quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Lei do Oeste no Pará

Jamais gostei de filmes de faroeste — que me perdoem os fãs de Sérgio Leoni. Não tinha a menor paciência para, sequer, começar a ver. Agastava-me aquela coisa de cowboys e índios, com a preponderância dos primeiros, numa indisfarçável ideologia colonialista — mentalidade que começou a mudar em 1991, quando Kevin Costner filmou Dança com Lobos e mostrou o outro lado, com muita humanidade.
Todavia, ficou o conceito de lei do Oeste, para indicar o que seria mais exatamente um estado de anomia, a falta de leis de Direito, que acabava gerando a lei do mais forte, do mais armado ou do mais insano como sendo o meio para solução dos problemas. Havia um desenho a que assistia na infância, embora não me recorde agora o nome, em que um personagem tinha como bordão "É a leeeeeeeeeeei do Oeste!"
O bang bang se instalou no Brasil faz tempo. Aqui, a lógica dos criminosos — matar ou morrer; não tenho nada a perder — tem explicado boa parte das barbaridades a que assistimos, de que tomamos conhecimento e que tanto nos angustiam. Agora, mais uma demonstração.
Em 28 de julho, nosso amigo Eduardo Lauande foi baleado durante um assalto realizado por dois jovens, falecendo dois dias depois. Ontem à noite, um dos acusados do crime, Max Delean Gomes de Souza, o "Mascote", foi executado, sem que se conheça o autor do delito (um motoqueiro de capacete) ou os seus motivos. Cumpriu-se a lei do Oeste: "Mascote" matou e depois morreu. No final das contas, duas vidas desperdiçadas — uma produtiva, outra que poderia tê-lo sido. Não há nada a comemorar.
A morte de "Mascote" tem características de vingança ou acerto de contas, como prefere dizer a polícia. Afinal, enquanto a vítima conversava com um conhecido, passou o motoqueiro e, sem nada dizer, sem parar o veículo, disparou cinco vezes (queria ter certeza de sucesso). Seguiu seu rumo, sem molestar o outro rapaz. Portanto, sua ação tinha endereço certo.
Especulando, creio que um dos possíveis motivos dessa execução tem a ver com a banalização da criminalidade. "Mascote" morava naquela região e, segundo dizem, cometia assaltos por ali. Participou do assalto a Lauande e sua esposa, mas não se afastou. Uma professora da escola pública do Conjunto Médici I declarou que a polícia não prendia os dois porque não queria, pois ela os tinha visto num campo de futebol das redondezas. Depois a dupla foi presa no Guamá, assaltando. "Mascote" recobrou a liberdade e voltou para casa. Foi morto perto de casa, perto de onde caiu Lauande. Sua desenvoltura na sede de seus delitos, como se nada tivesse acontecido, deve ter indignado muita gente. Afinal, tem sempre alguém olhando. Então alguém se cansou dele. Isso se não for uma vítima mais direta.
Recuso-me taxativamente ao discurso de tudo-bem-se-quem-morreu-foi-bandido. Defender os chamados justiceiros (odeio a expressão, porque isso nada tem a ver com justiça) é, no mínimo, fazer concessões ao suicídio. Uma espécie de suicídio social. Que mundo é este, em que o talião parece revigorado e é encarado como um avanço?
Max Delean certamente tinha mãe. Hoje, ela chora a morte de seu filho. Acredito honestamente que sua dor mereça respeito. Definitivamente, não podemos viver de velório em velório.

Atualizado em 8.11.2007:
Do Repórter Diário de hoje:

Avesso da paz
A morte do adolescente Max Delean Gomes de Souza, o “Mascote”, acusado de envolvimento no assassinato do sociólogo Eduardo Lauande, em julho passado, suscitou vários telefonemas de felicitações à família Lauande. Nenhuma dessas manifestações foi bem recebida pelos familiares do sociólogo. Integrantes do Movimento “Lauande Vive”, eles defendem a idéia de uma cultura de paz e não-violência e lamentam a morte do adolescente. O movimento não quer mortes; luta por segurança e justiça.

Tem gente sem noção, mesmo. Telefonar para a família Lauande a fim de parabenizá-los pelo ocorrido é, no mínimo, desconhecer por completo o ideário do Eduardo, que se tenta preservar por meio do movimento "Lauande Vive". Ratifico o que disse ontem: não há o que comemorar.

4 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

Pelo menos agora ele é um bandido bom.
Não faz falta nenhuma, amigo. Essa é a mais pura verdade. Antes do respeito à dor da mãe de um criminoso contumaz (assassino!), vem a misericórdia pelas futuras vítimas. Afinal, quantas vidas terão sido salvas?
Foi feita justiça? Claro que não. Mascote apenas pagou seu próprio tributo com alguém que não pensa como nós. E não são poucos.

Anônimo disse...

Yúdice,
me permita uma pequena correção: um marco em filmes de faroeste é o filme de john Ford Cheyenne Autumn (no Brasil crepúsculo de uma raça), com o qual a visão sobre sobre a conquista do oeste americano começa a ser contada no cinema. Outro filme interessante é Bufallo bill com Paul newman.

com os melhores votos

Roberto Barros.

Anônimo disse...

Cito ainda Pequeno Grande Homem e Um Homem Chamado Cavalo, grandes faroestes com o ponto de vista, digamos assim, dos agredidos. Kevin Costner veio um pouco atrasado nessa revisão cinematográfica sobre os fatos históricos da expansão para o oeste, apesar de ter feito um filme lindo.
Para entender melhor o faroeste como gênero cinematográfico - e quem sabe amá-lo como eu amo - sugiro uma leitura tão rápida quanto fascinante e assustadora: "Enterrem meu coração na curva do rio", do historiador estadunidense Dee Brown, um dos primeiros a reunir relatos indígenas sobre o período.

Yúdice Andrade disse...

Fred, talvez tenhamos visões um pouco diferentes. Não quero julgar a mãe pelos atos do filho. Há responsabilidades pelos atos de quem educamos mal, mas não para chegar a tanto.

Roberto e anônimo, não citei as obras que vocês mencionaram por ignorância pura e simples. Como não aprecio o gênero, desconheço o que foi produzido. Mas é o tipo de estilo que não critico, apenas não bate com a minha emoção. Obrigado por diminuírem um pouco o arcabouço da minha enguinorança.