sábado, 31 de maio de 2008

Soletrando 2008

Acabou, há poucos minutos, a edição de 2008 do quadro Soletrando, do Caldeirão do Huck. E o vencedor tinha a minha preferência, já que Éder Carlos é um mineirim pobre, do Vale do Jequitinhonha, a região mais miserável de Minas Gerais. E ainda tinha a particularidade de só ter começado a estudar aos 8 anos de idade, tendo que caminhar 5 quilômetros para chegar à escola. É mais um desses exemplos de superação, que merecem o nosso apreço e o nosso respeito.
Além disso, ele ganhou por puro merecimento, soletrando com exatidão uma palavra que deixou em pé os poucos cabelos que me restam: psicroestesia. A definição é tão cruel quanto a palavra: situação em que uma parte do corpo está quente, mas parece estar fria. Quem pensaria em algo assim? Fica dificílimo fazer relações que ajudem a soletrar o vocábulo. O meu querido Dicionário Houaiss aqui a define como "sensação de frio". Pesquisando informações sobre a palavra, acabei de descobrir que sou um psicrófilo: tenho preferência por ambientes com temperaturas baixas — muito diferente do calor infernal que faz nesta tarde. Vivendo e aprendendo.
Já escrevi outras vezes, aqui no blog, sobre como considero o Soletrando uma iniciativa fantástica da TV brasileira (e é a mesma Rede Globo...), por valorizar a Língua Portuguesa, essa maltratadíssima flor do Lácio, em um de seus aspectos mais essenciais: saber escrever. Como amante do idioma, que se esforça por utilizá-lo de modo sempre escorreito, e como professor, obrigado a conviver com assassinatos impiedosos ao vernáculo, louvo a iniciativa, que deveria ser copiada pelas demais emissoras. Curiosamente, nenhuma o fez. Claro, não se copia o que é bom e útil.
Já estou na expectativa da versão 2009. Especialmente por considerar que, a cada ano, o nível vai subir. Mas isso não é a melhor parte. O melhor é que, sonhando em chegar ao programa, muitos estudantes vão estudar Português desde hoje. E isso, sim, pode fazer a diferença. Oxalá.

Acréscimo noturno:
Olhando os comentários de leitores Brasil afora, na página da Globo, vemos entusiasmadas homenagens ao vencedor. E vemos, também, a realidade do país: "tragetória", "disafio" e "torsida" são algumas das pérolas escritas para homenagear o campeão brasileiro de soletração...

Show de desinformação

A Rede Globo odeia a legislação penal brasileira. Considera-a muito branda e procura fazer toda a nossa população pensar da mesma forma. Como há boas razões para acreditar na alegação, fica fácil angariar simpatias para ela. O problema é fazê-lo com base na desinformação.
Ontem à noite, o Jornal Nacional exibiu matéria relacionada ao crime de homicídio. Começa daí: reduzindo a criminalidade ao seu aspecto mais gritante, que é o da criminalidade violenta e que está longe de ser o único.
A reportagem afirmou expressamente que um acusado de homicídio, se confessar, será sempre condenado a seis anos de prisão, em regime semiaberto. Mentira. Não é erro, não: é mentira, mesmo. Má fé. Vamos lá:

1) 6 anos é a pena mínima do homicídio simples. Se o crime for qualificado, a pena mínima pula para 12 anos, mas isso foi sumariamente omitido.

2) Embora a lei preveja a confissão espontânea como atenuante obrigatória, não existe nenhuma relação entre ela e a imposição de pena mínima. Como o cálculo da pena se opera em três fases, pode ser que na primeira — a chamada pena-base — o réu receba o máximo e sobre este valor incida a atenuante relativa à confissão. Por conseguinte, mesmo réu confesso, ao menos em tese, poderia ser condenado a quase 20 anos de reclusão (homicídio simples) ou quase 30 (qualificado).

3) O cálculo da pena é um processo complexo, que envolve diversos referenciais. Alguns deles são muito mais importantes que a confissão, p. ex. a reincidência. Não há o menor respaldo legal para o que foi afirmado.

4) A definição do regime penitenciário tem mais a ver com a análise dos mesmos fatores que determinam o montante da pena do que com o valor final da mesma. Uma pessoa condenada a 6 anos de reclusão pode ser mandada para o regime fechado, sim, se o juiz entender que as características do caso concreto recomendam isso. Aliás, a lei permite o regime fechado até no caso de penas menores, dependendo de fatores particulares, o mais importante deles a reincidência ou a natureza hedionda do delito.

