domingo, 29 de junho de 2014

Especulação dominical

Se grupos terroristas destruíssem ou tomassem as sedes dos governos das principais nações do mundo;

se um cataclisma de proporções globais colocasse em risco a segurança planetária;

se um novo vírus gerasse uma pandemia, dessas que aparecem em filmes-catástrofe, só que real;

se alienígenas altamente evoluídos chegassem à Terra e se dispusessem a fazer contato conosco...

Nada disso teria mais espaço na mídia e, pior, na mente das pessoas, do que essa porra de copa do mundo. Quero acreditar que, no restante do mundo, a situação-limite teria a cobertura adequada, mas aqui no Brasil não tem jeito. As notícias seriam dadas apenas nos intervalos do acompanhamento diuturno da copa.

Se Jesus Cristo retornasse hoje, provavelmente lhe diriam: "Ei, cara, que ideia foi essa de voltar agora?! Não embaça a festa! Guentaí, pega essa cerveja e vamo ver o jogo! Vais ter muito tempo para fazer o que seja lá que estejas querendo fazer!"

E depois me perguntam por que tenho esta ojeriza superlativa à copa do mundo. Por que será?

terça-feira, 24 de junho de 2014

Meus advogados de junho de 2014

Como sempre faço, registro os nomes de alguns ex-alunos que foram aprovados no Exame de Ordem e, com isso, poderão exercer a advocacia quando estiverem formados (já que alguns deles ainda nem colaram grau). São eles:

Amanda Houat Martins
André Narito Nagaishi Júnior
Artur Calandrini da Silva Neto
Bianca Lima Toledo
Danielle Calandrini Silva Graim
Edison Lustosa Quaresma Júnior
Geórgia Barreiros Rodrigues
Lena Maria Costa Fernandez
Naiame Nunes da Silva
Stefanie Silva de Miranda
Thiago Motta Mattos
Victor Alberto Pedreira de Albuquerque Rabelo
Yago Oliveira de Sordi

Não são todos, naturalmente, mas apenas alguns nomes de alunos que conheci mais de perto. Peço licença, entretanto, para dizer que, se tivesse que constituir um deles como meu advogado, eu o faria na pessoa de Jéssica de Souza Teixeira. Esta jovem tão dedicada e tão querida, que está finalmente aprendendo a confiar mais, a acreditar mais, e que agora ninguém mais segura.

É uma alegria imensa, para mim, ver a tua aprovação, que eu sabia ser uma questão de tempo. De pouco tempo. Agora é tocar a vida adiante, com a garra e o encantamento que te caracterizam.

Sucesso a todos os novos (futuros) advogados.

Cedo para comemorar

Eu, como muitos outros brasileiros, desejo intensamente viver para ver o dia em que José Sarney será uma página virada na história do Brasil, ainda que seus efeitos maléficos perdurem por muitos e muitos anos. A imprensa, enfim, repercute, com alguma timidez, a notícia de que a mais nefasta figura da vida política nacional vai-se aposentar. Como sempre mentindo, alegou razões familiares (quer ficar com a esposa doente), quando na verdade a preocupação é com a peia que poderia levar.

Quando concorreu pela última vez, há quase 8 anos, Sarney sentiu o peso das mudanças que ocorrem no país, ainda que com uma lentidão extrema. Por algum tempo, houve a possibilidade real de ser desbancado pela opositora, Cristina Almeida, uma novata na política. Ao final, as forças que comandam este país prevaleceram e o maior senhor feudal do país ganhou mais um mandato de senador. O recado, contudo, estava dado.

Em 2014, aos 84 anos, e após episódios importantes de doenças, Sarney sabe que não tem mais como enfrentar uma campanha para cargo majoritário, nem mesmo com o seu partido ocupando a vice-presidência da República (e confirmada para persistir nessa condição, caso Dilma Rousseff se reeleja). A única outra representante do clã com alguma autoridade é Roseana Sarney, em obrigatório fim de mandato no governo do Maranhão. Roseana, provavelmente, chegou ao fundo do poço em matéria de credibilidade. E o governador do Amapá, curral eleitoral secundário do ex-presidente, faz-lhe oposição.

Em suma, a partir de algum momento, nome e fortuna deixam de bastar para fins de reeleição. Não que o eleitorado tenha melhorado tanto assim: é que há muitos outros querendo a oportunidade de avançar sobre o quinhão da Viúva.

Observei, entretanto, que apenas o Estadão e a Veja mencionaram o anúncio de fim de carreira, ganhando alguma repercussão na blogosfera, mas nada que chame muito a atenção. A imprensa, de um modo geral, está silente. O site do próprio Sarney, "o presidente da democracia", nada fala a respeito. Comecei a me preocupar com a possibilidade de boato, o que é muito fácil nestes tempos em que tudo se compartilha na internet, sem maior reflexão.

