Leio a revista Época sazonalmente, apesar de dispor de uma assinatura. Quando o faço, aprecio ler a coluna "Nossa antena", da jornalista Ruth de Aquino. Como seria de se esperar, nem sempre concordo com seus pontos de vista. Recordo-me de ter prestado atenção nela, de verdade, em um artigo sobre abortamento, no qual ela declara ter feito e que disso não se orgulha nem se arrepende. Fiquei vivamente impressionado com suas palavras, ideias e autoexposição. Inclusive porque ela disponibiliza o e-mail na própria coluna.
Desta vez, abrindo a revista de quase três semanas atrás — sempre examino as revistas de trás para a frente, exceto a Quatro Rodas; não me pergunte o motivo; já disse que tenho interesse nas manias das pessoas e, com certeza, há uma boa razão para isso —, deparei-me com este artigo, que acabei por transcrever na íntegra. Afinal, nem todos leem a revista e não necessariamente dão atenção à página final (que normalmente é uma das mais importantes das publicações). Gostaria de estar perto dessa senhora para dar um abraço nela. Disse tudo, com uma vantagem que eu não poderia exibir: viver no Rio de Janeiro e conhecer de perto o ideário da cidade. "Vantagem", bem entendido, apenas nesse contexto, pois é uma cidade onde eu, definitivamente, não fixaria residência se pudesse escolher.
Não desprezo o funk, assim como não desprezo o brega, aqui destas bandas, que alguns iluminados decidiram transformar em manifestação cultural própria do Estado do Pará — felizmente, ainda não em nível legislativo. Por enquanto. O que indigna e revolta é o uso dessas expressões populares — legítimas, como disse Ruth — para fins dolosamente selecionados. Os piores possíveis. Promoção do crime, da degradação humana e da desagregação de valores relevantes, por menos moralistas que pretendamos ser.
Outro dia, vi na TV Record um programa sobre músicos que já fizeram muito sucesso e hoje estão quase esquecidos. Mostraram Genival Lacerda, o maior expoente das composições de duplo sentido. Ele manifestou desgosto quanto aos forrozeiros de hoje, imersos em depravação explícita. Disse que quando canta "ele 'tá de olho é na butique dela", é de uma butique que fala. Se a pessoa escuta e entende outra coisa, é porque pensa em algo que está dentro de si mesma. Um filósofo, esse Genival. E a Psicologia endossa o que ele afirma: vemos o mundo de acordo com a nossa própria miopia.
Fiquei extasiado quando Ruth de Aquino mencionou os acadêmicos e jornalistas do funk, essa raça empenhada em justificar o injustificável. O mesmo tipo de gente que, ao ver uma criança de 3, 4 anos rebolando na boquinha de uma garrafa, há alguns anos, dizia que a maldade estava só na cabeça dos adultos. Pois bem, são justamente os adultos que, pedófilos, se convertem em abusadores, não?
A jornalista mexeu num vespeiro. Afinal, entre os amigos do funk vamos encontrar gente taluda como Xuxa — coroada pela Rede Globo "rainha dos baixinhos" —, alucinada pelo ritmo e que sempre soube dar a maior abertura, em seus programas, aos bondes disso e daquilo. Mesmo sendo programas destinados a um público infanto-juvenil. Mas justiça seja feita: um dos aniversários de Sasha, a primeira criança do Brasil, teve como tema ou ambientação justamente um baile funk. Ou seja: Xuxa ao menos é coerente com o que gosta.
Outro entusiasta de primeiro escalão é Luciano Huck, que se ufana de elevar os artistas da periferia e de levar às massas os pancadões, inclusive emprestando seu nome para CD lançados de vez quando.
No final das contas, errados, chatos e imbecis seremos só nós, mesmo: Ruth de Aquino, eu e alguns que nos leem. O mundo já virou de ponta cabeça faz tempo e nós, tolos, insistimos em ficar com as nossas em cima do pescoço.
2 comentários:
Lamentável situação, Yúdice. Ontem mesmo assisti um reprise do programa do Silvio Santos na qual recebia o grupo "É o Tchan".
Neste havia crianças de pouco mais de três anos dançando "boquinha da garrafa". E a plateia, claro, toda feliz, achando aquilo maravilhoso.
Há pessoas que querem voltar no tempo para refazer um malfeito. Eu gostaria de voltar no tempo para reviver um bem-feito.
-- Александр
Como se não bastassem os horrores atuais, esse povo ainda insiste em desenterrar os antigos! De fato, o mal não morre jamais!
Postar um comentário