A reportagem também dá a entender que progressão de regime é uma situação que coloca o preso em liberdade. Mentira. Progressão significa passar de um regime penitenciário para outro, mais brando. Quem está no fechado passa para o semiaberto e permanece recolhido a uma instituição penitenciária, sem direito a sair dela, somente por isso. Medidas como as saídas temporárias têm mais a ver com o comportamento do apenado do que com o regime no qual está inserido. Ao menos em tese, um condenado em regime fechado pode receber autorização de saída, e um no semiaberto, não. O mérito é pessoal.
Também constitui má fé não dizer ao público, nem de longe, em que realmente consiste a progressão e para que ela existe. Sem essas informações, ninguém está apto a formar opinião sobre o assunto.
Em suma, a reportagem foi um lixo. Mas a cobertura que a Globo dá aos temas penais sempre abusa das omissões, das informações técnicas incorretas, do excesso de dramaticidade e por aí vai. Não me parece que isso tenha a ver com Q de qualidade.
Horas depois, o Jornal da Globo exibiu a última reportagem da série sobre o sistema penitenciário, destacando as experiências que dão certo, os presos que dão mostras reais de recuperação. Sinceramente, nem parecia a mesma emissora. Ponto para o Jornal da Globo.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Mais uma contra os partos cesarianos

Partos cesarianos aumentam o risco de morte do bebê nos partos subsequentes. É o que afirma o médico Luís Fernando Correia, que também é apresentador de TV (programa Saúde em foco, da CBN). Entenda o motivo da relação clicando aqui.

Interessados

Concluído o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510, contra o art. 5º da Lei de Biossegurança, fiquei lendo as matérias decorrentes. A maior parte tem um ar um tanto quanto ufanista quanto às pesquisas científicas (coisas na linha "vitória da ciência"). Isso tem levado representantes da comunidade científica a alertar que nenhum milagre ocorrerá da noite para o dia e que anos serão necessários, até que alguma pesquisa ofereça resultados concretos, a benefício da saúde humana.
Isso mostra, porém, que a imprensa em geral — excetuando as empresas de propriedade de segmentos religiosos — estava ansiosa pelo resultado favorável às pesquisas.
De repente, fixei minha atenção nas partes envolvidas na ADI em questão. São elas: como autora, a Procuradoria Geral da República (isto porque, como já mencionado anteriormente, o ex-procurador geral era militante católico e usou o cargo para forçar o país a engolir as doutrinas de sua preferência). Como réus, o Presidente da República, que sancionou a lei guerreada, e o Congresso Nacional, que a aprovara. Estas partes são as naturalmente legítimas, na espécie. Os próximos nomes são agentes acidentais, que ingressaram na lide na condição de interessados. Quem são eles?
  • Instituições de defesa dos direitos humanos: Conectas Direitos Humanos, Centro de Direitos Humanos - CDH e Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (ANIS), esta última se declarando destinada a promover "a pesquisa e o ensino da ética e da bioética".
  • Instituições de cunho religioso: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil — CNBB e Movimento em Prol da Vida — Movitae (para esta última, não encontrei nenhum endereço eletrônico válido).
Perguntar não ofende: dentre os opositores das pesquisas com células-tronco, existe alguém que não aja movido por motivação religiosa?
Se não houver, como parece não haver, isso diz muito sobre os objetivos das pessoas, em sua vida em sociedade.

O inferno do brasileiro

No dia em que o Presidente Lula está em Belém, aqui onde estou, tão pertinho do Hangar, cumpri o meu dever cívico de pagar mais uma quota do imposto de renda. Poucas coisas me deixam babando de ódio tanto como pagar imposto. E, para aumentar a minha agonia, junto com o imposto, paguei o meu plano de saúde. Não pude deixar de pensar que pagar uma coisa deveria isentar-me de pagar a outra. E nem precisaria ser num mundo perfeito, não. Um país um pouquinho mais justo já resolveria.
Perdoem-me, sei que estou falando bobagem. É que sempre acabo um tanto transtornado em dias como hoje. Mas esse é o nosso ônus. Pelo menos enquanto não soubermos exigir, de nossos governantes, que nos governem pensando em nós.