No entanto, foi divulgada uma nota confirmando a desistência de nova candidatura (pode ser lida aqui). Supostamente, essa é a versão oficial. Nada que impeça caciques do PMDB afirmarem que ainda contam com uma mudança de opinião e mais uma candidatura do cacique-mor. Por tudo isso, eu, que nunca fui de contar com o ovo dentro da galinha, prefiro colocar minha barba de molho. Só acredito vendo. Convém esperar a expiração do prazo para registro de candidaturas. Somente depois desse momento é que se poderá ter certeza cabal de que não haverá reviravoltas.

Aí sim, partindo do pressuposto de que Sarney não tentará ser prefeito de Macapá aos 86 anos, podemos começar a acreditar que sua vida política ativa estará definitivamente encerrada. Mas todo mundo diz que o macumbeiro dele é poderoso. Então convém lembrar que certeza, certeza mesmo, só quando o corpo do tinhoso baixar à sepultura. Aí estaremos livres. E sua alma, atravessando o Grande Portal, há de se encontrar com a Justiça que, se existe, mora do lado de lá.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Definitivamente, não precisávamos disso

Há muitos anos aprendi que o Brasil havia erradicado a poliomielite, um grande passo da saúde pública. As campanhas de vacinação eram feitas para manter esse estado de coisas.

No entanto, em um mundo onde ainda grassa a pobreza, novas doenças a ela relacionadas surgem e outras, antigas, podem ressurgir. O vírus da pólio ainda está por aí, na natureza. Só não sabíamos que já no Brasil. Mas ele acabou de ser descoberto, em um importante centro urbano: Campinas.

Por enquanto, nenhuma notícia de contaminados. Mas, de repente, já não dá mais vontade de cantar uma linda canção.

Idiossincrasias

O que eu detesto mais do que futebol?
Futebol com a seleção brasileira.

O que eu detesto mais do que futebol com a seleção brasileira?
Futebol com a seleção brasileira em copa do mundo.

O que eu detesto mais do que futebol com a seleção brasileira em copa do mundo?
Quando essa porra vence. E se com um gol do vagabundo-deus-da-mídia do momento, que atualmente atende pelo nome de Neymar, fica pior ainda.

E o que eu detesto mais do que futebol com a seleção brasileira em copa do mundo, quando ela vence e, ainda por cima, com um gol do vagabundo-deus-da-mídia do momento?
Quando esse bando de retardados fica comemorando por horas a fio, estourando esses fogos de artifício imensos, que enlouquecem o meu cachorro. Odeio fogos de som; odeio barulho; odeio quando maltratam o meu cachorro.

Necessidades sintomáticas

Daí o estrangeiro diz que, ao chegar ao Brasil, teve dificuldades com a comunicação, por causa do idioma. Mas após aprender "palavras básicas", como "frango, arroz e caipirinha", ficou mais fácil.

E assim a caipirinha brasileira virou item de primeira necessidade!

Fonte: http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,sp-surpreende-e-conquista-estrangeiros-imp-,1516186

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Exercícios mentais trágicos

Imagine a seguinte situação: em um dia qualquer, você sai de casa e sofre um acidente de trânsito ou então um assalto no qual é baleado. Como consequência, fica tetraplégico. Horrível de pensar, não? Mas existe solução? Pelo visto, existe sim: basta a seleção brasileira de futebol jogar e o Neymar fazer um gol. Aliás, segundo a imprensa, um golaço!

Ato contínuo, você se erguerá da cadeira de rodas e andará.

O brasileiro aí da foto se chama Miguel Ângelo Laporta Nicolelis, um médico e neurocientista paulista de 53 anos. Na década passada, foi apontado pela revista Scientific American como um dos 20 maiores cientistas do mundo. Premiado e reconhecido internacionalmente, lidera uma pesquisa da Universidade Duke (Durham, Estados Unidos), na área de fisiologia de órgãos e sistemas, que pretende permitir ao cérebro comandar próteses e, assim, permitir o movimento controlado e consciente a pessoas dotadas de deficiências físicas.

Segundo o seu currículo Lattes: "Atualmente é professor titular do Departamento de Neurobiologia e Co-Diretor do Centro de Neuroengenharia da Duke University (EUA), professor do Instituto Cérebro e Mente da Escola Politécnica Federal de Lausanne (Suíça) e Presidente do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS). Tem experiência na área de Fisiologia, com ênfase em Neurofisiologia, atuando principalmente nos seguintes temas: informática médica, eletrofisiologia, sistemas sensoriais, sistema somestésico e próteses neurológicas."

