quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Homicídio sem cadáver

Sem corpo não há crime.
Essa máxima foi repetida incontáveis vezes ao longo dos séculos. Admito que eu também lancei mão dela em meus primeiros e incipientes tempos como professor de Direito Penal. Os estudos posteriores demonstraram que a coisa não era bem assim. Foi-me indicado um livro cujo título é Homicídio sem cadáver: o caso Denise Lafetá (ei, Vladimir, ainda estou com ele e disposto a te devolver; só preciso que me digas onde!). Trata-se da narração, feita por advogado que atuou no processo (Tibúrcio Delbis) representando a família da vítima, de um caso de 1988, em que um homem matou a própria esposa e deu sumiço no corpo, jamais encontrado. A tese defendida foi de que, a despeito disso, todos os elementos apurados conduziam a uma certeza moral do crime, suas circunstâncias e motivação. O tribunal do júri condenou o réu, que cumpriu sua pena até o final.
Todavia, os advogados de defesa, enquanto o mundo for mundo, continuarão se aferrando a aspectos que inviabilizem a ação penal contra seus clientes. Para tanto, dirão que sem o corpo não existe prova da morte ou, ainda que se tivesse a morte como certa, não se poderia investigar as suas causas determinantes. Logo, como saber se houve um homicídio?
A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, a meu ver aplicando o Direito com olhos postos num mundo que muda, acabou de fazer história ao rejeitar, por unanimidade, habeas corpus impetrado em favor de Jorge Willians Oliveira Bento, determinando que prossiga, contra ele, ação penal cujo início foi uma denúncia da prática de oito homicídios triplamente qualificados, com ocultação de cadáver. Entenderam os ministros que a ausência do corpo e de perícia necroscópica não são suficientes para inviabilizar a persecução criminal. Para a defesa, falta justa causa para o processo, na medida em que a perícia seria imprescindível, mormente diante das qualificadoras adotadas, dentre elas a tortura. Para o causídico, a denúncia foi apenas uma resposta precipitada à sociedade, em face de um crime de alta repercussão na mídia.
Originalmente, a denúncia fora rejeitada por ausência de prova da materialidade delitiva, mas a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acatou o recurso ministerial e mandou prosseguir a ação.
No STJ, a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, defendeu que o exame de corpo de delito é importante, porém não imprescindível para a comprovação do crime, podendo ser suprido por outros elementos. Nos autos existem exames de DNA comparando amostras de sangue encontrado no suposto local dos crimes com material colhido de familiares das vítimas.
Clique aqui para ler a notícia oficial do STJ. Ela contém um link para a página do processo, que permite conhecer maiores detalhes do caso e ler a íntegra das decisões.
Num mundo em que a tecnologia se desenvolve cada vez mais, ficando à disposição dos criminosos para a perpetração e ocultação de crimes cada vez mais sofisticados, os ministros merecem parabéns.

11 comentários:

Anônimo disse...

Oláa primo!!!

Estou de volta hehe

Depois de um longo e tenebroso inverno, com rajadas de trabalho e tempestade de exames. hehe

Parece-me que o sol voltou a brilhar finalmente.

Então, interessantíssima a matéria, como tem sido habitual nos seus posts.

Confesso que esta era uma dúvida que nunca pairou sobre minha cabeça, afinal pensava eu que o corpo era uma prova, senão cabal, imprescindível ao curso do processo penal.

Abusando de sua benevolência (hehe), gostaria de fazer uma pergunta: 'As codnições da ação (possibilidade juridica, legitimidade ad causam e interesse em pedir ensejam carência no âmbito processual penal na ausência de uma delas?

Grande Abraço!!!

Vladimir Koenig disse...

Yúdice,
não se preocupe, sei que ele está em boas mãos e bem cuidado! :^) Aliás, fico feliz que lhe tenha sido útil!
Quando vi esse livro eu o achei interessantíssimo. Não só porque o autor vai contra um jurisdogma dos mais fortes, mas também porque não é pretensioso como certos autores que publicam suas teses de doutorado como se fossem a última senha do posto de saúde e, na verdade, não passam conseguem ultrpassar a mero reprodução do que já existe, sem em nada evoluir e contribuir para a cultura jurídica.
Abraços,
Vlad.

Yúdice Andrade disse...

