sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Mobilização das Índias

Já escrevi sobre isto antes. As pessoas, em geral por motivos de autoafirmação, alegam detestar novelas, criticam o seu papel alienante e blá blá blá. De quebra, baixam o malho na Globo, pelos motivos de sempre. Mas acabam se envolvendo nos debates que surgem. Não adianta: raras são as pessoas que não gostam de dramaturgia, em alguma de suas formas. E o apelo alucinante da televisão não passa despercebido a ninguém, mesmo que o deseje.
Já disse que gosto de novela e somente não assisto devido a minha rotina profissional, que envolve aulas até tarde da noite. Como não vou acompanhar mesmo, acabo não assistindo nunca, mas eventualmente sou atraído pelas discussões que surgem. Assim, diante da repercussão de Caminho das Índias, não poderia ficar indiferente ao sucesso de nossa conterrânea, Dira Paes, com a sua ordinaríssima Norminha, ao charme arrebatador da maravilhosa Letícia Sabatella e, nesta etapa final, à rota descendente de Maya, protagonista da desacreditada Juliana Paes (vítima da própria bunda aparência), que se revelou uma atriz respeitável, além de ser uma mulher inteligente e bem educada, distante do estereótipo que pretendem lhe impor.
Glória Perez não é nem de longe uma autora da minha preferência, mas sabe cair no gosto do povo, mesmo repetindo tanto as fórmulas folhetinescas de sempre quanto as suas próprias. Irrita-me, nela, particularmente, o tom panfletário que imprime aos seus textos, mesmo que com a boa intenção de fazer merchandising social. Assim era com as falas do cego Jatobá, de América, já prejudicado por ser vivido pelo chato Marcos Frota, que pareciam retiradas de uma cartilha redigida por fundamentalistas dos direitos humanos. Agora é o didatismo do Dr. Castanho (Stênio Garcia), explicando a psicopatia para crianças de tenra idade.
O fato é que, entre afagos e críticas pesadas, ela arrebata a audiência e dita modas. Ou seja, é um sucesso, doa a quem doer. Por isso, o que mais tenho escutado esta semana são manifestações de pessoas, dos mais variados perfis, no sentido de que precisam estar em casa esta noite, para acompanhar o último capítulo de Caminho das Índias. Até os baladeiros prometem sair apenas depois do "fim" na telinha global.
Se isso não é sucesso, não sei o que é. Vai me dizer que você não gostaria de ter, nas mãos, milhões de brasileiros, como Glória Perez tem hoje? Ah, eu gostaria!

PS Na hora do capítulo final, estarei falando sobre aplicação extraterritorial da lei penal brasileira. Ou seja, a aplicação da lei penal brasileira a fatos ocorridos fora do Brasil. Na Índia, inclusive.

6 comentários:

Rita Helena Ferreira disse...

Pois eu afirmo sem medo de ser feliz: ADORO novelas! Mas sou seletiva... Nem todas me agradam...

Uma pena que, atualmente, por trabalhar à tarde até o início da noite, só consigo assistir à novela das 8 (oito?).

Adoro televisão, principalmente a tv fechada... E não me considero intelectualmente inferior em razão disso.

Mas, muitos, muitos mesmo, consideram-se superiores por "arrotar" desgosto por tv. O engraçado mesmo, é que acabam revelando que conhecem nome de personagens, nome de BBB's, etc, etc...

Enfim, faz parte!!

Agora...

Dar aula durante o último capítulo?
Are baba, Yúdice!!!! Hahaha

Hj, se ainda fosse sua aluna, deixava um gravador na sala de aula e partia para casa.

Nada pessoal... ;)

Anônimo disse...

É uma boa piada. Como muita gente comenta as novelas, fantástico..é eu me acabo de rir de quem diz que odeia televisão, novela.... Um dia destes estava no bar do Salomão e impressionante a quantidade de homens e mulheres que foram para frente da TV ver a Melissa esbofetear a Ivone. O clima parecia de um bom jogo. Como já estou na idade de tudo ver/não ver, ouvir/não ouvir e fazer/não fazer sem dar satisfação pra ninguém, eu assisto, gosto e acho que se tivermos olhos e ouvidos aprendizes, após uma boa discussão, acabamos aprendendo alguma coisa. Só para não apanhar muito: para mim, aprender não significa só aceitar.
Maria Souza

Anônimo disse...