Nicolelis deveria ser a melhor coisa da copa da FIFA no Brasil. Em minha opinião, a única coisa boa. Foi anunciado com anos de antecedência que, se tudo desse certo, na abertura do evento um paciente com deficiência usaria um exoesqueleto para chutar uma bola. Seria o primeiro chute da copa, uma demonstração dos méritos da ciência brasileira.

O chute aconteceu, no último dia 12. O voluntário Juliano Pinto, de 29 anos, usou o exoesqueleto. Mas a Globo, emissora oficial dos jogos, exibiu a cena por apenas 7 segundos, porque preferiu mostrar o ônibus da seleção brasileira chegando ao estádio. Sintomático. Pressionada nas redes sociais, a Globo culpou a FIFA pela escolha, omitindo o fato de possuir cinco câmeras exclusivas, fato de que se ufanou publicamente por muito tempo.

Assim, o cientista Nicolelis foi parar na fogueira da insanidade brasileira. A atual copa é menos um evento esportivo do que mais um capítulo na interminável, grosseira e burra guerra de pseudoideologias políticas e sociais em que estamos chafurdados. Você odeia o PT, então não pode elogiar a copa e, com isso, até uma pesquisa científica da maior relevância se tornou alvo de chacotas.

"Ideólogos" oficiais e mais conhecidos dos setores mais deprimentes da sociedade brasileira, Diogo Mainardi e Reinaldo Azevedo tripudiaram do cientista que, felizmente, não deixou por menos e respondeu à altura (veja aqui). Mas ele não merecia ter seu nome sequer pronunciado por esses dois beócios. Para minorar um pouco os nossos pecados, este foi um caso em que mesmo a imprensa, deslumbrada e mal intencionada, sentiu que não podia ficar do lado dos maus: foi obrigada a valorizar Nicolelis e seu trabalho. Isso é um alento, sem dúvida, mesmo que amanhã somente os especialmente interessados no tema se recordem de seu nome. O restante do povo estará injetando a tabela da copa na veia.

Entusiasta da ciência, sou fã de Nicolelis, ainda que lamentando que a brasilidade de sua pesquisa dependa de políticas públicas e recursos estrangeiros, como sempre. Mas ela existe e traz o nome do Brasil na frente. Para iluminar os caminhos de quem pode vir a ser o futuro da ciência brasileira, se chegar o dia em que ela, enfim, seja levada a sério.

Até lá, os gritos de gol serão dados das cadeiras de rodas e leitos de hospital, como hoje em dia.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Eleições deste ano

Não foi sem sofrimento que votei nulo pela primeira vez na vida. Foi em 2008, nas eleições municipais, quando um segundo turno entre Duciomar Costa e Priante eliminou sumariamente qualquer possibilidade de meus dedos confirmarem uma escolha na urna eletrônica. Cravar um voto na figura mais odiosa que já passou por nossa prefeitura era inimaginável. Mas a opção pelo adversário, candidato nada reconfortante e ainda por cima do PMDB, levou-me a vencer minhas barreiras e anular.

Este ano a coisa está ainda mais feia, a começar porque se trata de eleições gerais. No plano federal, minha necessidade de impedir o retrocesso que seria o retorno o PSDB ao poder já não serve de fôlego bastante para votar em um PT amancebado até a alma com o ultrafisiológico PMDB. E o chamego do grupo com gente do porte de Paulo Maluf assassina as últimas eventuais resistências. Além do mais, a política neoliberal do PT me decepcionou gravemente ainda no primeiro ano do primeiro mandato de Lula, então vocês bem podem aquilatar a minha pouca disposição para esperanças e contemporizações.

Não nego a existência de políticas positivas, realizadas nos últimos anos, que só aconteceram graças a um olhar mais à esquerda. A ampliação do acesso ao ensino superior é uma delas. Mas a incipiência dos indicadores sociais nos governos petistas é um dos maiores reproches que se pode arguir contra eles, porque se esperavam avanços expressivos justamente nessa área. Avanços reais, sem publicidade institucional e deslumbramento partidário. Mas o próprio discurso, permanentemente centrado na economia, já desmerece essa expectativa. E se por um lado é verdadeiro que o Brasil enfrentou a crise econômica mundial como poucos países conseguiram, por outro também é verdadeiro que nossas taxas de crescimento econômico continuam na marcha lenta de sempre.

Além disso, repugna-me continuar pagando impostos extorsivos, sem receber de volta o proveito esperado e exigível, além de preços inacreditáveis por serviços de má ou péssima qualidade, em todos os campos, com a ampla permissividade do governo. Agências reguladoras? Ouvidorias? Tudo balela. O Reclame Aqui ainda é mais vantajoso.

