quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Um ano depois

Os dermatologistas de todo o país reunidos em congresso que ocorre desde sábado no Hangar se depararam, no último domingo (6 de setembro), com uma intensa panfletagem à porta, que começou pela manhã e se estendeu pela tarde, avançando para o cruzamento ali próximo. O documento entregue não tinha relação com assuntos médicos, não era publicidade turística nem da indústria de Satanás farmacêutica. Era um manifesto subscrito pelos filhos de d. Emília Celeste Lima Noronha, que naquela data completava um ano de falecida.
Eis alguns trechos do documento, que nos permite entender o motivo da manifestação pública:

Clamamos por justiça para nossa mãe, Emília Celeste Lima Noronha, por ocasião do primeiro ano de seu brutal desaparecimento, ocorrido no salão de festas da sede campestre da Assembléia Paraense, durante baile de formatura de seu neto, organizado pela empresa Fábrica de Eventos, quando integrantes da banda Mocotó Elétrico, já indiciados em inquérito policial, derrubaram ums estrutura metálica sobre ela, matando-a por traumatismo crânio-encefálico.
A tragédia que esfacelou o corpo de nossa mãe e a alma de nossa família, soma à dor da perda, a dor da revolta. Enquanto estivermos visitando seu túmulo e reunindo com amigos e demais familiares na missa que será celebrada em intenção à sua boníssima alma, a mesma banda estará no mesmo clube, realizando baile de encerramento de evento médico. Dói, dói muito percebermos que um ano depois do homicídio de nossa mãe, o ônus continua sendo apenas dela (que perdeu a vida) e nosso (que a perdemos). Os outros, os responsáveis, seguem com suas vidas, com suas mães, com seus risos e suas festas... É a impunidade, a mesma impunidade que ela, assídua leitora de jornais e revistas, com um enorme senso de justiça, tanto combatia.

Segue-se a explicação da família sobre as circunstâncias do sinistro. Em síntese, os integrantes da banda, sem aviso prévio, decidiram desmontar a estrutura de som quando ainda havia cerca de 200 pessoas no salão, às 5 horas da madrugada. Ao tentarem retirar uma caixa de som de 50 quilos, que se encontrava no alto de uma pilastra metálica de 5,25 metros de altura, com apenas 60 cm2 de base e sem pontos de fixação ao piso, deixaram escapulir a corrente que suportava a estrutura, pois não usavam luvas, permitindo que desabasse sobre d. Emília.
Os familiares também se queixam da Assembleia Paraense, cuja segurança não impediu a desmontagem antes da liberação do salão, e principalmente porque não havia médico presente e o ambulatório do clube, que foi arrombado na ocasião, não dispunha de material para entubação oro-traqueal, forçando netos da vítima, médicos, a tentar reanimá-la sem os recursos necessários.
Minha amiga que participa do evento confirmou ter havido algumas desistências em relação ao show, após a leitura do manifesto (ela também não foi). Portanto, se a intenção dos familiares de d. Emília era causar impacto, conseguiram. Eu mesmo me lembrei que, na sexta-feira passada, por ocasião de um baile de colação de grau, estive no mesmo clube, onde houve um show da mesma banda. E a mesa dos professores ficava de cara para as caixas de som. Não me senti nada confortável com tal recordação.
Até onde sei, os integrantes da banda são os únicos acusados formalmente em âmbito criminal. Mas o mais famoso e sofisticado clube da cidade merece censura por não possuir, em seu ambulatório, equipamentos que deveriam ser obrigatórios, considerando a existência de um parque aquático (onde pode haver afogamentos) e de quadras (onde podem ocorrer acidentes traumáticos). Inclusive com crianças. O autoproclamado maior clube social do Brasil não está apto a atender acidentes graves em suas dependências, mesmo recebendo uma enorme quantidade de pessoas? Só no terceiro mundo, mesmo. Deve ser a lógica de nunca-vai-acontecer-nada.
Só que aconteceu.
Minha solidariedade à família de d. Emília Noronha.

15 comentários:

Artur Dias disse...

Agora me ocorre que um amigo meu disse ter passado em frente à Assembléia neste domingo à noite e havia bastante confusão lá na rua. Inclusive ele pôde ver um homem agredir outro com uma garrafa de cerveja. Talvez algum representante da nossa elite dando uma demonstração habitual de truculência e desprezo pela vida. Por isso é que o acidente não sensibilizou a direção do clube...

Anônimo disse...

