de suas tradições. Muitas pessoas lá funcionam como historiadores empíricos, revelando uma cultura disseminada em preservar a própria história, o que merece elogios. Muito melhor do que aqui, onde o gosto parece ser destruir a memória local. O fato, contudo, é que certos santarenos levam longe até demais o direito de amar a própria terra. Gostaria muito de saber o que acharão da reportagem em tela. Aliás, será que o governo da cidade da gente vai se pronunciar?
Seja como for, é um alerta, para além-mar e muito, muito além do discursinho fajuto de estamos-revolucionando-o-turismo que há tempos se escuta por aqui — em vão.

"Bebês-medicamentos" e os dilemas morais da atualidade

Um bebê-medicamento é uma criança que não foi desejada por seus pais pela motivação óbvia do desejo de paternidade. Sua concepção se explica pelo interesse de fazer dela doadora de órgãos ou tecidos, para tratamento de um irmão, que padece de alguma doença genética. Trata-se de uma situação trazida pelos avanços da Medicina que, frequentemente, têm provocado graves controvérsias nos planos ético e moral.
A questão ora comentada, com efeito, não é nada fácil. Parece-me compreensível, dada a mentalidade latina e passional na qual fui criado, que um casal tenha um filho para salvar a vida de outro, sendo que o salvador não nasceria sob outras circunstâncias. Conheço pessoas que lidaram, p. ex., com leucemia na família e não dispunham de nenhum parente a quem recorrer. Como recriminar quem toma uma medida dessas?
Todavia, há quem pense diferente. E na Inglaterra há uma organização focada exatamente nesses dramas, atuando intensamente em contrariedade ao uso dos assim chamados bebês-medicamentos. Ela conseguiu levar o debate para as mais altas instâncias legais do país e, dentro em breve, uma decisão será tomada: um casal pode ou não ter um filho para salvar outro?
Saiba mais aqui.

Seletividade na autuação

Passei esta manhã pela "Nova Duque" e, ao me aproximar da primeira faixa de pedestres, vi um cidadão chegando, mas não sabia se ele ia atravessar ou não. Por cautela, reduzi a velocidade. De fato, o rapaz queria atravessar e por isso parei, prestando a maior atenção, pelo retrovisor, ao veículo que vinha atrás de mim. Ocorre que eu parei, mas um imenso caminhão, na faixa ao lado, passou sem cerimônia. E vinha devagar; poderia parar, se quisesse.
O agente de trânsito que estava na calçada, sempre o mesmo, com seus óculos Fucker & Sucker na cara e braços cruzados, nada fez. Irritado, gesticulei ostensivamente, apontando o caminhão. Não sei ele me viu, porém atrás do infrator vinha um segundo caminhão, tão grande quanto, que também passou na maior cara de pau. Este foi multado, pelo menos.
É o caso de perguntar: isso é seletividade? O cara multa quem ele quer? Aposto que, fosse eu a passar, a multa viria, com certeza. Afinal, parte-se do pressuposto que proprietário de carro particular pode pagar, certo?

domingo, 25 de novembro de 2007

Terremoto no Ceará

Hoje me deu uma vontade danada de desanuviar o ambiente. Então, embora não seja exatamente o meu estilo, vai uma piadinha que considero muito bacana.

Depois dos terremotos ocorridos na Ásia, o governo brasileiro resolveu instalar um sistema de medição e controle de abalos sísmicos, que cobre todo o país. O então recém-criado Centro Sísmico Nacional, poucos dias após entrar em funcionamento, já detectou que haveria um grande terremoto no Nordeste do país. Assim, enviou um telegrama à delegacia de polícia de Icó, uma cidadezinha no interior do Estado do Ceará. Dizia a mensagem:


"Urgente. Possível movimento sísmico na zona. Muito perigoso. Superior Richter 7. Epicentro a 3 km da cidade. Tomem medidas e informem resultados com urgência."


Somente uma semana depois o Centro Sísmico recebeu um telegrama que dizia:


"Aqui é da Polícia de Icó. Movimento sísmico totalmente desarticulado. Richter tentou se evadir, mas foi abatido a tiros. Desativamos as zonas. Todas as putas estão presas. Epicentro, Epifânio, Epicleison e os outros cinco irmãos estão detidos. Não respondemos antes porque houve um terremoto da porra aqui!"

Capital amiga do peito

Em meio a uma crise sem precedentes, causada pelo estarrecedor episódio da menina de Abaetetuba, o Diário do Pará (com ou sem segundas intenções) publica hoje uma notícia para colocar Belém em boa situação perante o país: segundo a reportagem, somos a capital brasileira do aleitamento materno. Consta que mais da metade da população se alimentou exclusivamente de leite materno até o sexto de mês de vida, como recomendam os médicos. Se for verdade, isso é um grande passo para uma vida mais saudável das nossas crianças, com reflexos positivos para as futuras gerações.
Espero que experiências bem sucedidas, como as da Santa Casa de Misericórdia, sejam levadas a todos os cantos do Estado, ajudando a reverter uma triste conjuntura de subnutrição e doenças — como é o caso da protagonista do principal drama paraense hoje. Afinal, segundo se noticiou, a menina tem 15 anos, mas aparenta 12. As dificuldades vêm de berço. Ou melhor, de rede.

A maratona das bancas de TCC

Este segundo semestre letivo, destinado a sangrar meu couro como nunca antes, veio completo, incluindo orientação de sete monografias de conclusão de curso e participação em treze bancas, que acabaram virando quatorze. Quem mandou estudar e virar professor?! Eu poderia ter largado os estudos cedo e virado jogador de futebol. Poderia ter enriquecido, quem sabe.
Queixumes à parte, estou feliz por ver que eu e os colegas conseguimos plantar algumas boas sementes, que se refletem, agora, em monografias de qualidade. Não apenas porque bem feitas, mas porque relacionadas a assuntos relevantes e fora do feijão com arroz habitual. Aqueles teminhas banais, sobre os quais se escreve coligindo as opiniões deste ou daquele autor — o trabalho "colcha de retalhos" —, foram substituídos por reflexões mais profundas e mais engajadas. Este último aspecto me agrada especialmente, porque mostra uma postura ética e de justiça social instalada nos corações dessa nova geração.
O primeiro trabalho avaliado foi o do meu ex-monitor, Eduardo Lima, que escreveu sobre a culpabilidade como critério para fixação da pena-base (que vem a ser a primeira etapa do complexo procedimento que permite ao juiz definir a pena exata a ser cumprida por um réu condenado). A matéria é de alta indagação e, apesar de hoje existirem vários livros falando sobre o cálculo da pena, neles não se aprofunda o tipo de discussão feito por Eduardo. Realmente, um trabalho inovador e comprometido com um Direito Penal mais principiológico e técnico.
O segundo trabalho foi das risonhas Karoline Sheron e Kelly Monique. Orientadas por um Yúdice Randol, dá para fazer uma novela mexicana com esses nomes, não? As duas escreveram sobre o instituto da progressão de regime penitenciário, como medida importantíssima para a ressocialização do preso. Fizeram uma análise bem detalhada de vários aspectos relacionados ao tema.
Também a preocupação com a ressocialização do preso, só que desta feita através do trabalho, foi o mote de uma outra dupla de meninas risonhas, Andressa e Lorena, da qual não fui orientador, mas apenas avaliador. Por fim, a compenetrada dupla Aline e Larissa escreveu sobre a imprescretibilidade de certos crimes e as consequências práticas de se suspender a prescrição. Para quem odeia prescrição — instituto que também vem sendo execrado na mídia —, o trabalho delas seria criticado. Mas quem já refletiu sobre a importância da prescrição verá que se trata de um tema muito oportuno e bem conduzido.
No geral, muito positivo o saldo do primeiro dia. Muito mais trabalho teremos à frente. Rezem por mim. Estou precisando dormir.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Núbia

Não conheci D. Núbia. Não faço ideia de como era. Meu irmão, que pertence ao universo do teatro, sim, conviveu com ela. Costureira de mão cheia, era hábil em produzir figurinos para os espetáculos, por isso era uma referência no meio teatral.
D. Núbia confeccionou o figurino para um espetáculo patrocinado pela Companhia Vale do Rio Doce. Ontem, acompanhada do filho, foi ao banco receber o seu cachê. Sacou o dinheiro e tomou um táxi. Desceu em frente a uma loja e, ali, foi abordada por um dos homens que a haviam seguido desde a agência bancária, de motocicleta, como de praxe. Ele arrancou a sua bolsa e desferiu um tiro. Assim mesmo, como se fosse a coisa mais natural do mundo alvejar uma senhora indefesa após lhe tomar a bolsa. A carreira da costureira competente e gente boa acabou desse jeito, ali mesmo, na calçada.
Não conheci D. Núbia. Mas estou triste, junto com meu irmão. Curioso que, esta semana mesmo, eu e minha esposa conversávamos sobre uma festa à fantasia e pensamos nela para confeccionar nossos trajes, considerando os tantos elogios que meu irmão já lhe fizera. Teremos que mudar nossos planos. Alguém, que está livre e impune, decidiu que ela não merecia viver. Tudo por causa de um dinheiro que ficou no táxi, em poder do filho.
D. Núbia não morreu a troco de nada. Morreu a troco da maldade de uns e da incúria de outros. Os primeiros podem nos escolher a qualquer momento, em qualquer esquina. Os outros, nós voltaremos a escolher nas próximas eleições?

