domingo, 11 de novembro de 2007

Incrível!

Diante do título da postagem, o que você pensou? Provavelmente, em algo grandioso, extraordinário, estarrecedor. Duvido que lhe tenha passado pela cabeça a ideia de algo que não ofereça credibilidade ou confiança.
Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss:

Incrível
* adjetivo de dois gêneros e substantivo masculino
1 que ou o que não é crível, não se pode acreditar
Ex.:
* adjetivo de dois gêneros
2 que possui um caráter extraordinário; fantástico
Ex.:
3 fora do comum, ridículo, extravagante; excêntrico, singular, incompreensível
Ex.: "é um homem i., suas atitudes são sempre imprevisíveis"

Não é difícil perceber como o sentido originário da palavra migrou para o que mais se conhece hoje em dia. Afinal, algo fora do normal é mesmo difícil ou até impossível de acreditar. Daí, incrível. O problema é que, pelo menos aqui no Brasil, o sentido por derivação se tornou tão importante que acabou por anular o sentido original. Se eu, p. ex., numa aula, falasse algo como "No processo, foi ouvida uma testemunha incrível", meus interlocutores provavelmente entenderiam tratar-se de uma testemunha tão poderosa que, somente com o seu depoimento, muito se avançou na descoberta da verdade. Mas, pelo contrário, quero dizer que ela é suspeita e não merece a menor fé, por isso não ajudou em nada ao processo.
Já me flagrei várias vezes dizendo que algo "não é crível" pois, se dissesse que "é incrível", poderia não me dar a entender.
Para quem lamentar a perda do sentido etimológico do vocábulo, há a alternativa de usar a forma incredível. Todavia, trata-se de uma forma antiga e de uso raro, o que pode ser interpretado como arcaísmo, aquele vício de linguagem consistente em usar palavras que já caíram em desuso. E, como sabemos, os vícios de linguagem devem ser evitados porque não decorrem do uso consciente de um certo estilo de comunicação, e sim do desconhecimento da norma culta.
Tenha um domingo incrível.


Atualizado no mesmo dia, às 16h15:
Na verdade, eu estava enganado. Leiam o comentário escrito pelo filósofo André Coelho e descubram que a origem de "incrível" é exatamente a oposta da que supus nesta postagem. Vivendo e aprendendo. Abraços, André.

3 comentários:

morenocris disse...

Caramba...será que o "caramba" é incrível também?... rsrs

Beijos, Yúdice, apesar do incrível domingo...bom dia pra vc e sua família.

Anônimo disse...

Olá, Yúdice, tudo bom? Sou eu de novo. Assim que li sua postagem de hoje, fiquei curioso sobre o assunto e fui pesquisar um pouquinho. O ancestral do nosso termo "incrível", o latino "incredibilis", ganhou uso só no período final da República romana, tanto que se registra seu primeiro uso conhecido em Cícero, nas suas Cartas ao Ático (Epistulae ad Atticum, 15, 1, 1). Ocorre que desde lá o sentido do termo era de algo que não se podia acreditar por ser estranho ou fantástico, e não por alguma outra circunstância que lhe tirasse o crédito. Tanto é assim que os termos "credibilis" e "credibilitas" eram usados com o sentido de "verossimilhante" e "verossimilhança". Fui, então, procurar nos livros sobre Direito Romano, especialmente o exemplo que você usou, da "testemunha incrível", e achei o seguinte. As provas, no processo romano desde o período das "juris actiones", eram distinguidas em dignas de confiança ou não dignas de confiança, mas - tchan-tchan! - os termos usados não eram variantes do verbo "credo, credere", e sim termos da família "fides" (fé, confiança), "fido, fidere" (ter fé, confiar) e "fidus, fida, fidum" (fiel, digno de confiança). Aparentemente, a própria noção de "credibilidade" com sentido associado à confiabilidade, e não à verossimilhança, teria surgido apenas depois, por derivação da linguagem bancária dos controvertidos e combatidos empréstimos a juros no fim da Idade Média. Nesse caso o sentido de algo em que não se deve acreditar, por não ser digno de confiança, poderia ter sido o sentido derivado, sendo o sentido de estranho e fantástico o sentido original. Veja até onde pode nos levar a curiosidade lingüística: estou escrevendo para você três dicionários e cinco livros depois de ter lido sua postagem, hehehe... Enfim, espero que essas informações, se não forem úteis, tenham sido pelo menos interessantes.

Anônimo disse...

Yúdice, na verdade minha intenção não foi extamente a de corrigir o que você tinha dito, mas sim de acrescentar elementos que tornavam a discussão mais interessante. Ainda daria para dizer que o sentido de "não digno de confiança", se não foi o sentido original do termo do ponto de vista histórico, é ao menos um de seus sentidos possíveis, negligenciado e ofuscado pelo sentido mais usual. Nada impede de dizer "testemunha incrível" no sentido que você propôs, mas tal uso certamente precisará de um esclarecimento lingüístico, para prevenir mal-entendidos, como você mesmo já chamara a atenção. Abraço!