Bem,

o que se pode perceber é que dinheiro não é sinônimo de educação, muito mesmo de bom gosto. Infelizmente isso é mais que evidente em Belém. Meus pesames à família da sanhora, mas eu creio que imputar toda a culpa ao Mocotó é demais, culpado mesmo é essa prática de não pensar em detalhes e ainda achar que por que se paga tem-se direito a tudo. Eu não sei a que horas a banda começou a tocar, mas ter de continuar a fazê-lo por que há pessoas no salão às 05hs é escravidão. Por outro lado, não pagar o suficiente para que a mesma tenha pessoal técnico para desmontar a estrutura pode até mesmo ser considerado como omissão e o mesmo pode ser dito do clube, que deixa promover festas no seu espaço. Como eu disse, pobre senhora....

Yúdice Andrade disse...

Artur, os sócios do clube têm estacionamento de sobra. Portanto, não utilizam o portão dianteiro. A briga que relatas, pelo local do ocorrido, deve ter envolvido vendedores, flanelinhas ou simplesmente passantes. Não há motivo, só por isso, para especular sobre o caráter do público interno.

Das 9h17, dinheiro definitivamente não implica em educação, cultura, classe e muito menos em respeito. Ainda mais numa cidade como Belém.
Esclareço que não imputei culpa a ninguém. Apenas reproduzi a versão dos familiares que, obviamente, estão atrás de punição daqueles que consideram culpados. Sem dúvida, entretanto, culpados existem. Afinal, houve um homicídio culposo. Isso é um fato.
Não falei que a banda deva tocar até o último convidado sair. O que eles não deveriam é desmontar o equipamento enquanto há pessoas no recinto. Deveriam ir para casa dormir e voltar depois, para um desmonte seguro. Segundo o manifesto dos familiares, o costume da banda era desmontar o equipamento após as 8h da manhã. No dia do acidente, porém, por razões desconhecidas, resolveram desmontar de imediato. E houve o que houve. Não precisava.

Magno Oliveira disse...

Yúdice, eu estudo na Av. Alm. Barroso e vi em um outdoor a mensagem dos familiares de d. Celeste.
O que está escrito é de fato impactante e, se chamar bastante atenção era a intenção da família, eles obtiveram êxito.
Eu fiquei muito chocada com o que li, mais ainda, porque só tomei conhecimento do acontecido um ano depois. Resolvi vir pesquisar na grande rede.
Te agradeço por divulgar os fatos!
Espero sinceramente, que nada semelhante possa ser repetido e que a família desta senhora em questão, possa minimizar seu sofrimento com um justiça.
Que paguem os verdadeiros responsáveis.

Mais uma vez, obrigada pelas informações!

Abraços

Katia Aguiar disse...

Prezado Sr. Yúdice:
A impiedosa atitude das empresas responsáveis pelo que deveria ter sido um dia de grandes alegrias e grandes recordações, da festa de colação de grau da turma de Direito da UNAMA, no dia 5 de setembro do ano passado conforme o senhor relatou, se transformou numa grande e terrível tragédia, ceifando violentamente a vida da professora aposentada Emília Celeste Lima Noronha. Dona de altíssima reputação por seu caráter irretocável, sua cultura aprimorada a cada dia e seu incondiconal amor à família que também a ela devotava o mesmo carinho, a senhora Emília já se transformou num símbolo contra a impunidade. Não é possível que uma cidade inteira fique à mercê de "empresários" de áreas diversas que vêem somente o lucro, sem se dar conta --inclusive-- que a má gestão de suas instituições certamente os levará à falência. Tomara que isso aconteça logo, antes que outras pessoas se tornem suas vítimas. A justiça precisa ser feita.

Katia Aguiar

vanianoronha disse...