Por fim, temos as eleições estaduais. Uma chapa de situação ainda mais inoperante e midiática do que o tucanato federal quer manter-se no comando (e, agora se sabe, para atender aquelas coalizões partidárias indecentes, oferecendo a vaga de vice para um deputado evangélico). A alternativa é apostar em um projeto gestado há muitos anos, segundo o qual Jáder Barbalho faria seu filho governador. Se já não fosse assustador o bastante, o projeto reúne diretrizes tão opostas como PT e, mais recentemente, DEM, que deve oferecer o candidato a vice, na pessoa de um campeão de ações penais em trâmite perante o STF.

Está bom para você? É votar e meter uma bala na cabeça. E quando penso que não existe terceira via capaz de enfrentar esses projetos de poder, por enquanto, vejo de antemão que só nos resta aguardar a desgraça e a rapinagem. Lasciate ogni speranza, voi ch'etrate. Se sobrar alguma coisa, quem sabe em 2018 temos alguma chance de mudança?

terça-feira, 17 de junho de 2014

Twitterítica XXXI - México gostoso

Choque de realidade. Pode ser muito positivo para amainar certas arrogâncias, não?

Com a cabeça, não com os pés

Como é de se imaginar, não perco o meu tempo com a tal de copa do mundo, mas chega o fim do dia e ligo a TV no noticiário, então obviamente sou submetido a uma torrente de informações sobre a única coisa importante que está acontecendo no universo inteiro, inclusive demais dimensões.

Foi assim que vi imagens do jogo no qual a seleção alemã (que conta com minha preferência) botou de quatro, literalmente, a portuguesa, que teria como trunfo o tal de melhor jogador do mundo na atualidade (eu achava que era o Messi), Cristiano Ronaldo ou, para os íntimos, CR7.

Vendo as imagens, chamou-me imediatamente a atenção o cabelo do jogador metrossexual. Muitíssimo bem cortado, com um traçado sinuoso e suíça fininha, encimado por um topetinho estiloso. Além do mais, a pele parecia estranhamente plastificada, como se ele estivesse com maquiagem, o que provavelmente era verdade. A TV digital, hoje em dia, revela muito mais nitidamente as pessoas, então acho que era pozinho na cútis, mesmo.

Ri e pensei que o futebol destes tempos é isso, mesmo: muito estilo no cabelo, muita preocupação com as unhas, com a aparência perante as câmeras, muita elaboração nas coreografias (o que rendeu uma ótima ironia em vídeo do canal Porta dos Fundos, há três dias), foco excessivo nos milhões que se ganha para não fazer merda nenhuma e... pouco interesse pelo futebol em si. Foi-se o tempo dos jogadores apaixonados pelo futebol. Agora eles são apaixonados, sim, mas pela grana. E a indústria em torno deles se beneficia disso muito bem. E o grande público, eterna massa de manobra bovinamente obediente, vai atrás.

Resulta daí que, tanto quanto posso me interessar por algo relacionado a futebol, adorei saber que a seleção alemã venceu o jogo e de forma tão acachapante. Porém, apreciei mais ainda ver o gostosão português com Gesicht von Hintern, vendo sua equipe ser demolida por um adversário sem belezuras, mas com o futebol em dia.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Nosso tempo amalucado

O serviço de meteorologia avisara que choveria bastante até maio, quando então o calor típico de nossa região retornaria. Dito e feito. Neste mês de junho, tem feito um calor digno desta cidade, que chamo carinhosamente de "sucursal do inferno".

Curiosamente, alguém resolveu mudar os planos. Ontem, fomos brindados com uma tempestade amazônica. Chuva fraca, porém persistente, durante a noite. Amanhecer ameno e úmido. O dia esquentou, mas agora, no começo da noite, há outra chuva forte prometida aí em cima. Se ela cair, desejo boa sorte a quem está voltando para casa em plena hora do rush.

Acréscimo na manhã seguinte:

Uma noite inteira de chuva, chegando assim a um amanhecer escuro e molhado. O sol está abrindo, enfim.

Sessão de psicanálise II: depois do fim

Atualizado em 13.11.2015.

Em 19 de abril passado, escrevi uma postagem sobre o seriado Psi, que a HBO Brasil acabara de estrear. Àquela altura, tendo visto apenas o episódio de estreia, ainda não sabia muito o que esperar e, a par de comparações com Sessão de terapia, demonstrei minha curiosidade com o novo programa.

Acabei de assistir ao 13º e último episódio da temporada e gostaria de compartilhar as impressões que me ficaram.