Miniconto psiquiátrico

Após sete anos de terapia, descobriu que a culpa realmente não era dele, e sim da humanidade. Decidiu então melhorar a raça, suprimindo alguns de seus exemplares. Não sabendo ao certo como começar, foi pragmático: matou aqueles de quem não gostava. Não se sabe, contudo, se seu humor melhorou.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Homicídio sem cadáver

Sem corpo não há crime.
Essa máxima foi repetida incontáveis vezes ao longo dos séculos. Admito que eu também lancei mão dela em meus primeiros e incipientes tempos como professor de Direito Penal. Os estudos posteriores demonstraram que a coisa não era bem assim. Foi-me indicado um livro cujo título é Homicídio sem cadáver: o caso Denise Lafetá (ei, Vladimir, ainda estou com ele e disposto a te devolver; só preciso que me digas onde!). Trata-se da narração, feita por advogado que atuou no processo (Tibúrcio Delbis) representando a família da vítima, de um caso de 1988, em que um homem matou a própria esposa e deu sumiço no corpo, jamais encontrado. A tese defendida foi de que, a despeito disso, todos os elementos apurados conduziam a uma certeza moral do crime, suas circunstâncias e motivação. O tribunal do júri condenou o réu, que cumpriu sua pena até o final.
Todavia, os advogados de defesa, enquanto o mundo for mundo, continuarão se aferrando a aspectos que inviabilizem a ação penal contra seus clientes. Para tanto, dirão que sem o corpo não existe prova da morte ou, ainda que se tivesse a morte como certa, não se poderia investigar as suas causas determinantes. Logo, como saber se houve um homicídio?
A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, a meu ver aplicando o Direito com olhos postos num mundo que muda, acabou de fazer história ao rejeitar, por unanimidade, habeas corpus impetrado em favor de Jorge Willians Oliveira Bento, determinando que prossiga, contra ele, ação penal cujo início foi uma denúncia da prática de oito homicídios triplamente qualificados, com ocultação de cadáver. Entenderam os ministros que a ausência do corpo e de perícia necroscópica não são suficientes para inviabilizar a persecução criminal. Para a defesa, falta justa causa para o processo, na medida em que a perícia seria imprescindível, mormente diante das qualificadoras adotadas, dentre elas a tortura. Para o causídico, a denúncia foi apenas uma resposta precipitada à sociedade, em face de um crime de alta repercussão na mídia.
Originalmente, a denúncia fora rejeitada por ausência de prova da materialidade delitiva, mas a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acatou o recurso ministerial e mandou prosseguir a ação.
No STJ, a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, defendeu que o exame de corpo de delito é importante, porém não imprescindível para a comprovação do crime, podendo ser suprido por outros elementos. Nos autos existem exames de DNA comparando amostras de sangue encontrado no suposto local dos crimes com material colhido de familiares das vítimas.
Clique aqui para ler a notícia oficial do STJ. Ela contém um link para a página do processo, que permite conhecer maiores detalhes do caso e ler a íntegra das decisões.
Num mundo em que a tecnologia se desenvolve cada vez mais, ficando à disposição dos criminosos para a perpetração e ocultação de crimes cada vez mais sofisticados, os ministros merecem parabéns.

Frustrada como mulher

Já que estamos no tema, falemos de um outro juiz. Seu nome é Edílson Rumbelsperger Rodrigues (52), que atua na justiça comum da Comarca de Sete Lagoas (MG), lá onde nasceu o saudoso Zacarias.
Dia desses, o magistrado declarou a inconstitucionalidade incidental da Lei n. 11.340, de 2006 — a "Lei Maria da Penha". Sim, aquela mesma, festejada por ser um aguardado instrumento de proteção às mulheres, tradicionais vítimas da violência dos homens. Para ele, a lei em questão é um "conjunto de regras diabólicas". E o motivo dessa afirmação ele dá nos seguintes termos, dentre outros:


"a mulher moderna — dita independente, que nem pai para seus filhos precisa mais, a não ser dos espermatozóides — assim só é porque se frustrou como mulher, como ser feminino".

Entenderam, mulheres? Vocês só são independentes porque frustradas como mulheres, ok?

Sinceramente, gostaria de saber se o ínclito magistrado tem mãe. Se tiver, deve ser uma veneranda senhora que dedicou toda a vida adulta a um marido e seus filhos, de modo a inspirar em um destes essa aversão às mulheres que trabalham, fazem cursos, viajam, etc. Algumas até tiveram a audácia de cursar Direito, virar juízas e, portanto, seres incomparavelmente superiores aos homens não-juízes.

O cidadão em tela é casado e tem filhos. O que será que sua esposa acha disso?

O destempero verbal do magistrado foi ignorado pela Corregedoria do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, baseando-se na independência dos juízes. O Conselho Nacional de Justiça, contudo, pensa diferente e há dois dias (20/11) decidiu, por unanimidade, instaurar um procedimento contra o juiz.

Nas palavras dos conselheiros Oreste Dalazen e Jorge Maurique, respectivamente, "o exercício da magistratura não é um sinal verde para expressão de preconceitos e destemperança verbal" e "o ato do juiz é um ato do Estado. Ao Estado não é reservado o rancor, a raiva e o preconceito".

Conheça aqui parte da polêmica decisão.

Para não ser leviano, ofereço-lhes a defesa que o juiz fez de si mesmo, revelando que seu pensamento vem impregnado de orientações religiosas.

PS — No final do ano, farei uma "retrospectiva 2007" do blog. Na categoria "juízes batutas", já temos três figuraças: o do futebol varonil, a incomparavelmente superior aos demais seres humanos e o machão. Aguardem.

A elite da espécie humana


"A liberdade de decisão e a consciência interior situam o juiz dentro do mundo, em um lugar especial que o converte em um ser absoluto e incomparavelmente superior a qualquer outro ser material. A autonomia de que goza, quanto à formação de seu pensamento e de suas decisões, lhe confere, ademais, uma dignidade especialíssima. Ele é alguém em frente aos demais e em frente à natureza; é, portanto, um sujeito capaz, por si mesmo, de perceber, julgar e resolver acerca de si em relação com tudo o que o rodeia."

A autora da tese acima, que consagra a superioridade natural dos juízes sobre todos os demais seres humanos, chama-se Adriana Sette da Rocha Raposo e é, adivinhem, uma juíza. É a atual titular da Vara do Trabalho de Santa Rita, Paraíba. É boa gente, empenhada em promover a conciliação e assegurar a prestação jurisdicional com rapidez. Mas tem uma visão bastante peculiar acerca de seu lugar no mundo.

O texto acima faz parte de uma sentença, portanto é uma manifestação oficial do Estado-juiz ao cidadão jurisdicionado. A sentença foi proferida nos autos de uma reclamação trabalhista agora em setembro deste ano de N. S. Jesus Cristo de 2007.

E sabem o que é mais divertido? Nenhuma autoridade ou entidade de magistrados se manifestou oficialmente sobre a tese, que foi até considerada "normal" por outro magistrado.

É, meu amigo, definitivamente você não está no topo da cadeia alimentar!

Conheça aqui a íntegra da sentença e a tímida repercussão do caso. Precisamos dar divulgação do episódio, pois pessoas equivocadas (para dizer o mínimo) devem ser confrontadas com seus erros. Sem isso, jamais poderão refletir sobre eles e, quem sabe, mudar. Faço a minha parte.