Ainda mais agilidade para o processo penal

Enquanto aguardamos notícias do projeto de lei que mudou o rito do tribunal do júri, tornando-o mais célere — e que agora está com o Poder Executivo, na fase de sanção ou veto, com uma informação oficiosa de que será sancionado na íntegra , a Câmara dos Deputados aprovou ontem o Projeto de Lei 4207, de 2001, que também altera o Código de Processo Penal, desta feita para simplificar o rito processual das ações penais que não são submetidas ao tribunal do júri. O próximo passo é o encaminhamento à sanção presidencial.
Hoje, após o interrogatório do réu, abrem-se três dias de prazo para oferecimento de defesa prévia. Depois disso, marca-se uma audiência para ouvir as testemunhas de acusação e, por fim, outra data para as de defesa. A mudança mais significativa, neste momento, é a criação da audiência única. O réu e as testemunhas seriam ouvidas numa só oportunidade.
Esta simples medida faria toda a diferença. Afinal, a maior causa de ordem prática para a perenização dos processos é, justamente, o excesso de audiências. E basta um ou outro problema para que sejam canceladas, impondo a necessidade de nova data e de repetição de uma série de formalidades burocráticas, para a validade do ato. O ganho de tempo ocorreria em efeito cascata: não apenas pelo simples fato de haver menos audiências, mas também porque, quanto menor o número delas, menor a necessidade de ofícios, mandados, publicações, diligências de oficial de justiça, etc. Os serventuários terão mais tempo para outras tarefas, estas sim capazes de agilizar os processos. Os custos também serão reduzidos. Um dos melhores impactos, sem dúvida, será a menor necessidade de movimentar réus presos, do local em que se encontram recolhidos para o fórum, sempre motivo de grandes preocupações.
O PL 4207 traz outras mudanças importantes e capazes de causar polêmica, dentre elas a possibilidade de impor penalidade ao advogado que abandonar a defesa sem justificativa apresentada em tempo hábil. Aguarde-se provável manifestação da OAB — contrária, claro.
Em outra oportunidade comentarei o teor do projeto. Mas a conjuntura, para os país, é altamente favorável. É como dizia Cecília Meirelles: "até as pedras, com o tempo, mudam".

Doeu

O reitor Alex Fiúza de Mello está convicto de que o Ministério Público Federal é adepto do adágio popular “Faça o que eu digo, não faça o que faço”. Questionado sobre decisão judicial que suspendeu concurso da UFPA, por ação do MPF, ele ironizou: “Apenas seguimos as normas do próprio MPF, que tem reiteradamente vetado, de maneira expressa, a concessão de isenção de taxa de inscrição em seus concursos públicos. Procedemos de maneira idêntica por acharmos que o MPF era referência de legalidade”. (Repórter Diário, hoje)

Tenho a impressão de que não será fácil, para o MPF, responder a isto. Se, por um lado, o público dos concursos do MPF é bem diferente do público da UFPA (se considerarmos, pelo menos, a carreira-fim), também é verdade que nem todos os bachareis em Direito que tentam esses concursos podem pagar as sempre elevadas taxas de inscrição sem se impor alguma privação.
Além do mais, legalidade é legalidade. Não importa a instituição. Quer dizer: não deveria importar.

Acréscimo:
O 5ª Emenda recebeu do MPF e publicou uma louvável resposta, acerca do mesmo assunto, por sinal usando argumentos semelhantes aos de nossa comentarista Rita Helena. Clique aqui para ler.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Manchete de duplo sentido

Convenhamos, o redator estava muito mal intencionado quando deu a notícia nestes termos, não acha?

Exemplo — especialmente para os acadêmicos de Direito


Esta moça da fotografia se chama Flávia Cristiane Fuga e Silva, tem 26 anos, cursou Direito no tempo regulamentar e acabou de ser aprovada no Exame de Ordem, em São Paulo, certame que teve 84,1% de reprovação, dentre 17.871 inscritos.
A situação não seria nada além de corriqueira se Flávia não fosse portadora de paralisia cerebral e precisasse superar intensas limitações físicas para realizar tarefas simples. Ela depende de cadeira de rodas, tem dificuldades para articular a fala e sua deficiência motora lhe impede, p. ex., de segurar uma caneta. Para chegar onde chegou, os métodos de trabalho e avaliação precisaram ser adaptados, sem que isso represente, contudo, qualquer redução no mérito da moça. Se obteve o título de bacharela em Direito e, agora, a inscrição como advogada, foi porque estudou, na medida de suas necessidades. Trata-se, portanto, de uma condição conquistada por merecimento.
As pessoas normalmente apreciam histórias de superação. Para além de qualquer pieguice, histórias como essa abrem nossos olhos para o que realmente importa; servem para nos mostrar que somos mais capazes do que pensamos. Mostra, outrossim, que nossos feitos não reclamam poderes sobrenaturais: basta responsabilidade e dedicação.
Gostaria que os estudantes em geral pensassem em Flávia, quando não se sentem seguros para fazer uma prova. Quando priorizam os pequenos prazeres do cotidiano, em detrimento de suas obrigações. Quando falam de seus muitos e enormes problemas, na hora de reivindicar mundos e fundos.
É sempre a velha história: a vida é um estabelecimento de prioridades. Flávia nos ajuda a perceber isso. Parabéns à nova advogada paulista e a sua família.