Agora sei que Carlo Antonini (Emílio de Mello), o protagonista, é um médico que não se considera mais médico, mas que se lembra de agir como médico quando é de sua conveniência, p. ex. para emitir um atestado em uma das cenas mais incorretas do programa. Refiro-me ao episódio em que ele, para ajudar a namorada maluquete, preenche um documento que aparece na tela como "certidão de óbito", o que me indignou, porque certidões de óbito são emitidas por cartórios de registro civil de pessoas naturais, jamais por médicos, aos quais compete exarar os atestados que baseiam os assentamentos nos cartórios. Além disso, o documento não poderia ser repassado diretamente às mãos do coveiro, que realizou o que, a meu ver, foi um enterro clandestino.

Pode-se perceber que não me empolguei muito com o programa. Carlo é acima de tudo e declaradamente um psicanalista e, como já adiantei, não gosto de psicanálise, porque minha mente apegada à ciência reclama comprovação empírica para as teorias e, a menos que eu esteja enganado, não é isso que a psicanálise oferece. Além do mais, agora sei que faz parte do método psicanalítico não falar praticamente nada durante as sessões, porque o paciente é que deve encontrar seus caminhos. Conveniente, não? Se o cara não passa por uma epifania, nada em sua vida vai melhorar, mas a culpa é exclusivamente dele, não do sujeito que recebe dinheiro para orientá-lo. Acho que eu queria um emprego assim, só com bônus. Além do mais, tendo feito terapia por alguns anos, sei que me irritaria profundamente ficar ali, falando, enquanto o sujeito que eu pago apenas existe atrás de mim.

Mas não são essas as razões de meu pouco apego pelo seriado. Penso nele como um produto teledramatúrgico e, nesse ponto, incomodou-me sobremaneira a construção do protagonista, um libertário que, para mim, era um grande irresponsável. Para ele, tudo parecia ser "normal", causando-me viva impressão quando ele, no penúltimo episódio da temporada, desceu do salto e realmente perdeu as estribeiras. "Ah, perdeu a calma, foi?!", perguntei, cinicamente.

Nem direi que essa acusação de irresponsabilidade tem a ver com a sua simpatia pelo consumo de maconha, mas pelo modo como despacha os pacientes que não instigam o seu desejo (algo pelo que, ao menos, ele se penitencia no episódio final) e como lida com a intenção do enteado menor de idade em patrocinar o abortamento do filho que a namorada insuportável espera. Acho que terei alguma adesão se eu disse que, a certa altura, o sujeito transa, sem camisinha, com uma doida que já lhe confessara trocar sexo pela autorização de morder o parceiro sexual,  pois ela se considerava uma "vampira". Está bom ou quer mais?

Revendo o texto anterior, devo dizer que a série não explorou tanto assim a condição de investigador do protagonista. Acho que desistiram do plano. Mas recorreram ao manjado expediente de mostrar o personagem cansado, questionando a si mesmo e largando o consultório para fazer uma aventura de autoconhecimento, que um de seus pacientes chamou de "reciclagem". Nesse momento, ele já se dizia cansado de levar as pessoas à beira do rio sem poder chutar-lhes a bunda para que atravessassem, mesmo que isso implicasse em se afogar. Para entender a metáfora: trata-se de Freud, para quem o psicanalista apenas leva o paciente à beira do rio, mas é o paciente quem decide se o atravessa ou não.

Outra coisa profundamente irritante no seriado era o seu didatismo. Para tanto, foi criada a personagem Valentina (Cláudia Ohana), cuja função era explicar para os leigos conceitos e teorias psicanalíticas. Sempre conversando com Carlo sobre os casos dele e sobre as leituras psicanalíticas a respeito, cumpria o papel de aproximar o público da figura fora da curva que era o protagonista. E mesmo assim conseguia até ser um personagem mais interessante do que ele.

Não fico somente com as críticas, porém. Após uma fase em que eu contava os minutos para o episódio acabar, de tão irritado que estava, houve dois que me agradaram bastante, os de número 11 e 12. O primeiro deles abordava o assassinato de um paciente de Carlo, soropositivo que se prostituía, e que rendeu uma forma de inteligente de narração. O outro abordava dismorfismo sexual, homossexualidade e fundamentalismo religioso, em um roteiro finalmente bem amarrado e convincente. Foi o momento de sentir boas emoções.