Exma. Sra. Adriana Sette da Rocha Raposo, suas ideias não correspondem aos fatos. A senhora está errada e, com seu gesto, conduz ao menosprezo toda a magistratura. Bom seria que seus colegas repudiassem publicamente tão tortuosa convicção, mas duvido que o façam. Por comodismo ou corporativismo, mas seria especialmente grave se o fizessem por concordarem com ela. Palmas para quem fizer o contrário.

No mais, gostaria que uma questão me fosse esclarecida. Sabido que ninguém nasce magistrado — com características genéticas e psíquicas específicas, capazes de alçar o indivíduo a tão supramundana missão — e sabido ainda que as pessoas se tornam juízes após aprovação em um concurso público de provas e títulos, terão esses concursos aptidão para selecionar a elite da raça?

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

As desculpas e o mundo perfeito

Meu irmão costuma dizer que depois que inventaram a desculpa, o mundo virou um lugar perfeito. Ele tem razão. É por trás das desculpas que escondemos nossa vergonha (os que têm vergonha na cara) pelo mal que fazemos, ou por aquilo que não fizemos, embora devêssemos tê-lo feito. No mundo do crime e dos abusos em geral, a criatividade é infinita. É como sempre digo: para o mal, nunca falta o talento.

Se o cara é preso por roubo, foi necessidade. Se é preso por estupro, pensou que a mulher queria. Se abusa sexualmente de uma criança de 5 anos, foi ela que deu em cima dele. Se dá um golpe na empresa, foi para se ressarcir de prejuízos sofridos na relação trabalhista. Se embolacha a esposa, foi ela que provocou. Se trai, foi culpa da carne, que é fraca. Se a justiça é lenta, é culpa da quantidade de processos. Se a polícia é truculenta, é culpa dos salários baixos. Se o médico atende mal, é culpa da tabela desatualizada dos honorários e do excesso de trabalho. Se a imprensa é irresponsável, a culpa é da liberdade de expressão. E por aí vai.

Mas já diziam os sábios: pepermintus in alterum anus refrigerium est (este latinório é em homenagem ao Val-André Mutran). Todo mundo, inclusive eu, repudiou a alegação daqueles jovens cretinos de Brasília, que queimaram o índio pataxó alegando que pensaram tratar-se de um mendigo. Mas e o que dizer, agora, da polícia de Abaetetuba, que se sente tão aliviada porque a garota metida por 30 dias numa cela com 20 homens teria, supostamente, 20 anos e não 15?

5 anos podem fazer alguma diferença, mas irrisória. Abuso é abuso. Eles não sabiam a idade dela, mas sabiam tratar-se de uma mulher, presumo. Ou os policiais de Abaeté não sabem reconhecer uma mulher quando veem uma? Pega até mal. Olha aí o caso do "Fenômeno".

Portanto, meus caros, economizem minha paciência com suas desculpas. Isso pode até ser comum, mas não é normal, nem digno, nem admissível. E merece severíssima punição. Quando as autoridades se escondem atrás de desculpas, toda a sociedade submerge em grande perigo.

Por fim, vale lembrar que a moça em questão estava presa sob a acusação de furto. As penas para esse delito são de 1 a 4 anos de reclusão e multa. A lei não mencionou estupros sucessivos. Nem poderia, claro. A polícia precisa lembrar que não basta não fazer: é imperioso impedir que outros façam.

Espero que essa história renda. Com os culpados sendo punidos.

Apagaram-se os holofotes

Nada como um crime rumoroso e um consequente julgamento espetaculoso para inflar egos em busca de autoafirmação. Eles podem ser identificados pela postura, pelo olhar, pela linguagem. Por mínimas coisas. Frases de efeito são obrigatórias. Alusões religiosas também. Ao final, o importante é demonstrar que se esteve do lado certo. No caso, do lado da justiça. Que, na realidade, tanto pode ser a justiça que condena como a que absolve.

Por sorte, a RBA fez uma cobertura em tempo real, que me permite tecer alguns comentários sem ser acusado de falar sem saber.

O resultado do julgamento foi o esperado: condenação e pena exemplar. Esperado e justo, dirá a maioria.

Agora os defensores dos réus podem recorrer. E, de quebra, alegar a suspeição do juiz presidente do tribunal do júri que, ao final da sessão, quis garantir também os seus 15 minutos. Aliás, falou mais do que isso. Um discurso emocionado e nada imparcial. Agradeceu a Deus e o mundo. Elogiou o promotor de justiça, que chamou os réus de "vagabundos" e outros impropérios — o que, por sinal, é proibido por lei e deveria ter sido coibido pelo juiz no ato. Solidarizou-se com o pai das vítimas, falando sobre o seu sofrimento.

Tudo bem, o Judiciário também pode ser palco de solidariedade. Mas há limites. O juiz precisa se mostrar isento não apenas até o bater do martelo, com o veredito. Sentimentos e opiniões não brotam subitamente, ao se ouvir a sentença. Aliás, no caso do juiz, ao lê-la. Os sentimentos e opiniões expressados naquele discurso, o magistrado já os tinha. Apenas os calou, mas acabou por revelá-los. Com que estado de espírito, então, presidiu o julgamento?

Quando as pessoas consideram algo natural, expõem-se sem pensar na significação de seus atos. E assim foi feita a justiça.

PS — Tenho grande respeito pelo advogado Roberto Lauria, por sinal também um respeitado professor. Mas filminho com imagens fofas das vítimas, com Canção da América ao fundo... Enfim, cumpriu bem a sua finalidade. A acusação nem precisou ir à réplica.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Dia da Consciência Negra

Em meio a tantas comemorações sem sentido, de fato lembrar a importância do negro para a construção deste país, bem como a sua luta atual e incessante para vencer as tantas discriminações que ainda sofre, é algo que merece todo o respeito e atenção. Mas daí a criar um feriado — mais um dia de ócio, no qual a maioria das pessoas não vai sequer pensar no motivo pelo qual não está trabalhando — vai uma longa distância.
A Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, do governo federal, afirma que em 267 Municípios brasileiros a data constitui feriado, podendo a lista ser ainda maior, se alguma prefeitura deixou de comunicar a União a respeito.
Há poucos dias me manifestei, aqui no blog, contrariamente a pontos facultativos, sendo que também sou contrário ao excesso de feriados. A questão foi objeto de um simpático deboche no final dos anos 1980, na novela Que rei sou eu? Ou seja, não é de hoje que as pessoas discutem sobre os prejuízos à economia e aos serviços públicos que essas paradas representam, como o prefeito de São Caetano do Sul. Ele não pode impedir o feriado, que é definido por lei, mas o antecipou para o dia 16 passado, a fim de evitar "grande prejuízo ao comércio e empresas locais, bem como às atividades do setor público", como disse em um decreto.
Conheça aqui os Municípios que pararam, supostamente, para homenagear os negros. No Pará, são dois: Marabá e São Félix do Xingu. Pelo visto, Mato Grosso parou por completo. O segundo Estado mais preguiçoso é o Rio de Janeiro, seguido de São Paulo. Curiosamente, a Bahia, com sua fama de ócio institucionalizado e que possui uma população maciçamente composta por negros, não tem uma só cidadezinha à toa hoje.
É o caso de perguntar: só se pode refletir sobre assuntos importantes em feriados? Penso que os governos municipais deveriam promover eventos para discutir o tema, inclusive encenações teatrais nas portas de grandes empresas, fábricas, shopping centers, repartições públicas ou logradouros de grande movimento. Afinal, se a intenção é discutir, dentre outros problemas, a desigualdade de acesso ao trabalho, nada melhor do que fazê-lo na porta de quem oferece emprego e discrimina os negros. Mas, para isso, seria necessário haver expediente normal.

Coloque seu bebê para engatinhar!

Estudo realizado na Inglaterra por especialistas em desenvolvimento infantil (Instituto de Psicologia Neurofisiológica de Chester) concluiu pela existência de mais um problema da vida moderna: as crianças de hoje passam mais tempo em equipamentos tipo cadeirinhas e menos tempo no chão, o que pode comprometer o seu regular desenvolvimento motor, com prejuízos inclusive sobre a fala e a escrita futuras.
É importante que a criança fique no chão. Deitar de bruços ajuda a estimular a postura, o campo visual e o equilíbrio. Estar na cadeira a obriga a permanecer numa posição não natural. Os famigerados andadores, então, foram condenados há anos! Mas ainda tem muita gente instruída que compra para seus filhos...
Leia a matéria aqui. E deixe seu filho brincar no chão!