Não lhe devo satisfações!

Um amigo meu, que se separou de forma consensual e manteve vínculos de amizade com a ex-esposa (com direito, até, a aconselhamento quanto a namoradas), a despeito da dignidade com que se deu todo o processo, mesmo assim me disse: divórcio é um inferno. Sempre há muito sofrimento envolvido.
Sendo muito difícil lidar com o fim de uma relação tão íntima, é frequente que as partes tenham certa dificuldade em aceitar que ex não deve satisfação alguma. E, verdade seja dita, os homens são bem piores para entender isso. Aí tudo pode virar pretexto para cobranças, que o mais das vezes são apenas expressão dos ressentimentos, das mágoas não resolvidas do casal. Das querelas que subsistem com o término da relação, uma das mais delicadas é a que envolve dinheiro. Tendo atuado, como advogado, em uma boa quantidade de separações e divórcios, sei que o ex-marido, com frequência, quer ser informado acerca do destino dado à pensão paga em favor dos filhos.
Os argumentos têm lá o seu quê de justiça. Afinal, o valor da pensão deve ser inteiramente empregado em proveito dos filhos do casal. Todavia, só quem gerencia a casa pode saber quanto do dinheiro deve ser empregado em alimentação, vestuário, educação, lazer e despesas extraordinárias. Lembro-me de um caso em que o sujeito reclamou que a ex-mulher "gastava demais com presentes". Verificamos, depois, que os tais presentes eram lembrancinhas de aniversário para os colegas de escola da criança. Algo de somenos, claro, mas que ajudava a criança a se sentir integrada ao seu grupo de convivência mais próximo. Olhando por esse lado, as lembrancinhas ganhavam importância.
O fato é que muitos homens exigem contas de suas ex-companheiras, inclusive como forma de manter poder sobre elas — o famigerado poder econômico. Mas é melhor não contar muito com o Judiciário para isso. A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acabou de confirmar decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, negando que tal prestação de contas possa ser exigida judicialmente. Segundo a turma, acompanhando o voto da relatora, Min. Nancy Andrighi, "aquele que paga pensão alimentícia não detém interesse processual para propor ação de prestação de contas contra a mãe da criança". Ou seja, dinheiro dado, assunto encerrado. E, convenhamos, melhor que seja assim.
A despeito disso, pobres crianças. Se o pai não puder inventar briga por causa de dinheiro, usará o expediente mais tradicional de todos: usará os filhos.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

E neste momento

Lotado o plenário do Supremo Tribunal Federal, onde o Ministro Carlos Alberto Direito lê, há mais de duas horas, o seu voto no julgamento da ADI contra a Lei de Biossegurança. Depois dele, votam mais oito ministros: Cármen Lúcia Antunes Rocha, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Marco Aurélio, Celso de Mello e o presidente, ministro Gilmar Mendes.
Já correu a notícia oficiosa de que não haverá outro pedido de vistas, de modo que a expectativa é pela conclusão do julgamento nesta quarta-feira. Entre os próprios ministros, especula-se que a ADI será derrubada por 6 x 5 ou 7 x 4, liberando a ciência brasileira para pesquisas com células-tronco.
Sem dúvida, hoje é um dia muito importante para o país.

No máximo, um traço

No segundo dia da greve dos rodoviários, vi os primeiros ônibus na rua. Dois, para ser mais exato. E estavam tão vazios que me ficou a dúvida acerca de estarem circulando normalmente. Como a obrigação do sindicato é colocar 40% da frota em circulação, dois ônibus, ou dez, ou vinte soam a deboche.
Em compensação, a quantidade de vans se movimentando em ritmo frenético até me impressionou. Não pensei que houvesse tantas. Deve ter gente vindo de outras cidades faturar um trocado por estas bandas.
Enquanto isso, o discurso dominante é o do valor das tarifas, sempre irreal, sempre a ponto de quebrar as empresas. Escuto isso desde criança. Curiosamente, essas empresas nunca quebram. Deve ser por isso que a própria imprensa trata com ironia o chororô dos empresários, como vi hoje no jornal matinal da Record.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Previsível desobediência