A proposta de Psi era que cada episódio apresentasse um tipo de neurose das que se observam em uma grande cidade como São Paulo. Sem dúvida, isso foi feito graças à vasta experiência de Contardo Calligaris. Não houve perda de tempo, mas acho que o seriado ainda precisa acertar melhor a mão para fazer sucesso. É um programa que merece continuar (nada sei sobre sua renovação por mais um ano), mas eu gostaria de menos sala de aula e mais arte. Não quero tornar-me psicanalista, apenas entender se essa forma de ver o mundo realmente ajuda tanto quanto seus seguidores afirmam, e de que forma.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Legião Urbana: briga sem fim e incoerência

Para quem é fã da Legião Urbana, como eu, é triste ver a querela interminável e agressiva entre os músicos Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, de um lado, e o filho e herdeiro de Renato Russo, Giuliano Manfredini, de outro.

Com as reservas próprias de um advogado, não me atreverei a opinar sobre quem tem razão na disputa pelos direitos de utilização da marca Legião Urbana, até porque essa área do direito não é a minha. Tenho quase nenhuma familiaridade com ela e a questão está judicializada, então o judiciário que resolva, se é que já não resolveu.

Vou-me concentrar apenas em um aspecto: Renato Russo foi mais um dentre tantos artistas da música que se deixaram dominar pelo vício e, a despeito do consumo de outras drogas, o álcool foi o grande problema em sua vida. Ele se tratou e fez reais esforços para superar a dependência. Aí o herdeiro cria um Instituto Renato Russo, declaradamente para ajudar no combate à dependência química, e aceita como parceira... a AmBev, fabricante de cervejas!

Somente eu achei isso uma incoerência ao nível do deboche? Imagine um alcoólatra chegando à sede do instituto, em busca de ajuda, e encontrando lá a marca da AmBev ou, pior, de algum de seus produtos? Será que ele vai encarar como responsabilidade social? Será mesmo? Ou será só imaginação?

E como as vias capitalistas sempre têm mão dupla (exceto quando a mão única beneficia só a elas mesmas), entrou no ar uma campanha publicitária da cerveja Brahma usando a célebre canção "Por enquanto". As canções da Legião Urbana que nunca antes foram usadas para vender produtos, fizeram a sua estreia vendendo cerveja, indústria das mais poderosas no país e que nega qualquer responsabilidade com os índices de violência decorrentes do abuso de álcool, particularmente no trânsito.

Nunca tive qualquer razão para gostar ou desgostar de Giuliano Manfredini. Mas agora tenho para lamentá-lo. O site que ele mantém pode apresentar as desculpas que quiser, mas a decisão é triste e agride a memória de seu pai, que mesmo com uma garrafa na mão gritava para os jovens não fazerem o mesmo.

Mais:

  • http://67.228.183.122/~milk/site/2014/06/06/instituto-renato-russo/
  • http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/06/1469608-filho-de-renato-russo-autoriza-uso-de-musica-em-comercial-de-cerveja.shtml

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Controversas mudanças no trânsito da cidade

Sou um completo leigo no assunto, então aceitarei calado as críticas fundamentadas que eventualmente me façam por eu estar errado. Mas sou morador da cidade, sou motorista e passo diariamente pelo local das mudanças que estão sendo implementadas pelo órgão municipal de trânsito, então acho que posso opinar.

A SeMOB decidiu que, para dar "maior fluidez" ao tráfego, não serão mais permitidas conversões à esquerda na confluência das avenidas Duque de Caxias (que vira Brigadeiro Protásio) e Dr. Freitas. Graças a isso, os veículos só poderão seguir em frente ou converter à direita, permitindo a redução do tempo dos semáforos, de 4 para 2.

Se pensarmos que os condutores ficarão menos tempos aguardando o sinal verde, de fato a medida parece interessante. Mas os supostos "estudos técnicos" realizados terão considerado todas as variáveis? Porque a consequência prática da novidade é que diversos veículos, inclusive ônibus, que não deveriam passar por certo trecho da via, agora passarão, aumentando a quantidade de veículos em circulação nele.

Pior: esses veículos terão que pegar um retorno à frente e, para isso, formarão uma retenção à esquerda. Como estamos falando de logradouros com trânsito pesado, já podemos imaginar longas filas de espera, que obviamente reduzirão as faixas de rolagem. O resto será feito pela má educação do condutor belenense: quem vier pela preferencial não facilitará a manobra de quem precisa cruzar a pista oposta; e quando a fila aparecer, os apressadinhos começarão a formar outra, ao lado, estrangulando a rua.

Posso estar enganado, o que os próximos dias poderão revelar, mas a impressão que tenho é de que estão apenas deslocando o congestionamento, do cruzamento para alguns metros adiante, com a diferença de que, no cruzamento, fazia-se uma curva aberta à esquerda e, a partir de agora, no retorno, será uma curva fechada em espaço reduzido. Eu e todo mundo que tem comentado as notícias na internet achamos que vai dar tudo errado.