Clooney dá o exemplo

George Clooney, um dos atores mais adorados pela mulherada devido a seus atributos físicos — por sinal, bastante reforçados com a idade —, e que merece elogios por seus inegáveis méritos como ator e diretor, deu mostras de que não é apenas um cidadão engajado no campo profissional (seus filmes Boa noite e boa sorte e Syriana mostram o seu comprometimento com certas legendas): ele é de fato um cidadão.
Digo isso porque, enquanto passeava de motocicleta com a namorada, Clooney foi perseguido por um paparazzo, também de moto. Encegueirado por um registro, o fotógrafo saiu pilotando alucinadamente. Clooney não perdoou: apeou da moto e passou-lhe um ralho: "Qual é o número da sua carteira de motorista? Quantas regras de trânsito você quebrou? Quantas pessoas você colocou em perigo?". Irritado, o ator explicou as regras de trânsito que tinham sido infringidas e concluiu que o sujeito pilotava como um maníaco.
Não sei se o miserável conseguiu a tão esperada fotografia. Mas levou um banho de civilidade e, claro, acabou na internet. Nesta matéria, há um link para o vídeo.

O espetaculoso tribunal

O Procurador de Justiça gaúcho Lênio Luiz Streck escreveu, há alguns anos, um livro chamado Tribunal do júri: símbolos e rituais. Nele, explica a ritualística engendrada há séculos para essa instituição judiciária, que viabiliza a efetiva participação popular na administração da Justiça. Afinal, no sistema brasileiro, enquanto o Executivo e o Legislativo são compostos por mandatários eleitos, o Judiciário é composto por técnicos, recrutados através de suposta demonstração de habilidade (pelo menos após a consagração dos concursos públicos). Obviamente, o que escrevo agora está num plano ideal, para ser sintético. Sabemos que na prática a teoria é diferente.

O tribunal do júri é uma espécie de ícone da simbologia estatal. A mesa do juiz fica num plano mais alto e olha de cima o amesquinhado réu, minúsculo em sua cadeirinha, de costas para os seus julgadores e para a assembleia. Os jurados também se sentam de costas para o público, simbolizando a suposta isenção de ânimo. O Ministério Público fica à direita do juiz, deixando escapar o atrelamento que sempre houve entre o Estado que acusa e o Estado que julga. Atualmente, não pode haver diferença de tratamento entre acusação e defesa, mas isso sempre foi e continua sendo balela. Basta ver como os juízes se confraternizam com os promotores de justiça, ao passo que tratam os advogados em geral com desconfiança e frequente má vontade. O promotor chega para uma audiência e vai logo entrando, manuseando os autos, usando o telefone. O advogado precisa ser convidado e receber autorização para tudo. Distorções inconfessas, mas inegáveis.

Tudo que se faz no plenário do júri cumpre uma missão de influenciar o ânimo dos jurados que, vale lembrar, são leigos. De regra, nada entendem de Direito e estão ali para dar um veredito de acordo com sua própria miopia acerca do mundo. Por isso, muitos juristas propõem requisitos mais rigorosos para seleção de jurados, a fim de garantir um pouco mais de qualidade nas decisões.

Tudo isto é para manifestar meu desagrado diante do circo de horrores em que transformaram o tribunal do júri de Belém, com a exibição de blocos de concreto, camburões e demais artefatos usados para assassinar e ocultar os corpos dos irmãos Novelino. Naturalmente, do maior interesse do Ministério Público. A visão desses instrumentos bota os jurados a pensar no crime em si, a visualizar a cena e, assim, compreender melhor o sofrimento experimentado pelas vítimas. Com tais monstruosidades no pensamento, a condenação fica quase certa, porque o julgamento de questiúnculas jurídicas fica prejudicado pela emoção.

Não sei se faria isso, caso fosse o promotor do caso. Acho que não precisa e sou avesso a esse tipo de espetáculo. Mas o júri é o teatro do Direito. Está nele quem gosta de aparecer.

Por fim, se eu fosse o Cardias, teria negado simular o estrangulamento das vítimas. Em pleno salão, um voluntário se deitou no chão para reproduzir a cena. Horrível. Com certeza, Cardias aceitou isso de olho na delação premiada, que acabou não recebendo. Só conseguiu mostrar aos jurados como é mau. Assinou a própria sentença e, de quebra, ganhou um aumento de pena.

Mas circo é isso. Faz o melhor espetáculo quem não tem medo de ousar. Só que, neste caso, o final não é o aplauso.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Quando não há Estado...


Reação
Sem polícia por perto, moradores de uma localidade à altura do km 28 da Alça viária deram jeito na violência, pelo menos por enquanto. Armados, eles botaram cinco assaltantes para correr e avisaram: quem for flagrado roubando vai levar chumbo.
(Repórter 70 de hoje)

Muita gente deve ter aplaudido a atitude que, não o nego, advém da necessidade. Todavia, isso não é coisa que se comemore. Não é o cidadão comum que deve viabilizar a segurança pública. Aliás, o cidadão comum sequer deveria possuir armas.

Quando o Estado se omite, o cidadão sofre. E se porventura o cidadão reage com êxito, sofrem os princípios éticos que deveriam nortear a sociedade, cada vez mais submetida à lei do Oeste. Além disso, o justiceiro que hoje impõe a sua vontade sobre o ladrão, amanhã a imporá sobre o vizinho que o aborrecer. Alguém duvida?

Criminalização da homofobia

A Constituição de 1988 dispõe que "a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei" (art. 5º, XLII). A lei em questão é a de n. 7.716, de 5.1.1989, que "define os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor". Posteriormente, a Lei n. 9.459, de 1997, inseriu a punição, também, da discriminação decorrente de "etnia, religião ou procedência nacional".
Até onde me consta, não houve dificuldade para aprovação dessas matérias pelo Congresso Nacional. Todavia, no ano passado foi proposto o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados n. 122, que pretende ampliar mais uma vez os termos dessa lei, criminalizando agora as condutas que importem em discriminação por motivo de "gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero". E adivinhem o que aconteceu? Em vez de mobilização em torno da aprovação de um diploma que pode favorecer a cidadania, tratando a todos como iguais, e apesar de o PL ter sido aprovado na Câmara ainda em 2006, no Senado a mobilização é da bancada evangélica, que deseja ver punido apenas o preconceito quanto ao sexo, mas não orientação sexual.
Em suma, os evangélicos não veem mal nenhum nos atos cotidianos de menosprezo aos homossexuais. E, de quebra, querem impor ao país a sua forma de ver o mundo, condicionada por sua miopia religiosa. Pelo que vi, navegando em algumas páginas da Internet, a preocupação da turma é não poder emitir opinião nenhuma contrária ao homossexualismo, coisa que poderia atrapalhar as suas pregações. Ah, o maldito Estado laico!
Enquanto alguns parlamentares despreparados agem como se o Brasil fosse uma teocracia fundamentalista, o Deputado Federal Iran Barbosa (PT/SE), relator do projeto, que fora da política é professor de educação básica (tendo formação em História e Direito), emitiu um parecer favorável que é um libelo pela justiça e pelo amor. Na íntegra, com meus agradecimentos a Aline Beckman, que me enviou o texto:

Todas as cores do amor
"Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e näo tivesse amor, (...) eu nada seria".
I Coríntios 13: 1-2.