Dois desembargadores do trabalho — Vicente Fonseca e Vanja Mendonça — concederam em tempo hábil liminares para determinar que 40% da frota de ônibus de Belém operassem durante a greve. Foi cominada multa de 10 mil reais em caso de descumprimento. Como era de se esperar, face aos antecedentes, o sindicato ignorou solenemente a ordem. Passou o dia de hoje e nenhum ônibus circulou. Nenhum. Se você viu algum, por favor me corrija, mas eu estive na rua logo cedo, toda a tarde e parte da noite. Passei por vários bairros. Ao longo de horas e horas, não vislumbrei o menor sinal de ônibus.
É sempre assim: o Judiciário pode determinar o que quiser, mas os rodoviários só fazem o que bem entendem. E nunca obedecem. E, mesmo diante da desobediência, nunca acontece nada. Impunes, reforçam-se para continuar agindo como bem entendem. Vale lembrar que o Sindicato dos Rodoviários é um dos mais organizados da cidade; tem um imenso poder de mobilização. A categoria sabe que a cidade fica à sua mercê e sabe explorar isso. Temos incontáveis exemplos de verdadeiros pandemônios que provocou, inclusive para resolver suas picuinhas internas. A bem da verdade, os rodoviários sentem prazer na transgressão; para eles, é uma delícia enfrentar a todos e vencer a quebra de braço. Esse é um comportamento perigoso, que precisa ser coibido.
Eu teria cominado multa maior, em caso de desobediência. Mas, acima de tudo, teria determinado a prisão dos infratores. Acima de tudo, porém, a questão é que não se promete o que não se pode cumprir. Se o Judiciário disse que a transgressão de sua ordem teria conseqüências, então que elas venham. A jato. Do contrário, prepare-se para mais um dia infernal.

Em tempo: Junto com os rodoviários, os agentes de trânsito também sumiram. Só os vi nos locais mais óbvios, p. ex. nos pontos onde foram instalados aqueles ridículos picolés e na Pedro Álvares Cabral, por causa das obras do binário. De resto, nada. E olha que o trânsito difícil pedia.

De novo, as células-tronco

Células embrionárias
STF deve concluir julgamento sobre pesquisas na quartapor Maria Fernanda Erdelyi

A expectativa para a próxima quarta-feira (28/5) é a de que nenhum novo pedido de vista interrompa a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias. O julgamento foi iniciado em março e logo suspenso por pedido de vista do ministro Menezes Direito.
Na ocasião, a interrupção do julgamento foi criticada pela então presidente da Corte, ministra Ellen Gracie. Ela ressaltou o tempo que a ação já aguardava julgamento — três anos — e a fila de outros processos que esperam posição dos ministros no plenário. O presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, marcou o início da sessão extraordinariamente para as 8h30, para que haja tempo hábil para concluir a discussão.
O pedido de vista de Menezes Direito era esperado. Católico fervoroso, o ministro deve votar contra o uso de células-tronco embrionárias nas pesquisas. Para marcar sua posição e fundamentá-la com elementos técnicos que apoiem suas convicções, ele pediu vista dos autos. Desde então, seu gabinete foi mobilizado por este caso. O ministro leu uma série de livros e consultou diversos técnicos, o que não foge ao seu perfil de estudar profundamente até esgotar o tema. Contudo, seu voto — que promete ser completo e rebater cada ponto discutido no voto do relator — não deve influenciar muitos colegas.
Há expectativa de que a constitucionalidade das pesquisas seja reconhecida pela maioria dos ministros. O relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3.510), Carlos Britto, entendeu que não há qualquer empecilho de ordem jurídica para o uso de células-tronco embrionárias nas pesquisas. Ele foi acompanhado pela ministra Ellen Gracie, que decidiu antecipar o voto. O decano da Corte, ministro Celso de Mello, não votou formalmente, mas sinalizou posição também favorável com comentários e elogios ao voto do relator. Oito ministros ainda precisam votar.
A ADI em julgamento foi proposta há três anos pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles e contesta o artigo 5º da Lei de Biossegurança, que regulamentou a pesquisa com as células-tronco embrionárias.
Todos os ministros do STF receberam na tarde desta segunda-feira (26/5) documento do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) favorável às pesquisas com células-tronco embrionárias. O instituto foi admitido como amicus curie na ação. “O documento poderá sensibilizar os ministros e ajudá-los a fundamentar seus votos”, disse a advogada da entidade, Gabriela Rollemberg.
Até um dia antes da retomada do julgamento os ministros podem receber este tipo de material. O estudo demonstra uma tendência internacional favorável à autorização das pesquisas. O documento reúne as leis e as normas de 25 países, dos quais apenas um, a Itália, proíbe pesquisas com células-tronco embrionárias. Os cinco continentes estão representados no documento.
O estudo — Pesquisa com células-tronco embrionárias: 25 países — foi financiado pelo Ministério da Saúde e elaborado por uma equipe coordenada pela pesquisadora Débora Diniz. Segundo a advogada do instituto, “o Brasil está seguindo o contexto internacional, uma tendência mundial de permissão das pesquisas”.
Revista Consultor Jurídico, 27 de maio de 2008


Vale lembrar que, nesse julgamento, não está em jogo "somente" a realização ou não de pesquisas científicas com células-tronco. Está em jogo o próprio conceito de vida, sobre o qual se manifestou expressamente o relator, rejeitando a clássica definição baseada na fecundação. Trata-se de uma mudança que, se confirmada, trará efeitos poderosos sobre outras questões, inclusive abortamento e uso de contraceptivos, particularmente a pílula do dia-seguinte.
O dia de amanhã promete.

