Réu tem direito de rejeitar pena alternativa
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidiu que é legítimo o pedido de um trabalhador rural, condenado por porte ilegal de arma, de não cumprir pena em liberdade. A Justiça de primeira instância estabeleceu que a pena restritiva de liberdade fosse substituída pela restritiva de direitos (prestação de serviços e pagamento de multa), mas o réu pediu para continuar detido. A alegação foi a de que prestar serviços e multa em lugar da prisão não o ajudaria, pois seria incompatível com sua rotina de trabalho e com sua situação financeira.
Diante de recomendação da Procuradoria Geral de Justiça, a turma julgadora do TJ-MG determinou que o trabalhador não será preso, mas ficará por dois anos sob o regime de sursis especial, isto é, sua pena ficará suspensa pelo fato de ele não representar perigo para a sociedade e devido a circunstâncias jurídicas favoráveis.
Em geral, a restrição de direitos é considerada mais benéfica para o preso, mas a suspensão condicional da pena é prevista pelo Código Penal. Por meio desse procedimento, o réu fica obrigado a comparecer perante o juiz de Execução Penal e obedecer às suas condições pelo tempo estipulado na sentença. Ao final deste período, se ele tiver observado corretamente o que foi determinado, a punição é extinta. A medida pode ser revogada caso o réu deixe de obedecer a todas as determinações da sentença.
Histórico O acusado, um cortador de cana de 29 anos de Itaipé, no Vale do Jequitinhonha, foi preso em novembro de 2005 com uma faca peixeira e uma espingarda de fabricação caseira. Ele é acusado de ameaçar de morte um comerciante da região, depois que ambos tiveram um desentendimento.
Testemunhas afirmam ter visto o lavrador rondando a casa do comerciante. Este, assustado, chamou a Polícia, que prendeu o trabalhador rural em flagrante.
Segundo informações dos policiais, o trabalhador rural, que é semianalfabeto, não reagiu à prisão nem ao comando de entregar as armas que trazia consigo. No dia 30 de novembro de 2005, o Ministério Público de Minas Gerais ofereceu denúncia contra o lavrador, mas recomendou que ele respondesse em liberdade, já que não tinha antecedentes criminais e possuía residência fixa e conhecida. Segundo o parecer do MPE, “a soltura do acusado não acarretava risco para a sociedade nem para a instrução criminal”.
Dois anos depois, a juíza da Vara Única da comarca de Novo Cruzeiro, Andreya Alcântara Ferreira Chaves, determinou que o réu cumprisse pena de dois anos de reclusão em regime fechado e 10 dias multa. Considerando as circunstâncias atenuantes, substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito: multa no valor de um salário mínimo em favor de entidade a ser definida na fase de execução e prestação de serviços à comunidade, à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação.
ApelaçãoO trabalhador rural decidiu recorrer da decisão. Ele alegou que não tinha como pagar o montante exigido e que, caso o fizesse, comprometeria o sustento de sua família, pela qual é responsável. Afirmou, ainda, que não poderia deixar seu trabalho para prestar serviços em outras localidades e solicitou a manutenção da sentença inicial. “Ficar uma hora por dia por conta de atividades em locais distantes é totalmente contramão”, finalizou.
Na segunda instância, acatou-se o pedido do réu e a decisão foi reformada. “A pretensão recursal merece acolhida. Ninguém melhor que o réu sabe se a substituição de sua pena de reclusão é o ideal para ele”, considerou o relator do processo, desembargador Adilson Lamounier. “Neste caso, nem a prisão é necessária, nem a pura substituição por penas restritivas de direitos é adequada”, concluiu.
Acompanhando o relator, os desembargadores da 5ª Câmara Criminal do TJ-MG, Alexandre Victor de Carvalho e Maria Celeste Porto, acolheram o pedido, suspendendo a pena privativa de liberdade. Com informações da Assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
O Direito Penal é mesmo fascinante.