A principal mensagem do evangelho de Jesus Cristo é o amor. Isso está evidente na máxima segundo a qual devemos "amar o próximo como a nós mesmos". O amor também é o fundamento da maioria das religiões, cristãs e não-cristãs.
Infelizmente, o amor cedeu espaço à intolerância na análise do PL 122/2006, em trâmite no Senado Federal, que torna crime a prática da homofobia.
A polêmica é falsa. Primeiro, porque o pleno exercício da sexualidade, livre de preconceito, discriminação e violência é um direito de todas as pessoas em um Estado Democrático de Direito, onde religião e políticas públicas não se confundem.
Segundo, porque a lei não instituirá comportamentos. Eles já existem. O PL 122/2006 apenas assegurará que as individualidades das pessoas homossexuais não sejam violadas pelos que não aceitam a livre orientação sexual e a identidade de gênero.
O Brasil é campeão de homofobia. Mais de uma centena de seres humanos são barbaramente assassinados anualmente apenas por serem homossexuais. Milhares de outros sofrem agressões físicas e psicológicas, diariamente, somente porque amam seus iguais.
Homossexualidade não é doença! Os gays são mais de 18 milhões de cidadãos e cidadãs tratados como seres de segunda categoria, pois têm os mesmos deveres mas não podem usufruir dos direitos garantidos aos heterossexuais.
O que o PL 122/2007 faz é eleger a integridade física e psicológica das pessoas gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais (GLBT) à dignidade de bem jurídico tutelado pelo direito penal. Ou seja, ele criminaliza a homofobia, submetendo essa prática às mesmas penas previstas para o racismo. Seu grande mérito é desestimular comportamentos homofóbicos, em especial os crimes que hoje em dia são praticados com requintes de crueldade.
Interpretações baseadas em leituras fundamentalistas da Bíblia não podem inviabilizar a criminalização da homofobia. Os argumentos de que o PL atinge os princípios da liberdade de expressão e da liberdade religiosa também não se sustentam, já que o projeto apenas pune condutas e discursos discriminatórios. Se o racismo, a discriminação de gênero e a xenofobia já são crimes, por que não a homofobia?
O projeto não interfere na liberdade de culto ou de pregação religiosa. Essa liberdade é uma grande conquista da civilização contemporânea. Seu fundamento essencial é a separação entre Igreja e Estado, ou seja, o Estado laico. "A Deus o que é de Deus, a César o que é de César". Assuntos religiosos têm que ser tratados pelas religiões. Políticas públicas são questões de Estado.
O mesmo Estado laico que assegura a liberdade religiosa, impede que as crenças interfiram nas políticas públicas. Por esse motivo, as religiões podem manifestar livremente juízos de valor teológico sobre a homossexualidade, mas não podem impedir que o Estado brasileiro comece a pagar a dívida inaceitável que tem com a comunidade homossexual. Também não podem praticar condutas discriminatórias e incitação à violência.
A homossexualidade, para alguns, é pecado. Para outros, sem-vergonhice. Pensamos que não é nem uma coisa nem outra. É apenas uma das muitas faces da complexidade humana. À sociedade e ao Estado cabe respeitar a liberdade dos que possuem uma orientação sexual diferente. Diversas religiões entenderam isso, tanto que a Igreja Cristã Metropolitana e a Igreja Anglicana aceitam a homossexualidade, ordenando, inclusive, religiosos homossexuais para postos de destaque em suas fileiras.
As relações homoafetivas são um fato. Elas geram direitos e deveres. Em um Estado laico e democrático, podem e devem ser reconhecidas, como já aconteceu em diversos países social e juridicamente mais avançados.
O PL 122/2006 causa polêmica porque nossa sociedade ainda é marcada por traços machistas, sexistas e homofóbicos. Alguns setores ainda não aprenderam a conviver com o diferente, o que causa estranhamento em um país com tanta diversidade cultural, social e religiosa como o Brasil.
A "paz de cemitério" que reinava, até a década de 90, entre homofóbicos e as pessoas GLBT beneficiava apenas aos primeiros, em detrimento da dignidade e dos direitos humanos dos segundos. A invisibilidade dos homossexuais diminuiu sensivelmente com as paradas e as políticas públicas que, finalmente, começam a ser implementadas no Brasil. A maior parada gay do mundo reuniu mais de 3,5 milhões de pessoas em São Paulo, este ano, e mais de 30 mil aqui em Aracaju.
A visibilidade dos homossexuais trouxe consigo os conflitos. Mas o regime democrático não pode resolver esses conflitos oprimindo os homossexuais ou mantendo-os no anonimato. Ao contrário, deve fazê-lo alargando a cidadania, de sorte a incorporar os GLBTs.
Nesse contexto, o PL 122/2006 ajuda o Brasil a enfrentar a guerra desumana contra o preconceito e a discriminação. Representa um passo importante na caminhada em defesa da dignidade humana das pessoas GLBT. É, enfim, um projeto que homenageia o amor, em todas as suas cores.

Sentimentos por decreto

Já pensou se o governo pudesse editar uma lei obrigando você a amar uma certa pessoa? Ou a deixá-la? Ou se a tal lei determinasse que todos os pais e mães devem amar os seus filhos na mais pura igualdade, sem o menor laivo de preferência? Ou, ainda, determinando que todos somos obrigados a nos sentir realizados no trabalho que hoje desempenhamos?
Você dirá que qualquer uma dessas proposições é absurda e simplesmente inviável, porque irreal, porque desatende ao que se passa no coração e na mente das pessoas. Concordo. E vou além: afirmo que a essas proposições se equivale à proposta de mudar a legislação de trânsito, para determinar que os causadores de acidentes sejam considerados autores de crimes necessariamente dolosos. O tema sempre vem à tona quando acidentes dramáticos magoam a sociedade. E o número de acidentes sempre aumenta nos feriadões.
Para quem não está habituado à linguagem jurídica, uma síntese rasteira: dolo é a vontade de praticar uma conduta (ação ou omissão) que se avalia como danosa a alguém. Como toda vontade, pressupõe um conhecimento sobre o objeto, porque não se pode querer aquilo que se desconhece. Já a culpa é a efetiva prática de um dano que não se desejou, mas que acabou ocorrendo porque o indivíduo realizou conduta descuidada e perigosa, abdicando de procedimentos de cautela que qualquer um tomaria na situação em que o agente se encontrava.
Uma pessoa que manipula uma arma de fogo carregada e permite que ela dispare, matando alguém às proximidades, tanto pode ter agido com dolo quanto com culpa. O mesmo se diga de quem, no mês de julho, solta um balão e provoca um incêndio de largas proporções. Ou quem convida uma pessoa para atravessar um rio, ciente de que a mesma não se sentia segura para nadar, e cria as condições para um afogamento, que acaba se consumando. Somente em cada caso concreto podemos avaliar se o agente teve dolo ou culpa. Não posso predeterminar isso por lei. À toda evidência, nos delitos de trânsito, o mesmo raciocínio deve ser utilizado. Por que seria diferente?
Esclareço que não tenho nenhum interesse na prevalência de qualquer tese, seja profissional, seja pessoal. Não sou vítima nem causador de acidente, nem parente ou amigo de vítimas ou de causadores de acidentes. Jamais advoguei nessa área. Minha preocupação advém da minha condição de professor e significa tornar clara a racionalidade que deve presidir as decisões penais. Em qualquer caso, contudo, sou solidário às vítimas e a quem as cerca e entendo que os culpados devem ser punidos exemplarmente, porém de acordo com o que realmente fizeram.
Além da perda de racionalidade, custaria caro à clientela do Direito Penal se pré-estabelecêssemos este ou aquele estado mental para um indivíduo. Aqui não há espaço para agir com o coração. Podemos ter o desejo de ver o assassino de nosso ente amado 20 anos na cadeia. Mas se o crime foi culposo, foi culposo e ponto final. No máximo, 3 anos de detenção. Da mesma forma que quem surrupia nossa carteira, furtivamente, levando todo o salário do mês e nos deixando na indigência, deve ser condenado por furto e não roubo, já que não praticou violência.
Estas são alegações muitíssimo incipientes. À medida que as pessoas se manifestem, podemos conversar mais demoradamente a respeito.

domingo, 18 de novembro de 2007

Parado na blitz

Pedro Álvares Cabral, entre Júlio César e Rodolfo Chermont, sentido Centro-Entroncamento, antes das dez da manhã. Avistei os cones na pista e os policiais militares. Logo um deles me fez sinal. Encostei. Dois agentes haviam gesticulado, por isso fiquei olhando de um para o outro, esperando que me esclarecessem com qual deveria falar. Nenhum me esclareceu nada. O mais próximo, ao meu lado, deu uns passos em minha direção, com uma cara de bunda (diria o meu irmão). Parou e ficou me encarando. Aguardei uns segundos, mas como ele não se dirigiu a mim, abri o vidro. Somente aí ele me pediu os documentos. Nenhum bom dia, nenhuma explicação.

Entreguei minha habilitação e o documento do carro. Ele os examinou e me devolveu, fitando-me com aquela mesma expressão que eu definiria como desprezo. Não agradeceu, não me deu bom dia nem me mandou prosseguir. Enfim, não me disse absolutamente nada.

Por considerar importante que tais blitzen ocorram, pois elas são necessárias para coibir e desarmar criminosos, inviabilizar crimes em andamento e, mesmo, flagrar os félas que andam sem placas, agradeci e desejei bom dia ao policial, o qual já me dera as costas.