Excelente estares de volta, Jean. Senti a tua falta, com certeza. Quanto à pergunta que me fazes, as condições da ação também repercutem sobre o processo penal, através daquilo que chamamos justa causa. A idéia é: dada a enorme drasticidade do Direito Penal, sua utilização deve ser limitada aos casos de absoluta necessidade e, para ferir o mínimo possível os direitos individuais, não se pode molestar uma pessoa, através da persecução, se não houver a tal justa causa, para justificar colocá-la no pólo passivo de um inquérito policial e principalmente de uma ação penal.
As situações de ausência de justa causa, porém, variam muito, mesmo quando as demais condições da ação estão supostamente presentes. Algumas têm respaldo legal: o sonegador de imposto que quita a dívida tem extinta a punibilidade, porque o interesse do Estado não é punir, e sim arrecadar.
Outra, consagrada pela doutrina e jurisprudência: o emitente de cheque sem fundos que paga o débito não pode ser processado.
Há outras causas, porém, criadas pela doutrina, que são bastante controversas. O princípio da insignificância é uma delas. Há justa causa para processar uma pessoa que furtou uma caneta Bic? Há justa causa para processar uma pessoa que cometeu uma lesão corporal leve, mostrou arrependimento e tentou reparar o dano?
Aqui, as polêmicas vão a extremos. É um bom tema para um bate papo. Virás mesmo no começo do ano? Eu e a Polyana adoraríamos.

Yúdice Andrade disse...

Vlad, tu és um santo. Sim, o livro já me ajudou bastante. E voltará a ser usado no semestre que vem. Abraços.

Anônimo disse...

Boa tarde, estou pesquisando material para realizar um trabalho na faculdade sobre homicidio sem cadaver (o que se faz necessário para indiciar um indivíduo por homicídio quando não há cadaver).
Desde já

Danielle

Yúdice Andrade disse...

Cara Danielle, a postagem sintetiza a tese a ser defendida numa situação do gênero. Em termos de material escrito, além do livro citado (do Tibúrcio Delbis), temos referências, nas obras de penal e de processo penal, acerca dos exames de corpo de delito direto, indireto e supletivo. No caso, seriam a perícia necroscópica propriamente dita, a perícia sobre outros elementos capazes de fornecer a conclusão lógica de que houve um homicídio e, por fim, a prova testemunhal.
O corpo de delito indireto e o supletivo podem até convencer quanto à materialidade da morte, mas se torna impossível, a meu ver, sustentar validamente uma qualificadora relacionada aos meios executivos. Como provar que houve asfixia, p. ex.? Penso que a prova indireta não chega a tanto.
Infelizmente, desconheço obras específicas sobre a questão. Posso procurar por elas e, caso encontre alguma coisa, farei uma postagem a respeito (é mais fácil do que procurar uma informação na caixa de comentários).
Boa sorte em sua pesquisa.

Paulo disse...

Caro professor,
Sou estudante de direito e gostaria muito de adquirir o livro do Tiburcio, pois necessito desta obra urgente para uma pesquisa e posteriormente, uma monografia.
Como poderia comprar, vistoq eu náo encontrei em nenhuma site e sou do Ceará?
Aguardo ansioso sua resposta.
Grato

Yúdice Andrade disse...

Prezado Paulo, lamento informar que o livro está mesmo esgotado. Outro dia, fazendo uma consulta a sites de compras, embora essa obra não fosse o meu foco, ela apereceu em mais de um como esgotada.
O livro que tenho me foi dado por um colega de profissão, há uns tantos anos. Infelizmente, não sei como ajudá-lo a adquirir um exemplar.

Caymmi Botelho disse...

Ola boa tarde a todos, meu nome é caymmi gomes botelho, sou estudante de Direito em Minas Gerais, e estou fazendo um estudo para a minha monografia cujo tema é HOMICIDIO SEM EXISTENCIA DO CADAVER", nos meus estudos encontrei reportagens sobre o caso de maria denise lafetá saraiva, onde me chamou muita atenção e de grande interesse.
Com isso procurei comprar o livro que o Dr. promotor do caso publicou, mas nao consegui, pois nao tem nenhuma publicação no momento. Encontrei o seu Blogger, e pensei se o senhor Dr. podesse me ajudar nesse estudo com informações, livros, artigos etc. Obrigado pelo atenção, espero resposta.
Teria algum email para contato...

Yúdice Andrade disse...

Lamento, Caymmi, mas não possuo nenhum material sobre essa tema específico, afora o livro do Tibúrcio Delbis, que por sinal nem está comigo neste momento.
O tema voltou a chamar a atenção por causa do (provável) assassinato de Eliza Samúdio, que talvez tenha motivado a sua escolha, mas só vi alguns artigos de Internet a respeito, mas artigos de gente curiosa, e não de pesquisadores, por isso, neste momento, não saberia recomendar algum.
Sinto muito por isso, mas desejo sucesso na sua pesquisa.

Caymmi Botelho disse...

Boa noite,
Você saberia me informar como faço para comprar o livro, já que não tem nenhuma publicação do mesmo?.
Obrigado pela atenção.