Atualização às 21h23:
O julgamento foi além do expediente. Somente amanhã, a partir das 14 horas, os trabalhos serão retomados, para a manifestação dos três últimos ministros. Por ora, o placar está 4 x 4.

Fruta nacional

LEI N. 11.675, DE 19 DE MAIO DE 2008
(publicada no Diário Oficial da União de 20.5.2008)

Designa o cupuaçu fruta nacional.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:


Art. 1º O cupuaçu, fruto do cupuaçuzeiro (Theobroma grandiflorum), é designado fruta nacional.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 19 de maio de 2008; 187º da Independência e 120º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Reinhold Stephanes

O cupuaçu, agora, é uma fruta nacional. Por força de lei.
Ah.
Legal.

(...)
Alguém pode me explicar para que serve isso?

Acréscimo:
Um gentilíssimo comentarista acaba de me informar que a medida "serve para manter patenteado o nome da fruta". Agradecendo a fidalguia com que se expressa, tenho entretanto que lembrar que patentes destinam-se a invenções, produtos do engenho humano caracterizados pelo requisito da novidade absoluta. Destinam-se, também, a melhoramentos em engenhos ou tecnologias já conhecidas, os chamados modelos de utilidade.
Apesar de não estudar o assunto há tempos, sei que um nome não pode ser objeto de patente, e sim de marca. Portanto, corrigindo o lapso do gentil-homem informante, a lei em tela deve ter por objetivo a proteção do nome cupuaçu, prevenindo que espertalhões estrangeiros tentem registrar a marca.
Lembro ao lorde, ainda, que o cupuaçu, assim como o açaí, já sofreram tal ação de vagabundos estrangeiros, gerando medidas do governo brasileiro perante os organismos internacionais competentes. A questão não é tão singela, porque uma lei é expressão da soberania do país, mas vigora dentro do território nacional. Países estrangeiros não são obrigados ao seu cumprimento, a menos que o façam em respeito às normas de boa convivência internacional. É exatamente daí que surgem os conflitos de interesses, que podem se tornar incidentes diplomáticos.

Resgate de peixe-boi

Fui cativado por esta fotografia aí embaixo (créditos para Alexandre Fonseca/Em Tempo/AE):

Reparem na expressão serena da fêmea de peixe-boi, um filhote de 15 quilos, resgatada com ferimentos no Município amazonense de Careiro. Reparem a serenidade do animal. Parece um desenho de Maurício de Souza, que retrata os animais, em seus quadrinhos, com enorme doçura. Mas é uma imagem real.
Naturalmente, não me darei ao desfrute de atribuir sentimentos humanos ao animal. Ela não está grata nem nada assim. Está apenas entregue a uma situação que não depende de sua limitadíssima vontade de peixe-boi. Mas, felizmente, é uma situação favorável ao espécime, sendo de se destacar o valor da preocupação que muitos seres humanos têm, espontaneamente, com a preservação da fauna e da flora. O homem amazônida tem muito destacada essa característica de se importar com os seres vivos. Pergunto-me se o desmatamento seria alguma coisa menor se o nosso Estado não fosse dominado por empresários e fazendeiros vindos de outros pontos do Brasil, sem qualquer ligação histórica, familiar, social ou emocional com a nossa região.
Existem três espécies de peixe-boi: o africano (encontrado no Atlântico, preferindo águas doces costeiras ao continente africano), o marinho (ao longo das Américas) e o da Amazônia (bacias dos rios Amazonas e Orinoco). Por toda parte, estão ameaçados de extinção, em parte pelo temperamento extremamente dócil. São seres em geral solitários e com baixa taxa de fecundidade. E são belos, chegando a viver 50 anos.
PS — Uma dica para a redação de um certo jornal que, há alguns meses, publicou que o pirarucu é um mamífero: o peixe-boi, de fato, é um mamífero. Pode publicar.