Prezado Sr. Yúdice,

Foi com grata surpresa que “descobrimos” seu blog e os comentários sobre a tragédia que vitimou nossa adorada mãe, Emília Celeste Lima Noronha.
Além do texto distribuído por ocasião do 1º ano de seu desaparecimento, outros foram escritos e divulgados, por diferentes meios. Um deles, inclusive, foi publicado no jornal “O Liberal”, no segundo domingo de maio (Dia das Mães) do corrente ano e todos eles foram repassados para milhares de e-mail. Nossa intenção é, sem dúvida, que se faça justiça. Os indivíduos que causaram a morte de nossa mãe precisam responder por isso.
Houve um homicídio e não há consenso, no meio jurídico, se culposo ou dolo eventual. Certamente, para emissão de um parecer técnico seria necessário o conhecimento detalhado do ocorrido (desde a montagem até a desmontagem dos equipamentos de som pela banda Mocotó Elétrico, passando pelos diferentes contratos firmados entre os envolvidos na realização do evento) e não há a menor pretensão, por nossa parte, de convencer o leitor a respeito da qualificação do crime. Entretanto, para justificar a possibilidade de dolo eventual, dentre uma série de outras ocorrências, é importante que seja dito que:
* Integrante da empresa “Fábrica de Eventos” diz que foi informado que a pressa (da banda Mocotó Elétrico) em retirar os equipamentos se devia ao fato dos mesmos terem sido locados pelo conjunto “Markinho e Banda”, que realizaria um show em Marabá, naquele dia. Tais equipamentos teriam que ser enviados por transporte aéreo naquela manhã, daí a desmontagem ter iniciado IMEDIATAMENTE após a banda RP2 tocar a última música, às 5h. Nós (inclusive nossa mãe) já estávamos de pé e tínhamos acabado de recolher nossos pertences para ir embora, quando ela foi, mortalmente, atingida. Isso ocorreu por volta de 5h e 5min. Foi a pressa assassina que matou nossa mãe?
É nosso pensamento:
Do mesmo modo que, um motorista irresponsável (que embriagado ou não, em alta velocidade, ao avançar um sinal de trânsito, atropela um transeunte desconhecido dele) vem sendo indiciado por dolo eventual, pois se acredita que embora não tenha premeditado atropelar a vítima, pessoa que ele nem sequer conhecia, esse motorista assumiu o risco de atropelar (e matar) alguém, é inadmissível que os integrantes da banda Mocotó Elétrico, que dizem ter treinamento e cumprir um “protocolo” para montar e desmontar o aparato sonoro, desconhecessem que estavam assumindo o risco de atingir (e matar) alguém quando iniciaram a desmontagem de equipamentos com centenas de quilos, com cerca de DUZENTAS pessoas no salão. Aliás, com NOVE ocupantes da PRIMEIRA mesa, a mais próxima do palco, ainda no salão. Por pouco, por questão de centímetros, eles não mataram pelo menos CINCO pessoas de nossa família.
Por fim, agradecemos a todos que, de alguma maneira, das mais diversas partes do país, vêm demonstrando solidariedade à nossa família.
Atenciosamente,
Vânia, Celso e Fernando Noronha

Yúdice Andrade disse...

Prezados Magno e Kátia, peço sinceras desculpas por não ter respondido os seus comentários oportunamente. Foi uma falha, que peço não tomem como descortesia.
Agradeço a atenção ao blog.

Sra. Vânia e demais familiares
Antes de mais nada, apresento-lhes novamente, e agora de modo mais direto, meus respeitos e minha solidariedade. Espero ter tratado do caso, na postagem, de forma digna.
Meu sentimento de cidadão que não possui nenhuma relação direta ou indireta com os fatos, seus protagonistas ou com o clube, é de que os culpados devem ser punidos e de que do sinistro, que não pode ser mudado, possamos extrair lições que preservem a segurança das pessoas daqui por diante.

Anônimo disse...

Creio que independentemente de qualquer resposta dada à justiça e pela justiça, acima de todos está a Justiça Maior. Não adianta o Sr. Mocotó tentar se isentar, não adianta o Sr. Luciano Jr. tentar "limpar" a imagem de sua empresa, no dia do real Juízo, aquele imputado pelo Ser Maior, cada um deles terá o seu devido julgamento. O que vivemos aqui é passageiro, àqueles que verdadeiramente creem em Deus devem ter em seus corações a certeza que nada que se diga nem se faça aqui passa em branco.
Pessoas são maiores que empresas, vítimas são maiores que empresas, e a justiça dos homens deve cumprir sua parte, doa a quer doer.

Yúdice Andrade disse...

Verdade, das 10h44. As leis devem ser cumpridas e, acima delas, os códigos morais que deveriam presidir as vidas de todos. Quando isso não acontece na realidade, resta-nos ter esperança.

JOAO CARLOS DE ANDRADE disse...

Infelizmente toda esta trajédia se abateu sobre esta família, vitimando a Sra Emilia. Como produtor de eventos lamento profundamente o ocorrido. Eu estava trabalhando neste evento, e aquelas cenas de desespero me pertubam até hoje. Todos nós gostariamos de dar um CRTL+Z em nossa vidas e recuperar e evitar momentos tão dificeis e dolorosos.
Na época eu era produtor artístico da Banda Mocottó Elétrico, não era envolvido com a parte estrutural de som e iluminação, mesmo assim fui indiciado e aguardo o desfecho desta trágica história.
Que Deus abençoe esta família e tenham certeza que onde D Emilia ela está em paz.

Yúdice Andrade disse...

João Carlos, você foi indiciado criminalmente mesmo sem ter relação com o aspecto que ocasionou a tragédia? Alegaram o quê? Que você teve poder decisório sobre a instalação (ou desinstalação) do equipamento?
Enfim, não tenho nenhum conhecimento sobre o caso. Espero que o Judiciário decida o que for justo porque, ao fim e ao cabo, o que a família da d. Emília realmente preferiria era a sua companhia, certo?

