A primeira vez que escutei a expressão "Hay gobierno? Soy contra!", não aquilatei muito bem o seu alcance. Mas depois fui para a UFPA e aí, digamos, as minhas percepções foram desanuviadas. Afinal, ali o que mais tem é gente contrária a... a... a o que mesmo?
Mais uma vez foi realizada a prova do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes — ENADE e, mais uma vez, houve protestos, confusão e recomendação de boicote. Em Belém, para variar, até desforço físico. E tudo isso para quê? Por que o ENADE não avalia! Todavia, é o caso de perguntar, se não avalia, o que poderia ser usado como instrumento de avaliação? Penso que seria minimamente sensato, da parte dos opositores, oferecer uma proposta que pudesse ser apreciada. Mas se as coisas não mudaram na política estudantil nos últimos quinze anos, aposto que os queixosos são contra e nada têm a oferecer. Querem apenas acabar com a medida, já que é do governo.
Há muitos senões a se levantar quanto ao Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior — SINAES, mas considero um avanço haver uma política oficial com essa finalidade. E como toda avaliação, ela nunca é plena e definitiva, mas deve ser discutida durante o processo. Essa é a única forma de a medida ter uma chance de ser bem sucedida. Mas não para os revolucionários, claro.
Considero justa, entretanto, a reclamação contra o impedimento imposto ao aluno faltoso, no que tange ao recebimento de sua documentação acadêmica. Primeiro porque cria distinção entre as pessoas, eis que não se trata de obrigação a todos imposta. Se sou selecionado, ganho o ônus de ter que realizar mais atos para concluir meu curso validamente do que os demais colegas. O maior argumento, contudo, diz respeito a possível ilegalidade. Afinal, ninguém é obrigado a submeter-se a imposições que não tenham como suporte a lei.
Em página específica na internet, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira — INEP, vinculado ao Ministério da Educação e responsável pelo SINAES, informa que o ENADE "é componente curricular obrigatório dos cursos de graduação, sendo o registro de participação condição indispensável para a emissão do histórico escolar" e que "a participação do estudante selecionado no Enade é condição indispensável para a emissão do histórico escolar". Aduz que "o estudante selecionado que não realizou a prova não poderá receber o seu diploma enquanto não regularizar a sua situação junto ao Enade."
O exame é regulamentado pela Portaria n. 107, de 2004, cujo art. 6º determina que "Os estudantes selecionados pelo INEP para participarem do ENADE deverão comparecer e realizar, obrigatoriamente, o Exame, no dia e hora definidos em calendário, para terem o registro no seu histórico escolar sobre sua situação no ENADE, de acordo com o artigo 28 da Portaria Nº 2.051, de 09 de julho de 2004, do Ministro do Estado da Educação".
Ocorre que uma portaria não supre a exigência de lei, em sentido estrito, a menos que uma lei em sentido estrito autorize expressamente a emissão da tal portaria. E quando examinamos a Lei n. 10.861, de 2004, o que encontramos em seu art. 5º, § 5º, é o seguinte: "O ENADE é componente curricular obrigatório dos cursos de graduação, sendo inscrita no histórico escolar do estudante somente a sua situação regular com relação a essa obrigação, atestada pela sua efetiva participação ou, quando for o caso, dispensa oficial pelo Ministério da Educação, na forma estabelecida em regulamento."
Em suma, realmente fiquei com sérias dúvidas quanto à legalidade dessa obrigação.
2 comentários:
Seu argumento em relação à avaliação - melhor tê-la que não tê-la e, se é ruim, como poderia ser melhor? - me parece irretocável e sua crítica à posição "não, porque não" da militância estudantil é justa e precisa. Precisamos repetir essa crítica em todos os ambientes acadêmicos e em alto e bom som para que o maior número possível de alunos perceba o problema.
Sobre a questão da legalidade, os dispositivos que você listou parecem indicar que a medida da Portaria 107 é mesmo ilegal. Aliás, na medida em que viola a exigência de isonomia entre estudantes selecionados e não selecionados, fico em dúvida se até mesmo a Lei n. 10.861 poderia fixar essa obrigação. Seria constitucional?
Não sei, André, se o problema seria de constitucionalidade. Não me debrucei sobre essa questão. Mas quanto à legalidade sou tendente a fazer um juízo negativo. Não pelo fato em si, por enquanto, mas pelo menos devido ao instrumento normativo que previu a obrigação não ser o adequado. Até segunda ordem, uma ilegalidade sanável.
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