A guerra nossa de todo dia

Há coisas que nunca mudam. Pode ter certeza: é só haver um feriado prolongado e, nos dias seguintes, a imprensa falará sobre a enorme quantidade de acidentes de trânsito, com muitas vítimas, inclusive fatais. Acabamos de passar pelo feriado de Corpus Christi e o que vemos é mais do mesmo. As tragédias do feriadão se somam às das baladas de final de semana e os corpos vão sendo empilhados. Não vão para a conta do Papa. Vão, provavelmente, para a conta das cervejarias — aquelas cuja publicidade não prejudica ninguém —, em faturas jamais pagas.
No Rio de Janeiro, madrugada dessas, quatro jovens morreram em desastre urbano. Vinham da balada. O carro era um Audi, revelando o provável poder aquisitivo do grupo e a espécie de lazer da última noite: boates famosas, música eletrônica e muita bebida. Sensibilizou-me ver o depoimento da irmã de uma das vítimas. Dizia que se falava tanto para ninguém beber e dirigir, mas as pessoas o faziam e ali estava o resultado.
Para variar, o problema é bem mais complexo do que isso. Não se trata de uma simples relação entre as inconsequências da juventude e o alcoolismo tolerado. A coisa começa bem antes, durante o processo de habilitação dos novos motoristas.
As auto-escolas, com preocupações precipuamente financeiras, limitam-se a ensinar o aluno a movimentar o veículo e o fazem a decorar as regras de circulação de que precisará para passar na prova do DETRAN. Não há um foco para a proteção da vida, do próprio condutor ou de terceiros. Ensina-se apenas aquilo que, no mais raso dos utilitarismos, favorecerá a aprovação. Em vez disso, a escola deveria fazer o que toda escola deveria fazer: ensinar com senso ético, fazendo o aluno entender a seriedade do ato de dirigir. Mas a escola que fizesse isso teria custos adicionais, ao mesmo tempo em que perderia alunos. O cidadão comum não quer ser incomodado com essas bobagens éticas.
As provas do DETRAN também se destinam a medir habilidades menores (mover o veículo é a parte mais fácil do processo de dirigir) e a capacidade de memorização de regras, placas e outros que tais. Jamais são elaboradas com vistas a aferir se o candidato a motorista compreende as responsabilidades que lhe são exigidas. A Escola de Trânsito viria a minorar esses problemas, mas duvido de sua eficácia. Aliás, conheço uns tantos que compraram o certificado das aulas de direção defensiva. Renovaram a habilitação sem jamais ter passado por essas aulas. E alguns comentam com ódio a palhaçada que é exigirem isso deles.
Aliás, o DETRAN não é exatamente o melhor espaço para se criar uma cultura de cidadania. Chafurdado em velhas práticas, sempre estimula o gosto pelo jeitinho.
Se quisermos, podemos ir mais longe. Antes do DETRAN e do processo de habilitação, podemos encontrar famílias ensinando seus filhos adolescentes (e até crianças!) a dirigir. Se ensinam, criam neles a expectativa de usar o carro. E emprestam o carro! Claro, só uma voltinha no quarteirão, só uma ida à casa de um amigo ou da namoradinha. Que que tem? Que que tem?
Se a própria família ensina o moleque que não há mal nenhum em violar a lei, em ser sub-reptício, em fomentar situações perigosas, como esperar desse jovem que, mais tarde, ele tome alguma iniciativa de responsabilidade?
O mais triste é que a guerra do trânsito — a expressão é dramática, porém verdadeira — não atinge apenas os soldados dos exércitos em confronto. Ela é quase sempre a guerra das vítimas civis. Dos que morrem nas calçadas, aguardando um transporte; dos que são atropelados pelas costas, sem sequer saber o que os atingiu; das crianças vitimadas enquanto brincavam; das pessoas atingidas nas portas de suas casas, às vezes dentro de suas casas, alcançadas por veículos que atravessaram uma parede!
Concordo com o enrijecimento das leis de trânsito, inclusive criminais. Este é um setor para o qual a medida vale a pena. Mas, é óbvio, justamente para ele a sociedade não vai querer leis mais duras. Porque raras são as pessoas que não desejam tornar-se condutoras de veículos. E uma vez atrás do volante ou em cima de uma moto, querem toda a liberdade do mundo. E você que saia da frente.

domingo, 25 de maio de 2008

Portar drogas: crime ou não? (3ª parte)

Continuação. Leia as duas postagens anteriores.


