sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Núbia

Não conheci D. Núbia. Não faço ideia de como era. Meu irmão, que pertence ao universo do teatro, sim, conviveu com ela. Costureira de mão cheia, era hábil em produzir figurinos para os espetáculos, por isso era uma referência no meio teatral.
D. Núbia confeccionou o figurino para um espetáculo patrocinado pela Companhia Vale do Rio Doce. Ontem, acompanhada do filho, foi ao banco receber o seu cachê. Sacou o dinheiro e tomou um táxi. Desceu em frente a uma loja e, ali, foi abordada por um dos homens que a haviam seguido desde a agência bancária, de motocicleta, como de praxe. Ele arrancou a sua bolsa e desferiu um tiro. Assim mesmo, como se fosse a coisa mais natural do mundo alvejar uma senhora indefesa após lhe tomar a bolsa. A carreira da costureira competente e gente boa acabou desse jeito, ali mesmo, na calçada.
Não conheci D. Núbia. Mas estou triste, junto com meu irmão. Curioso que, esta semana mesmo, eu e minha esposa conversávamos sobre uma festa à fantasia e pensamos nela para confeccionar nossos trajes, considerando os tantos elogios que meu irmão já lhe fizera. Teremos que mudar nossos planos. Alguém, que está livre e impune, decidiu que ela não merecia viver. Tudo por causa de um dinheiro que ficou no táxi, em poder do filho.
D. Núbia não morreu a troco de nada. Morreu a troco da maldade de uns e da incúria de outros. Os primeiros podem nos escolher a qualquer momento, em qualquer esquina. Os outros, nós voltaremos a escolher nas próximas eleições?

8 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

Querido Yúdice, responda-nos: qual a pena justa para um indivíduo desse?

Itajaí disse...

Veja, Yúdice, em que mundo acanalhado estamos metidos. Compartilho de tua tristeza, e também da alegria com que sempre te manifestas ao falar de teatro. Conheci, quando menino, algumas dessas figuras da coxia, que tanto contribuem para "o" espetáculo que a platéia assiste. São talvez os mais apaixonados, ainda que quase sempre contidos. Lembro de uma senhora, magrinha e frágil, que fazia os figurinos do TP e se chamava Djanira. Penso que, pelo tempo e a ausência na vista, não esteja mais entre nós. É da geração da Carmen Eunice, do Barradas e contemporâneos.

Unknown disse...

Ô Yúdice, perdoe a minha deselegância. Absorvido em minhas questões, nem observei o post. Lamento muito o ocorrido, e desculpe-me.
Abs

morenocris disse...

Bom dia, Yúdice.

Apertar o gatilho ficou muito fácil. Vida? Para que vida? O que é a vida? Para que serve a vida? Do que é feito uma vida? O que importa é a bala que sai!

O que vale é o calibre!

Que coisa horrível! que maldade!

Minha solidariedade à família.

Assim perdemos o nosso amigo Lauande. Assim vamos perdendo o controle de nossas vidas. O que determina se devemos continuar respirando é a bala. E atrás dela o homem! À frente a insegurança. Ao lado o social. Estamos cercados.

Notícia triste. Mais uma!

Beijos.

Anônimo disse...

Minha solidariedade. Não conhecia este anjo de mãos iluminadas. Lamento muito a perda e a forma brutal com que esta vida foi ceifada. Lu.

Yúdice Andrade disse...

Ah, Fred, não há uma resposta para essa pergunta. Acredito ser consensual, em toda a história do Direito Penal, que a pena é somente um remendo, sem nenhuma propensão a reparar o dano causado, mormente se lidamos com um crime dessa natureza. Não quero nem pensar no que seria "justo" nesse caso, pois tenho responsabilidades de formar gente...

Grato pela solidariedade, Oliver. No mais, não pensei que eu parecesse empolgado ao falar de teatro. Isso é mais coisa do meu irmão. Quanto aos nomes que citaste, Paulo Barradas se tornou padre e agora titulariza a Paróquia de Jesus Ressuscitado, no conjunto Médici I, onde mora a minha mãe. O mundo muda.

O que importa, Juvêncio, é a sinceridade do sentimento, venha ele em que momento vier.

É horrível essa sensação, Cris, de contabilizar vítimas. Parece-me ainda mais estarrecedor, contudo, pensar que amanhã talvez nos impressionemos menos com essas tragédias.

Nossa solidariedade há de apascentar a família, Lu.

Anônimo disse...

Yudice,
Estava viajando mas soube do ocorrido. Terrível. Quando ao Cláudio Barradas, além de ser padre, ensaia, neste momento, Abraço, texto meu, que encenará com Zê Charone, dirigidos por Cláudio Barros, no Teatro Cuíra, ainda sem data de estréia definida.
Abs

Anônimo disse...

O que me consola é aquele trecho de poema que a Bethânia recita em A Câmera que Filma os Dias, da Ana Carolina: Essa gente encantada que chegava e partia!
E assim é essa gente pouco comum e talentosa como a Núbia, o Barradas e outros tantos que eu não vou citar pra não correr o risco de esquecer alguém.
Pavulagens à parte, a arte faz isso com a gente: Nos encanta!!!