Bom, darei, então, a todos a chance de morrerem de rir de novo: Eu, André Coelho, odeio novelas, não as assisto e não faço idéia de quem seja Maia ou Norminha (de verdade!). As novelas são mecanismos alienantes, sim, mas, pior que isso, são desfiles de maus textos, más interpretações, maus enredos etc. Mas confesso que, quando digo isso às pessoas, me sinto, sim, um pouco ofendido com os olhares de suspeita e com as insinuações de que estou mentindo, de que no fundo gosto e as assisto escondido. Afinal, não tenho por que esconder nada, pois não fujo à alienação da indústria cultural: vejo futebol, (algumas) séries americanas e filmes de Hollywood. Não me orgulho disso, mas assisto, e com prazer. Minha rejeição a novelas não se deve a militância ideológica nem chatice intelectual: é desprazer artístico mesmo, sentimento pessoal de ofensa à minha inteligência. Por isso, gostaria de deixar registrada minha (sinceríssima) opinião.

Anônimo disse...

Não gosto, acho de extremo baixo nível e tenho muitas outras coisas mais interessantes com as quais me ocupar. Mas por que não gosto não significa que estou certo (como se algo assim existisse). Se milhões de pessoas gostam então para mim está ótimo. A minha mulher, por exemplo, é uma destas e nunca brigamos sobre isso. acho só que há ainda muitos filmes e livros que me interessam muito mais para eu perder tempo com esse observatório das relações interpessoais que nós não podemos mais ter e que precisamos realizar na tela da tv.
No início do século XX Walter Benjamin chamava a atenção para a solidão do homem moderno, imerso no processo produtivo que destroi a troca de experiência coletiva. Pode-se argumantar o expressivo número de espectadores de novelas e living shows, mas eu acho sempre que se busca com isso a experiência coletiva perdida nestes tempos tão velozes.

Eu ainda fico com umas boas cenas ou páginas de livro acompanhadas de uma xícara de chá. Apenas uma outra forma de solidão. Eu gosto de outras bobagens.

Liandro Faro disse...

Prezado,
Na sexta-feira, as alunas e os alunos, quase me arrancaram a cabeça, pois iriam perder o final da Novela.

Teve uma aluna que disse: "é que nem jogo de futebol, professor!"

Ainda tentei argumentar: "Mas passa no sábado..."

E mais uma vez: " Mas professor, o senhor não sabe como é? Todo mundo vai comentar e aí não vai ter graça. As outras mulheres vão fazer questão de contar..."

Bem, mesmo diante disso, tentei levar a aula até o final...

Muito interessante esta comoção coletiva, mesmo sabendo que a grande maioria delas e deles não assistiram toda a novela, nem sequer 70%...

Mas tudo bem... São coisas e fatos que devem ser "olhadas"...

Forte abraço

Yúdice Andrade disse...

Em relação ao BBB, que realmente detesto - por razões que me isentei de apresentar aqui no blog justamente para não dar cartaz ao programa -, evito saber até os nomes dos indigentes, embora só se fale disso. Já no que respeita às novelas, penso da mesma forma.
No mais, era meu dia de aula. Então, dei matéria nova. Sem colher de tchai.

De fato, querida Maria, mesmo em meio a um panorama e amenidades e até de frivolidades, as novelas de hoje oferecem algum conteúdo. Não todas, decerto, mas a ideia do marketing social se desenvolveu. Sempre há um personagem cuja trajetória pode nos proporcionar, senão aprendizado sobre algum assunto, ao menos uma reflexão, útil para a vida.
Quem sabe escolher onde depositar sua atenção, usufrui do melhor.

Não me surpreendo, André. Quem filosofa tem os olhos postos em outros referenciais, porque deseja aprofundar conhecimentos e reflexões. Por te conhecer, sei que isso não tem a ver com marrentice, mas esta é a explicação em relação à esmagadora maioria dos críticos.
No mais, ratifico as palavras que escrevi acima, para a Maria.

Das 21h39, recomendo-te a leitura do romance "Fahrenheit 451", de Ray Bradbury, autor de ficção científica de meados do século passado, que retrata uma sociedade imersa nesse panorama de solidão e vazio que mencionas. Um abraço.

Liandro, eu deixo os meninos falarem. Todo mundo ri e depois eu ministro a minha aula. Simples assim. Hoje em dia, acho até divertida essa falta de compromisso da juventude, que chega a ser ingênua. Num caso como esse, bem entendido, que é só um empurrar com a barriga. Para outras coisas sou bem mais intransigente, notadamente aquilo que pode causar prejuízos reais, graves e próximos.