Atualizado em 13.11.2015.
Em 19 de abril passado, escrevi uma postagem sobre o seriado Psi, que a HBO Brasil acabara de estrear. Àquela altura, tendo visto apenas o episódio de estreia, ainda não sabia muito o que esperar e, a par de comparações com Sessão de terapia, demonstrei minha curiosidade com o novo programa.
Acabei de assistir ao 13º e último episódio da temporada e gostaria de compartilhar as impressões que me ficaram.
Agora sei que Carlo Antonini (Emílio de Mello), o protagonista, é um médico que não se considera mais médico, mas que se lembra de agir como médico quando é de sua conveniência, p. ex. para emitir um atestado em uma das cenas mais incorretas do programa. Refiro-me ao episódio em que ele, para ajudar a namorada maluquete, preenche um documento que aparece na tela como "certidão de óbito", o que me indignou, porque certidões de óbito são emitidas por cartórios de registro civil de pessoas naturais, jamais por médicos, aos quais compete exarar os atestados que baseiam os assentamentos nos cartórios. Além disso, o documento não poderia ser repassado diretamente às mãos do coveiro, que realizou o que, a meu ver, foi um enterro clandestino.
Pode-se perceber que não me empolguei muito com o programa. Carlo é acima de tudo e declaradamente um psicanalista e, como já adiantei, não gosto de psicanálise, porque minha mente apegada à ciência reclama comprovação empírica para as teorias e, a menos que eu esteja enganado, não é isso que a psicanálise oferece. Além do mais, agora sei que faz parte do método psicanalítico não falar praticamente nada durante as sessões, porque o paciente é que deve encontrar seus caminhos. Conveniente, não? Se o cara não passa por uma epifania, nada em sua vida vai melhorar, mas a culpa é exclusivamente dele, não do sujeito que recebe dinheiro para orientá-lo. Acho que eu queria um emprego assim, só com bônus. Além do mais, tendo feito terapia por alguns anos, sei que me irritaria profundamente ficar ali, falando, enquanto o sujeito que eu pago apenas existe atrás de mim.
Mas não são essas as razões de meu pouco apego pelo seriado. Penso nele como um produto teledramatúrgico e, nesse ponto, incomodou-me sobremaneira a construção do protagonista, um libertário que, para mim, era um grande irresponsável. Para ele, tudo parecia ser "normal", causando-me viva impressão quando ele, no penúltimo episódio da temporada, desceu do salto e realmente perdeu as estribeiras. "Ah, perdeu a calma, foi?!", perguntei, cinicamente.
Nem direi que essa acusação de irresponsabilidade tem a ver com a sua simpatia pelo consumo de maconha, mas pelo modo como despacha os pacientes que não instigam o seu desejo (algo pelo que, ao menos, ele se penitencia no episódio final) e como lida com a intenção do enteado menor de idade em patrocinar o abortamento do filho que a namorada insuportável espera. Acho que terei alguma adesão se eu disse que, a certa altura, o sujeito transa, sem camisinha, com uma doida que já lhe confessara trocar sexo pela autorização de morder o parceiro sexual, pois ela se considerava uma "vampira". Está bom ou quer mais?
Revendo o texto anterior, devo dizer que a série não explorou tanto assim a condição de investigador do protagonista. Acho que desistiram do plano. Mas recorreram ao manjado expediente de mostrar o personagem cansado, questionando a si mesmo e largando o consultório para fazer uma aventura de autoconhecimento, que um de seus pacientes chamou de "reciclagem". Nesse momento, ele já se dizia cansado de levar as pessoas à beira do rio sem poder chutar-lhes a bunda para que atravessassem, mesmo que isso implicasse em se afogar. Para entender a metáfora: trata-se de Freud, para quem o psicanalista apenas leva o paciente à beira do rio, mas é o paciente quem decide se o atravessa ou não.
Outra coisa profundamente irritante no seriado era o seu didatismo. Para tanto, foi criada a personagem Valentina (Cláudia Ohana), cuja função era explicar para os leigos conceitos e teorias psicanalíticas. Sempre conversando com Carlo sobre os casos dele e sobre as leituras psicanalíticas a respeito, cumpria o papel de aproximar o público da figura fora da curva que era o protagonista. E mesmo assim conseguia até ser um personagem mais interessante do que ele.
Não fico somente com as críticas, porém. Após uma fase em que eu contava os minutos para o episódio acabar, de tão irritado que estava, houve dois que me agradaram bastante, os de número 11 e 12. O primeiro deles abordava o assassinato de um paciente de Carlo, soropositivo que se prostituía, e que rendeu uma forma de inteligente de narração. O outro abordava dismorfismo sexual, homossexualidade e fundamentalismo religioso, em um roteiro finalmente bem amarrado e convincente. Foi o momento de sentir boas emoções.
A proposta de Psi era que cada episódio apresentasse um tipo de neurose das que se observam em uma grande cidade como São Paulo. Sem dúvida, isso foi feito graças à vasta experiência de Contardo Calligaris. Não houve perda de tempo, mas acho que o seriado ainda precisa acertar melhor a mão para fazer sucesso. É um programa que merece continuar (nada sei sobre sua renovação por mais um ano), mas eu gostaria de menos sala de aula e mais arte. Não quero tornar-me psicanalista, apenas entender se essa forma de ver o mundo realmente ajuda tanto quanto seus seguidores afirmam, e de que forma.
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