O que será que ensinam aos engenheiros de tráfego nas universidades?

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Aprovada a "Lei Menino Bernardo"

Está aprovada e dependendo apenas da sanção presidencial a chamada "Lei Menino Bernardo", que ainda é bem mais conhecida como "Lei da palmada", graças a essa mania boba do legislador brasileiro de dar nomes de fantasia às leis.

Objeto de notável controvérsia e fonte de irritação nos brasileiros, existe, para variar, muita ignorância a respeito. A maior dela consiste no fato de as pessoas acreditarem que houve a criminalização dos castigos físicos contra crianças e adolescentes. Mas a verdade é que não se trata disso. Muito ao contrário, ninguém vai para a cadeia por causa da nova lei. Vamos aos fatos.

A lei sob comento (tecnicamente, só pode ser chama de lei após sancionada) insere alguns artigos novos no Estatuto da Criança e do Adolescente e modifica a redação de outros. No que interessa à vida doméstica dos brasileiros, houve duas grandes inserções:

“Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se:
I – castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em:
a) sofrimento físico; ou
b) lesão;
II – tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que:
a) humilhe; ou
b) ameace gravemente; ou
c) ridicularize.”

“Art. 18-B. Os pais, os integrantes da família ampliada, os responsáveis, os agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada de cuidar de crianças e de adolescentes, tratá-los, educá-los ou protegê-los que utilizarem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto estarão sujeitos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, às seguintes medidas, que serão aplicadas de acordo com a gravidade do caso:
I – encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
II – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
III – encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
IV – obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado;
V – advertência.
Parágrafo único. As medidas previstas neste artigo serão aplicadas pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo de outras providências legais.”

Ao contrário do que muitos pensam, não estamos tratando exatamente de uma novidade. O ECA já é inspirado pela doutrina da proteção integral e já previa uma série de deveres à família, à comunidade, à sociedade em geral e ao poder público, tais como a proteção à integridade física e o respeito, dentre outras. O art. 5º já determinava que toda criança e adolescente deveria ser posto a salvo de violência, crueldade e opressão, inclusive por omissão, com diversos desdobramentos. O art. 18 já determinava o dever de todos de "velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor".

Os dois novos artigos são um prolongamento desta regra e se inserem no título dos direitos fundamentais, no capítulo do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade. E o problema todo parece residir sobre o fato de que os possíveis agressores, aqui, são os próprios pais ou responsáveis, não estranhos. Nesse ponto, a polêmica desvela uma certa esquizofrenia do nosso povo: ao mesmo tempo em que crianças e adolescentes são cada vez mais idiotizados por suas famílias — movidas pela insana convicção do direito à felicidade, com base no que não se dá limites ou educação, nem se lhes ensinam valores —, reclama-se uma suposta prerrogativa de facultar às famílias um poder quase irrestrito de decidir como agir, mesmo que isso implique em baixar a porrada, de vez em quando. Vai entender.

A terceira inserção diz respeito ao poder público e se refere a políticas públicas:

“Art. 70-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão atuar de forma articulada na elaboração de políticas públicas e na execução de ações destinadas a coibir o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e difundir formas não violentas de educação de crianças e de adolescentes, tendo como principais ações:
I – a promoção de campanhas educativas permanentes para a divulgação do direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos;
II – a integração com os órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, com o Conselho Tutelar, com os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e com as entidades não governamentais que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente;
III – a formação continuada e a capacitação dos profissionais de saúde, educação e assistência social e dos demais agentes que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente para o desenvolvimento das competências necessárias à prevenção, à identificação de evidências, ao diagnóstico e ao enfrentamento de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente;
IV – o apoio e o incentivo às práticas de resolução pacífica de conflitos que envolvam violência contra a criança e o adolescente;
V – a inclusão, nas políticas públicas, de ações que visem a garantir os direitos da criança e do adolescente, desde a atenção pré-natal, e de atividades junto aos pais e responsáveis com o objetivo de promover a informação, a reflexão, o debate e a orientação sobre alternativas ao uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante no processo educativo;
VI – a promoção de espaços intersetoriais locais para a articulação de ações e a elaboração de planos de atuação conjunta focados nas famílias em situação de violência, com participação de profissionais de saúde, de assistência social e de educação e de órgãos de promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente.
Parágrafo único. As famílias com crianças e adolescentes com deficiência terão prioridade de atendimento nas ações e políticas públicas de prevenção e proteção.”