Em um país civilizado, o agente abordaria o cidadão com uma saudação respeitosa e explicaria o motivo da diligência. Diria que o incômodo é necessário para a segurança de todos. Já fui abordado dessa forma e posso assegurar que você se sente muito melhor. Pode sentir até alguma simpatia pelo policial, já que você se sente atendido, de algum modo, pelo Estado, normalmente omisso.

Temos muito a avançar. Vivemos a repetir isso. Mas em um lugar onde até bem pouco tempo atrás mal se via polícia na rua, topar com policiais mal educados já é lucro. Deprimente dizer isso, mas é melhor do que nada. Pelo menos, por alguns metros, quero crer que fiquei livre do risco de ser assaltado.

Quem sabe na próxima eu ganho um bom dia?

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Crianças do século XXI

Esta é verídica e foi contada a minha esposa por uma amiga.

Estava ela em casa, tomando café da manhã com o neto, uma criança de 3 anos. Em dado momento, o menino disse que faria o café e perguntou à avó se ela compraria o café dele. Concordando, a avó pegou uns papeis e disse que aquele era o seu dinheiro.

— Não, vovó — retrucou o garoto, em seu jeito infantil de falar.

Ele se levantou, pegou um pedaço de cartolina e começou a passá-lo na fresta da madeira de uma cadeira e disse:

— Passa cartão!

É, as crianças do século XXI nos surpreendem com esse tipo de comportamento, mas talvez porque nós ainda estejamos com a cabeça um pouco no passado. Se pararmos para pensar, a atitude do menino não é verdadeiramente surpreendente, pois ele agiu de acordo com o que vê ao seu redor, cotidianamente. As crianças de hoje são naturalmente mais adaptadas a tecnologias que pessoas de nossa geração só conheceram a certa altura da vida.

Se não nos cuidarmos, acabaremos obsoletos. Não com a tecnologia e sim com as crianças.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

A culpa é da Veja

Como todos sabemos, a revista Veja enxerga o mundo em tons de marrom. Dentre as suas muitas preocupações diuturnas, está infernizar o PT, Lula e outras pessoas que, sabe-se lá por quê, pisaram no calo da insuspeita publicação. A governadora Ana Júlia é uma delas. Por isso, no início do ano, foi dada enorme repercussão a um decreto de ponto facultativo que, segundo teria explicado a governadora, apenas sacramentava uma praxe estabelecida há anos no Estado. Ou seja, da noite para o dia o paraense virou um vagabundo de carteirinha. A explicação da autoridade, de fato, não foi lá muito feliz.
Amanhã, quando milhares de servidores públicos estaduais tiverem que acordar para trabalhar, numa sexta-feira imprensada, porque o governo do Estado se recusou a facultar o ponto, agradeçam à Veja. Há pedradas que o governo pode evitar de levar.

PS — Deixo claro que, pessoalmente, desaprovo essa institucionalização brasileira da malandragem. Se o feriado é na quinta, ele termina à meia-noite de quinta. Não há razão para enforcar a sexta-feira. Mesmo sabendo que me odiarão por dizer isso, sinto-me à vontade para fazê-lo, pois sou da raia miúda e não empregador. A vagabundagem generalizada custa caro ao desenvolvimento do país. E aumenta as mortes nas estradas.

Técnica de convencimento

Nesta cidade, em diversos cruzamentos, quando paramos, somos abordados por uma miríade de vendedores, limpadores de vidro, malabaristas, pedintes, etc. A novidade para mim, hoje, foi encontrá-los na Júlio César com a Pedro Álvares Cabral uniformizados. O uniforme consiste numa camiseta branca com a legenda JUSTIÇA! e a conhecida fotografia dos irmãos Novelino, que também estampa alguns outdoors.
Camisetas aludindo a vítimas de crimes rumorosos ou a movimentos surgidos em decorrência deles não são novidade. Mas costumam ser envergadas pelos familiares e amigos próximos, pessoas que assumem a causa ou, ainda, por quem tenha ligação com instituições especialmente interessadas.
Nunca antes vira gente ser cooptada para usar uma roupa expressiva de uma mensagem que, convenhamos, não deve ser preocupação de quem a veste. Acredito que seja uma teste de marketing criada pela família, a fim de criar em toda a população a percepção de que cada indivíduo, sem exceção, está pessoalmente interessado no desfecho do julgamento. Por mais respeito que tenhamos pela família enlutada, isso não é verdade. Se perguntarmos ao próprio vendedor que usa a camiseta se ela pensa no assunto, talvez escutemos que ele tem mais urgência em conseguir dinheiro para levar para casa. Ou em vender suas frutas, antes que estraguem.
Essa manobra para nos convencer de que estamos todos empenhados num grito por justiça poderia ter, creio, apenas um efeito: influenciar no ânimo dos sete jurados que decidirão a sorte dos réus. Quanto mais eles acreditarem que precisam condenar exemplarmente os réus, maior a chance de isso se concretizar.
Não recrimino a família Novelino. No lugar deles, e dispondo dos recursos de que dispõem, talvez fizesse a mesma coisa. Só me incomoda a manipulação. Por isso, é mais provável que eu usasse a penetração que possuem junto aos meios de comunicação e instituições públicas para fazer apelos ostensivos por justiça. Mas sem a necessidade de tentar convencer cada motorista de ônibus, motoboy ou desempregado da cidade de que é nisso que ele está pensando hoje,

Pensata

15 de novembro.
Como se pode comemorar algo que nunca se teve?

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Com a palavra, as mulheres

"A gente não precisa trazer à tona o que faz entre quatro paredes. Mas acho que Nelson Rodrigues tinha razão quando dizia que toda mulher devia ser uma dama na rua e uma p... na cama.
(...) Toda mulher tem que ser despudorada na cama, se não for, o casal se trava, ainda mais hoje em dia que tudo é tão aberto. Mas sei que sou uma minoria. Na nossa sociedade, ainda deve ter muita mulher infeliz, que não sabe o que é gozar, que não tem fantasias realizadas".

Flávia Alessandra, 33, atriz carioca, em entrevista recente

Vida sem perspectivas

Ontem, quase à meia noite, eu e minha esposa paramos em frente a uma loja, a fim de entrar no carro. Lancei um breve olhar à vitrine. Apesar de breve, esse olhar foi percebido pelo flanelinha que se aproximava e foi logo explicando que o traje composto no manequim custava, ao todo, mais de 900 reais. Tratava-se de camisa, uma jaqueta (para o clima de Belém?) e calças jeans. Ele sabia dizer o preço de cada peça e o somatório.
Perguntamo-nos, no trajeto para casa, se ele conhecia aqueles valores apenas porque os via o tempo todo, porque passa muitas horas em frente à loja, ou se, talvez, ele já se postou diante da vitrine sonhando em, um dia, poder cobrir o corpo com uma beca daquelas.
Se sonhou, convenhamos, é um sonho com remotas possibilidades de realização. E isso sempre foi algo que me assustou muito: pior do que ter ou não ter dinheiro para alguma coisa, é não ter a perspectiva de mudar a conjuntura em que nos encontramos, não vislumbrar uma vida diferente, uma melhoria à frente. Já pensou? Você se imagina daqui a cinco, oito anos, e o que vê é a mesmíssima situação de agora. Para mim, é assustador.
Assim pensando, até senti alguma simpatia pelo flanelinha sem nome, que falou comigo tão educadamente. Até me arrependi um pouco pelos 75 centavos que lhe dei, mesmo consciente de não precisar dar-lhe absolutamente nada. É da minha natureza me condoer com as misérias humanas. Não suporto ter que conviver com essas disparidades: frente à frente, a opulência e a penúria, coexistindo como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Não é. Ao me deitar para dormir, pairava ante meus olhos uma imagem fictícia do flanelinha olhando fixamente aquele manequim. E depois indo embora, arrastando suas sandálias. Como seria bom se ele pudesse, amanhã, conseguir ao menos uma fonte de renda honesta capaz de lhe suprir as necessidades.
Bom seria.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

O sistema

Agora que o Arbítrio está sendo visitado por filósofos, é melhor subir o nível dos temas. Brincadeiras à parte, navegando pelo Observatório da Imprensa encontrei um artigo muito interessante sobre o novo seriado humorístico da Rede Globo, O sistema. Criação de profissionais da melhor qualidade no ramo — o diretor José Lavigne e os roteiristas Alexandre Machado e Fernanda Young —, o programa não leva a ninguém a rir desbragadamente (a julgar apenas pelo primeiro episódio e pelo primeiro bloco do segundo — foi só o que vi), mas decididamente não é coisas para os rets de plantão, que desligam o cérebro para ver TV ou ir ao cinema. Há inteligência no ar, apesar da linguagem previsivelmente exagerada, como se vê por um Ney Latorraca de fralda.
O fato é que produtos televisivos, quando bem pensados, podem gerar discussões muitíssimo interessantes, como esta acerca de um sistema como um ente com existência própria, externa e superior aos seres humanos e, por isso mesmo, insuscetível de ser vencido.
Leia a ótima resenha aqui.