4 comentários:
Eu, como total analfabeta em questões de Direito, fico pensando na situação da vítima, aquela que chamou a polícia. Como não oferece perigo à sociedade, uma pessoa que ficou rondando a casa de outra, para matá-la? Eu não me sentiria segura sabendo que, alguém que friamente ficou na espreita para me matar, está por aí. Mas tbm, o crime não ocorreu. Difícil a situação. Fiquei com dó da vítima...
Ana MIranda.
Então...a justiça se ocupou de um caso por quatro anos, concluiu que o cara era culpado, mas, como ele preferiu ser preso(como mandava a sentença aternativamente)ele não terá qualquer punição?
aí a pena teve qual caráter? disciplinar? simplesmente Punitivo? opa, perdão! acho que não houve pena!!
Será que daí em diante ele não vai mais andar armado ou ameaçar alguém?
O que eu acho fascinante não é o direito penal, mas as decisões dos operadores dele...
Meus caros, talvez por já estar muito acostumado às mumunhas do Direito Penal, não fiquei impactado com a notícia. Só um pouco surpreso com o seu caráter inusitado - de fato, mas não exatamente nos termos da lei.
Para saciar as curiosidades apresentadas, precisaríamos de uma conversa mais longa. Por isso, sintetizo a questão nos seguintes pontos:
1. Apesar da suspeita de que poderia matar um desafeto, ele não tentou matar ninguém, efetivamente. Por isso, foi acusado apenas de porte ilegal de arma, que analisado isoladamente não constitui conduta de maior gravidade.
2. Em Direito Penal, a responsabilidade deriva da conduta, ou seja, do que o sujeito efetivamente fez, não do que ele poderia ter feito. Especulações não autorizam punições. Só Estados totalitários fazem isso, oficialmente.
3. Outra coisa que precisa ser entendida é que prisão não é a única punição! Isso é um erro entranhado no imaginário geral. Mas é perfeitamente possível que uma pessoa possa ser reprimida por meio do que chamamos "penas em meio aberto", onde entram as penas restritivas de direitos e a suspensão condicional da pena, p. ex.
4. Vocês parecem não ter dado atenção a algo muito importante na notícia: o sujeito se rendeu, colaborou com o processo, confessou, aceitou tudo o que o Estado quis fazer com ele. Por isso foi considerado que não oferece perigo à sociedade. E deve ser tratado pelo Estado de modo proporcional.
5. Ponderem, ainda, que é um indivíduo humilde, de pouca instrução. Ele agiu ao nível de seu desenvolvimento sociocultural. Não queiramos ser mais realistas que o rei.
Podemos conversar sobre outros aspectos, mas muito em síntese este seria o começo da conversa.
1-"porte ilegal de arma, que analisado isoladamente não constitui conduta de maior gravidade."
a sentença em 1º grau já não
levava isso em conta?:
"circunstâncias atenuantes, substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito..."
2-"a responsabilidade deriva da conduta..."
O porte ilegal já não pareceu suficientemente evidente?
3-"...prisão não é a única punição..."
Já não se havia fixado uma pena alternativa? e outra: a prisão pena deve ser dada na conveniência de cada autor? sim, pois, é sabido que prisão não reforma nimguém e sob este estandarte a todos os réus primarios que admitissem o crime de porte ilegal de ama no interior da Paraíba, por exemplo,(já que estamos falando de costume local-a peixeira lá é patrimônio cultural) seria estendido tal benefício.
4- quanto a proporcianalidade do estado para com a conduta do réu, acho que está diretamente relacionado ao que comentei no item "4".
5-"Ele agiu ao nível de seu desenvolvimento sociocultural..."
Será que este agricultor é de tal forma desconhecedor da lei, ou distante de seu alcance, para se chegar ao ponto de considerar o porte de arma de fogo justificável?
acho que aí esbarra também na historinha das peixeiras na cintura dos paraibanos...
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