Vânia Noronha disse...

Quando levei minha mãe para o baile de formatura de meu filho, um evento estritamente selecionado e familiar, no salão de festas da sede campestre da Assembléia Paraense, clube que, como sócia, já freqüentava, jamais poderia imaginar que seria uma ida sem volta, que ela sofreria morte violenta naquele local. Em hipótese alguma poderia considerar que em um baile de colação de grau, nas dependências da Assembléia Paraense, haveria risco de morte para uma pessoa que ficou sentada na mesa reservada para sua família, apreciando as homenagens e comemorações, só levantando-se em raras ocasiões, sempre acompanhada de sua filha ou de uma de suas noras.
O que ocorreu e para o qual não há qualquer argumento que justifique a conduta dos denunciados pelo homicídio foi que: De repente, integrantes da Banda Mocotó Elétrico, logo após a última música, iniciaram a desmontagem dos equipamentos de som. Dois deles puxaram com uma corda de metal, uma das caixas de som (com peso de cerca de 50 Kg) que estava sobre estruturas metálicas com mais de 5 metros de altura. Essas estruturas não estavam fixadas no solo e as bases que as sustentavam no chão eram muito estreitas para suportar e equilibrar pilastras daquela altura. Os integrantes da Banda Mocotó Elétrico não usavam equipamentos apropriados para o desmonte (puxavam as correntes sem uso de luvas que evitariam as correntes escorregassem). Os integrantes da Banda Mocotó Elétrico não esperaram o salão esvaziar, eles não isolaram a parte do salão próxima ao palco, eles nem sequer avisaram que iniciariam a desmontagem, alertando as pessoas para se afastarem do local. Durante a desastrada tentativa de retirar a caixa de som eles derrubaram uma enorme e pesada torre (aproximadamente 100Kg) sobre minha mãezinha que estava de pé, ao meu lado, em frente à mesa onde permanecera durante toda noite (a mesa reservada à nossa família, que era a mesa mais próxima ao palco), matando-a diante de mim, de meus filhos e de todos que se encontravam no local.
Os integrantes da Banda Mocotó Elétrico assumiram o risco de causar a morte, de UMA (e causaram a da minha mãe) ou VÁRIAS pessoas, quando decidiram desmontar aqueles equipamentos sem a menor precaução. Eles não tiveram o menor zelo com a preservação do MAIOR patrimônio de cada cidadão, que é a VIDA.
Os integrantes da Banda Mocotó Elétrico foram denunciados por homicídio culposo pelo Ministério Público e no próximo dia 06 de JUNHO será a AUDIÊNCIA de INSTRUÇÃO e JULGAMENTO na 12ª vara criminal. Nada trará minha mãe de volta, nem apagará de minha memória e de meu coração os momentos trágicos que vivenciei naquele que seria um “final de comemoração de formatura”. Desse modo, para mim e meus filhos, para meus irmãos e sobrinhos e para os demais familiares e amigos, que a amavam e admiravam, só resta o CLAMOR por JUSTIÇA.

Yúdice Andrade disse...

Cara d. Vânia, novamente nos encontramos aqui no blog.
É muito importante que mantenhamos viva na memória das pessoas a lembrança dessa tragédia, que de algum modo afeta a qualquer um de nós, frequentadores que somos de eventos os mais diversos.
Peço-lhe que, se possível, informe-nos o resultado da audiência que, por sinal, ocorre com bastante demora, considerando o tempo que já se passou.
Volto a pedir a Deus que lhes dê alento e paz. Um abraço respeitoso em todos.

Unknown disse...

Fui indiciado e fui absolvido, pois não tratava de montagem de estrutura, eu cuidava da agenda e de no dia do evento, servir como intermediador entre o cliente e a banda. Quando aconteceu a tragédia, levei os funcionários da banda para a delegacia e acabei sendo incluído no caso, mesmo sem ter nenhuma responsabilidade no ocorrido. Gostaria de um dia ter a oportunidade de conversar com algum familiar da vítima, pois fui testemunha de tudo que aconteceu. Estou a disposição.joaocarlos_andrade@hotmail.com

Yúdice Andrade disse...

Pelo visto, João Carlos, prevaleceu a sua afirmação de que não tinha responsabilidade pelos fatos que culminaram no sinistro, pois trabalhava em outro ramo. Antes mesmo que como criminalista, como cidadão sobretudo, penso que se deve cuidar para que as sanções recaiam apenas sobre os culpados, evitando-se a caça às bruxas.
Depois de todo o tempo que se passou, quero acreditar que procedimentos de segurança estão sendo respeitados e que nenhum de nós estará exposto a riscos absurdos, de morte, quando sai de casa para um momento de lazer em ambiente fechado.