"Ela é rica e bonita"

Maria Cláudia Del'Isola (foto) era bonita, tinha uma boa família, dinheiro, cursava faculdades de Pedagogia e de Psicologia, divertia-se com amigos. Tinha uma vida adorável, o tipo de coisa que desperta inveja. E despertou. No dia 9.12.2004, a empregada da residência de Maria Cláudia, Adriana de Jesus Santos, convenceu seu namorado e também caseiro no local, Bernardino do Espírito Santo Filho, a estuprar e assassinar a moça, que então contava 19 anos.
Amarrada com fios, a vítima sofreu abusos sexuais diversos e foi morta a golpes de faca e pá, numa ação premeditada. Posteriormente, foi enterrada sob uma escada da própria casa, uma residência luxuosa do Lago Sul, em Brasília. Os dois homicidas permaneceram na casa como se nada tivesse acontecido.
Segundo se apurou depois, Adriana ficou com ciúme ao perceber que Bernardino, que já tinha histórico de violência sexual, sentia-se atraído pela jovem patroa. A inaceitação pessoal foi poderosa: ela não suportou o fato de Maria Cláudia ser "rica e bonita" enquanto ela era "pobre e feia". Além disso, havia também a motivação econômica, que os levou a forçar a vítima a fornecer a senha do cofre.
A princípio, Maria Cláudia foi dada como desaparecida. O corpo somente foi encontrado devido ao mau cheiro, já no dia 12. Bernardino se evadira para a Bahia, mas acabou preso, delatado por Adriana, que segundo a polícia confessou o delito falando "sempre com muita arrogância e muito desprezo".
Ontem, o tribunal do júri — que representa a própria comunidade afetada pelo crime convidada a participar da jurisdição, poder inerente ao Estado — decidiu condenar Adriana a 58 anos de reclusão. Foram 30 anos por homicídio qualificado, 12 anos e seis meses por estupro, pena igual por atentado violento ao pudor e mais três anos por ocultação de cadáver.
Bernardino deve ser julgado no próximo dia 10 de dezembro.
Não é brincadeira a natureza humana.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Por pouco

Retorno para dizer que, por pouco, os senhores não ficaram sem atualizações neste blog. Ontem, por volta das 21 horas, parei no cruzamento da Av. Brigadeiro Protásio com a Dr. Freitas. Como finalmente alguém percebeu que devia reajustar o tempo do semáforo da Duque, naquela confluência, o ridículo intervalo de 12 segundos subiu para 30 segundos, provocando a diminuição do congestionamento diário. Não sei se o tempo das outras vias mudou também.
O fato é que eu já estava parado há algum tempo e até comentei com minha esposa sobre a demora, para quem estava no ponto em que nos encontrávamos. Foi quando o sinal abriu para mim. Vi que, no sentido em que eu trafegava, o tempo era de 28 segundos. Nesse instante, um motociclista avançou o sinal vermelho, no sentido Dr. Freitas-Duque. Ele e sua carona estavam sem capacete. Apontei o irresponsável e me pus em movimento. Fui o primeiro veículo a avançar e, dali a pouco, escutei uma buzina apertada à toda. Surpreso, olhei para a esquerda e vi um Corsa, modelo antigo, cor escura, aproximando-se. Ou seja, ele avançou o sinal fechado na maior cara dura, pois vinha atrás da moto que, por sua vez, já tinha avançado também.
Passei sem maiores problemas, mas se eu tivesse saído um pouco mais lentamente ou se o animal viesse com maior velocidade — o que seria de se esperar de alguém que fura deliberadamente o sinal — a colisão teria ocorrido. Ele teria atingido o meu carro em cheio, ficando o impacto diretamente sobre mim.
Chegamos em casa com segurança, a despeito de tudo, agradecendo a Deus. O que mais me assustou foi um fator que pode incidir sobre qualquer um de nós: eu simplesmente não vi o carro! Não estava distraído. Pelo contrário. Prestei atenção num motociclista que parou perto de mim, no motociclista que avançou o sinal vindo do mesmo lado, no semáforo e até em pedestres, mas simplesmente não vi o tal carro. E isso provavelmente porque confiei que, com o semáforo me garantindo, eu podia passar.
Em suma, não podemos confiar. Temos que adivinhar e tomar cautelas excepcionais para nos proteger desses calhordas, desgraçados com instinto suicida e assassino, que numa fração de segundo pode mudar completamente as nossas vidas. Ou acabar com elas.
Redobre você também a sua cautela. No trânsito, vale a filosofia Arquivo X: não confie em ninguém.

Soy contra!

A primeira vez que escutei a expressão "Hay gobierno? Soy contra!", não aquilatei muito bem o seu alcance. Mas depois fui para a UFPA e aí, digamos, as minhas percepções foram desanuviadas. Afinal, ali o que mais tem é gente contrária a... a... a o que mesmo?
Mais uma vez foi realizada a prova do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes — ENADE e, mais uma vez, houve protestos, confusão e recomendação de boicote. Em Belém, para variar, até desforço físico. E tudo isso para quê? Por que o ENADE não avalia! Todavia, é o caso de perguntar, se não avalia, o que poderia ser usado como instrumento de avaliação? Penso que seria minimamente sensato, da parte dos opositores, oferecer uma proposta que pudesse ser apreciada. Mas se as coisas não mudaram na política estudantil nos últimos quinze anos, aposto que os queixosos são contra e nada têm a oferecer. Querem apenas acabar com a medida, já que é do governo.
Há muitos senões a se levantar quanto ao Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior — SINAES, mas considero um avanço haver uma política oficial com essa finalidade. E como toda avaliação, ela nunca é plena e definitiva, mas deve ser discutida durante o processo. Essa é a única forma de a medida ter uma chance de ser bem sucedida. Mas não para os revolucionários, claro.
Considero justa, entretanto, a reclamação contra o impedimento imposto ao aluno faltoso, no que tange ao recebimento de sua documentação acadêmica. Primeiro porque cria distinção entre as pessoas, eis que não se trata de obrigação a todos imposta. Se sou selecionado, ganho o ônus de ter que realizar mais atos para concluir meu curso validamente do que os demais colegas. O maior argumento, contudo, diz respeito a possível ilegalidade. Afinal, ninguém é obrigado a submeter-se a imposições que não tenham como suporte a lei.
Em página específica na internet, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira — INEP, vinculado ao Ministério da Educação e responsável pelo SINAES, informa que o ENADE "é componente curricular obrigatório dos cursos de graduação, sendo o registro de participação condição indispensável para a emissão do histórico escolar" e que "a participação do estudante selecionado no Enade é condição indispensável para a emissão do histórico escolar". Aduz que "o estudante selecionado que não realizou a prova não poderá receber o seu diploma enquanto não regularizar a sua situação junto ao Enade."
O exame é regulamentado pela Portaria n. 107, de 2004, cujo art. 6º determina que "Os estudantes selecionados pelo INEP para participarem do ENADE deverão comparecer e realizar, obrigatoriamente, o Exame, no dia e hora definidos em calendário, para terem o registro no seu histórico escolar sobre sua situação no ENADE, de acordo com o artigo 28 da Portaria Nº 2.051, de 09 de julho de 2004, do Ministro do Estado da Educação".
Ocorre que uma portaria não supre a exigência de lei, em sentido estrito, a menos que uma lei em sentido estrito autorize expressamente a emissão da tal portaria. E quando examinamos a Lei n. 10.861, de 2004, o que encontramos em seu art. 5º, § 5º, é o seguinte: "O ENADE é componente curricular obrigatório dos cursos de graduação, sendo inscrita no histórico escolar do estudante somente a sua situação regular com relação a essa obrigação, atestada pela sua efetiva participação ou, quando for o caso, dispensa oficial pelo Ministério da Educação, na forma estabelecida em regulamento."
Em suma, realmente fiquei com sérias dúvidas quanto à legalidade dessa obrigação.