A primeira alteração redacional no texto foi esta, que diz respeito à ação do Conselho Tutelar, para apuração de infrações:

“Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.
............................................................” (NR)

A segunda alteração é a única parte da nova lei que tem repercussão criminal e, mesmo assim, não diz respeito às famílias, mas a profissionais que atendam crianças e adolescentes, envolvendo um crime punido com multa; nada de prisão:

“Art. 245. Deixar o profissional da saúde, da assistência social ou da educação ou qualquer pessoa que exerça cargo, emprego ou função pública de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento envolvendo suspeita ou confirmação de castigo físico, tratamento cruel ou degradante ou maus-tratos contra criança ou adolescente:
Pena – multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários-mínimos, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.” (NR)

Uma última inserção manda incluir nos currículos escolares questões sobre prevenção de todas as formas de violência contra crianças e adolescentes.

***

Creio que duas críticas à iniciativa são inevitáveis. A primeira diz respeito à vagueza e imprecisão dos termos da lei. O "castigo físico" é definido por sua capacidade de provocar "sofrimento físico" ou lesão. A parte da lesão é fácil de entender, mas qual o sentido de "sofrimento físico"? Parece que o legislador quis limitar, mas se a própria ideia foi vendida como "lei da palmada", somos naturalmente inclinados a entender que houve vedação absoluta a qualquer ação disciplinar de natureza física, mesmo uma palmada leve.

O "tratamento cruel ou degradante", embora para um jurista seja algo mais delimitado, é ainda mais dúbio. Brigar com uma criança em público, mesmo sem encostar nela, mas submetendo-a à censura de terceiros, é um ato que provoca humilhação? Obviamente, a criança não ficará satisfeita, mas isso é humilhação? Serei punido por fazer isso? Honestamente, não sei responder.

A segunda crítica diz respeito à dificuldade de fiscalizar o cumprimento da norma, valendo lembrar que o ECA é uma das leis mais desrespeitadas que existem, a despeito de suas belas e refletidas declarações de intenções. O aumento da complexidade do ordenamento jurídico traz consigo o aumento da contingência, criando maiores condições para a ineficácia da norma e para o descrédito por parte dos cidadãos.

Uma última crítica a ser feita não atinge o texto da lei, e sim o comportamento das pessoas.

Cresci escutando minha mãe dizer que apanhou e não morreu. Apanhou de cinto, "pelo lado da fivela"; de fibra de malva; de galho de goiabeira e outros engenhos criados pela perversidade de outrora. Outras tantas pessoas já me disseram que, em suas famílias, quando um filho apanhava, apanhavam todos, para dar exemplo e porque isso seria uma espécie de "justiça". Aí me recordo de que apanhávamos por não querer comer certo tipo de alimento ou por não vestir a roupa que fora separada para nós. Também recordo a humilhação que isso provocava, porque vinha junto com uma aguda percepção da própria impotência. Não consigo assimilar como essas práticas "educacionais" pudessem ter algum valor, ainda mais a ponto de serem celebradas por tantos hoje em dia.

Sempre disse que não sou contrário ao que chamo cinicamente de "palmadinha evangélica", de modo que, aparentemente, alinho-me ao grupo que se opõe à nova lei. Mas o ato deveria ser empregado no último caso e sempre com uma razão. Quando dei a tal palmada, não foi sequer para doer; junto com ela, subi o tom de voz e criei um cenário que mais impressionava do que machucava. E mesmo assim aquele ato me machucou. Não entendo como alguém possa ficar feliz por bater em um filho. Posso não me arrepender, mas não me orgulho. Considero uma vergonha esse orgulho.

Também não posso ignorar que muitos dos que bradam sobre o seu direito de educar a prole, que não pode ser limitado por terceiros, estão muito longe de ser a pessoa lúcida, ponderada e criteriosa que supõem. Muitos sequer mereciam ser pais. Muitos não reuniriam condições mínimas para passar no teste, se houvesse a tal carteira de habilitação para ser pai/mãe, de que fala minha esposa. E é do alto de uma arrogância que só não extrapola a ignorância que essas pessoas falam.

"Apanhei e não morri". Isso é mérito? Era para morrer? O fato de eu ter sobrevivido prova que o método empregado era o correto? E se as gerações se sucedem, mas continuamos agindo como agiam os indivíduos de séculos atrás, onde está a evolução da sociedade? Somos melhores do que nossos antepassados? Não, somos piores. Porque eles realmente pertenciam a outros padrões culturais. Hoje, discursamos sobre amar nossas crianças e ultrapassamos pouco o discurso.

Por fim, quando a tal lei entrar em vigor, imagino que, tão logo apagados os holofotes iniciais (a mídia cuidará disso), será marcada por seu caráter altamente inócuo. Se o restante do ECA já é marcado por isso, por que a palmada não seria? Para refletir.