Caravanas?

Tudo bem que se queira colocar telões do lado de fora do salão onde o tribunal do júri julgará os réus do "caso Novelino". Não seria a primeira vez que julgamentos rumorosos são tratados dessa forma. Mas de onde nasceu a expectativa de que "várias caravanas do interior do Estado" virão a Belém para acompanhar o acontecimento, como noticia hoje o Repórter Diário? No caso Eldorado do Carajás havia mais de 150 réus, tornando a medida necessária porque nem sequer as famílias dos acusados poderiam acompanhar a sessão de outra forma. E quanto ao caso Dorothy Stang, trata-se de crime relacionado aos conflitos agrários que, no Pará, são meio de cultura para atrocidades de todo tipo. As caravanas eram de agricultores.
Quanto ao julgamento dos acusados de matar os Novelino, quem seriam essas tantas pessoas interessadas em vir de longe para acompanhar o julgamento? Será que já existem tantas faculdades de Direito no interior do Estado? A menos que eu esteja muito desinformado, além dos familiares (por motivos óbvios), os estudantes teriam interesse em acompanhar de perto. Decerto que há muita gente profundamente interessada no desfecho dos acontecimentos mas... não vão querer aparecer, certo?

PS — Enquanto isso, o outro jornal noticia que o acesso do público ao plenário do tribunal do júri será livre, dispondo de 200 vagas para quem quiser. Isso destoa completamente da sugestão de um julgamento concorrido pois, se assim o fosse, haveria a necessidade de restrição de acesso.

domingo, 11 de novembro de 2007

Incrível!

Diante do título da postagem, o que você pensou? Provavelmente, em algo grandioso, extraordinário, estarrecedor. Duvido que lhe tenha passado pela cabeça a ideia de algo que não ofereça credibilidade ou confiança.
Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss:

Incrível
* adjetivo de dois gêneros e substantivo masculino
1 que ou o que não é crível, não se pode acreditar
Ex.:
* adjetivo de dois gêneros
2 que possui um caráter extraordinário; fantástico
Ex.:
3 fora do comum, ridículo, extravagante; excêntrico, singular, incompreensível
Ex.: "é um homem i., suas atitudes são sempre imprevisíveis"

Não é difícil perceber como o sentido originário da palavra migrou para o que mais se conhece hoje em dia. Afinal, algo fora do normal é mesmo difícil ou até impossível de acreditar. Daí, incrível. O problema é que, pelo menos aqui no Brasil, o sentido por derivação se tornou tão importante que acabou por anular o sentido original. Se eu, p. ex., numa aula, falasse algo como "No processo, foi ouvida uma testemunha incrível", meus interlocutores provavelmente entenderiam tratar-se de uma testemunha tão poderosa que, somente com o seu depoimento, muito se avançou na descoberta da verdade. Mas, pelo contrário, quero dizer que ela é suspeita e não merece a menor fé, por isso não ajudou em nada ao processo.
Já me flagrei várias vezes dizendo que algo "não é crível" pois, se dissesse que "é incrível", poderia não me dar a entender.
Para quem lamentar a perda do sentido etimológico do vocábulo, há a alternativa de usar a forma incredível. Todavia, trata-se de uma forma antiga e de uso raro, o que pode ser interpretado como arcaísmo, aquele vício de linguagem consistente em usar palavras que já caíram em desuso. E, como sabemos, os vícios de linguagem devem ser evitados porque não decorrem do uso consciente de um certo estilo de comunicação, e sim do desconhecimento da norma culta.
Tenha um domingo incrível.


Atualizado no mesmo dia, às 16h15:
Na verdade, eu estava enganado. Leiam o comentário escrito pelo filósofo André Coelho e descubram que a origem de "incrível" é exatamente a oposta da que supus nesta postagem. Vivendo e aprendendo. Abraços, André.

sábado, 10 de novembro de 2007

Marcha um tanto quanto lenta

Já perdi a conta das vezes que passei por aqui recentemente dizendo que minhas obrigações têm reduzido o meu tempo para prazeres, dentre eles o blog. As tarefas se sucedem numa quantidade absurda e num ritmo cruel, de modo que, vencida uma, lá vem o restante da fila. A coisa continua nesse nível e é daqui para pior, até as vésperas do Natal, pelo menos. Daí meu interesse em que o ano acabe.
Digo isto para as pessoas que gentilmente têm deixado os seus comentários e que talvez não encontrem respostas para eles. Tenho demorado até dois dias para responder, mas mantenho minha firme intenção de sempre dar um retorno a quem me escreve. Por isso, se você fizer um comentário, retornar e não encontrar a minha réplica, só me dê mais um tempinho e depois procure novamente. Ao menos um alô eu lhe darei.
Grato pela paciência e, acima de tudo, pela honra de me dedicar uns instantes do seu tempo, coisa muito valiosa hoje em dia. Abraços a todos.

Aniversário em família

Hoje meu filho completou três anos de vida. Não se trata de um filho no sentido mais estrito do termo, e sim de uma criatura viva que o coração decide adotar. Já falei dele aqui. Trata-se de Frodo, meu golden retriever, que está diretamente associado a minha história de casado, já que adquirido durante a lua-de-mel. Portanto, tudo o que diz respeito a minha casa, a minha vida em seu sentido mais doméstico tem a ver com ele, de algum modo.


Um filhote narigudo

Só quem possui um cachorro e valoriza essa convivência compreende o que quero dizer. Não se trata daquelas futilidades, frescuras e sandices que gente sem noção comete. Cachorro é bicho e deve ser tratado como tal. Não deve comer alimentos humanos (gordurosos e nocivos à saúde), especialmente doces (tem gente que dá chocolate e até bebida alcoólica! uns criminosos!), nem dormir em nossas camas ou ditar o ritmo da casa. Não pode, também, virar a válvula de escape das frustrações e mediocridades de seus donos, o que pode ser percebido em animais que apresentam um temperamento particularmente detestável. Ele não é assim: ficou assim, por causa da má educação recebida.



Aos dois anos, um passeio e o prazer de um carinho

Ser tratado como bicho de modo algum precisa ser ruim. Muito pelo contrário. Tenho convicção de que muita gente gostaria de estar no lugar do meu Frodo. Ele tem um teto seguro, vive e dorme em lugares limpos, tem alimentação balanceada, come petiscos, possui brinquedos, acompanhamento médico e — suprema bênção — uma família devotada, gente que nutre por ele uma afeição imensa, revelada em atos de inequívoco carinho, como muitos humanos jamais lograram ter.
E retribui, com seu olhar doce, sua cauda agitada, sua alegria, seu instinto protetivo e sua entrega total, especialmente quando se deita no chão, exibe o peito e nos diz, com gestos, que confia plenamente em nós.
Como toda relação de amor, uma dádiva para nossas vidas. Feliz aniversário, Frodo. Obrigado por tudo.


Aos três anos, o charme adulto

Acréscimo em 4.10.2011
Mas eis que veio uma gravidez e uma pequenina chamada Júlia e a alegria do Frodo deixou de ser a mesma de antes...

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Dizque de Caxias 4

O prazo de 15 dias dado para a fiscalização educativa (ahahahahahahahahah!!!) de trânsito ao longo da Av. Duque de Caxias, especialmente no que tange às faixas de pedestres, ainda nem terminou, mas esta tarde os dois agentes que pajeavam a faixa às proximidades da Vileta não se aguentaram: quando um veículo passou ignorando a faixa, enquanto transeuntes aguardavam para atravessar, a multa foi aplicada.
A gana dos agentes era tanta que ambos sacaram do talonário e da caneta ao mesmo tempo, sendo que um declinou em favor do parceiro, que começou a escrever. O primeiro deve ter ficado frustrado.
Enquanto isso, eu parado à espera da travessia, vi uma mulher a um metro da faixa (e não sobre ela), olhando em redor meio abobalhada. Acho que ela não acreditou que, como pedestre, tinha preferência de passagem. A motorista ao meu lado fazia-lhe sinal para que seguisse em frente, mas ela permaneceu imóvel.
Ávidos pelos carros, os agentes não saber que educação para o trânsito envolve, também, atenção ao pedestre. Eles não viram a mulher. Claro, ela não pode ser multada.