O precedente do Judiciário paulista, citado na reportagem, embora questionável quanto às suas consequências, a meu ver aplica o Direito Penal com bastante lucidez. Ao reconhecer que o usuário de drogas não invade a esfera dos direitos de terceiros, prejudicando apenas a si mesmo; e ao colocar na conta de especulação, como de fato é, a passagem da condição de portador para a de traficante, declara inconstitucional o art. 28 da Lei n. 11.343. Ausente o tipo penal, não existe crime. Tecnicamente, a decisão é irrepreensível.
Trata-se de uma declaração incidental de inconstitucionalidade, que só vale para as partes do processo em que foi proferida. Mas pode e deve chegar ao âmbito do Supremo Tribunal Federal, que pode entender que seja o caso de declarar a inconstitucionalidade definitivamente, levando à perda da eficácia da norma. Situação semelhante ao que ocorreu com a vedação à progressão de regime, para crimes hediondos, que foi declarada em caráter definitivo por ocasião do julgamento de um habeas corpus, tendo redundado em comunicação ao Congresso Nacional, acerca do desaparecimento jurídico da norma atacada.
O fato de o porte de drogas não constituir crime — seja lá porque formas se chegue a isso — coloca a sociedade brasileira diante de uma grave questão. Criminalizam-se condutas na expectativa de dissuadir as pessoas de cometê-las. Mas toda a História mostra que tal expectativa sempre foi ingênua e frustrada. Será que essa nova situação provocaria algum incremento no consumo de drogas? Em princípio, creio que sim. Mas apenas em relação àquelas pessoas que, curiosas quanto a experimentar drogas, até aqui se contiveram, por medo das consequências legais. Quem não experimenta por medo de se viciar não ficará, creio, mais ou menos tentado por causa de uma mudança legal.
O desafio é maior na medida em que se sabe que as boates nossas de todo final de semana — aquelas mesmas frequentadas por expressiva parcela de nossa juventude, em todo o país — são palco aberto para o consumo de drogas, das lícitas às mais ilícitas. E nada se faz a esse respeito. Seja em termos de vigilância e repressão, seja quanto ao mais importante: orientação, desde a família. Mas aqui um novo sinal de alerta se acende: como pedir ao filho que não se drogue, depois de ter passado a vida tomando cerveja na frente dele? Sei que são drogas distintas. Mas negar que os fatos têm relação não é ingenuidade: é burrice, mesmo.
Quanto à entrevista de Maria Lúcia Karam, ela é carioca demais para mim e eu sou careta, quadrado e over demais para ela. Ela defende a descriminalização do porte e do comércio de toda e qualquer droga. Considera infantis as críticas usualmente feitas quanto aos riscos de expor a sociedade a essa liberalidade toda. Como não tenho a mesma experiência que ela, não me disponho, agora, a debater prós e contras. Só acho que a tática Rede Globo não vai funcionar: mostrar a Holanda só no que tem de belo, de sofisticado e de florido. Assim como na novela Páginas da vida houve o cuidado de não mostrar os points de Amsterdã onde a turma se droga dentro da lei, mas rola pelos cantos tão chapados quanto os ilegais, também não vai dar certo ficar no discurso de você-é-infantil-e-ultrapassado, negando que substâncias entorpecentes comprometem a saúde, o desenvolvimento e o futuro das pessoas. Dos que se drogam e dos que gravitam ao seu redor.

Portar drogas: crime ou não? (2ª parte)

Continuação da postagem anterior. Leia antes aí embaixo.


A Lei n. 11.343, de 2006, continuou definindo como delito a conduta de "adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar" (art. 28), mas foi inovadora ao não estabelecer, como resposta, uma pena de prisão, sequer de multa. Em vez disso, adotou uma modalidade de pena restritiva de direitos (prestação de serviços à comunidade), que originalmente só poderia ser aplicada em substituição à pena de prisão, respeitados certos requisitos, além de instituir, como sanção criminal, a advertência sobre os efeitos das drogas e a medida sócio-educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
É patente a intenção educativa do legislador. A advertência sempre foi rechaçada como pena criminal, por excessiva brandura. E a advertência aqui não é um dedo na cara de quem fez coisa errada. Ela se destina a esclarecer o agente sobre os "efeitos das drogas", ou seja, a intenção não é, ao menos precipuamente, recriminar o indivíduo por um mau passo, e sim orientá-lo sobre os perigos que corre.
Quanto à frequência a programa ou curso educativo, a intenção do legislador fica evidente na própria expressão empregada: em vez de pena, medida socioeducativa, a mesma usada no Estatuto da Criança e do Adolescente. A finalidade protetiva avulta, sufragando a ideia sempre lembrada de que o viciado precisa de tratamento e assistência, não de cadeia.
Assim que a Lei 11.343 foi sancionada, alguns juristas chegaram a dizer que o porte de drogas fora descriminalizado, mas sob um argumento formal. É que a Lei de Introdução ao Código Penal determina que "considera-se infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa" (art. 1º). E como o art. 28 não prevê nenhuma dessas espécies de pena, o crime teria desaparecido, implicitamente. Raciocínio excessivamente formal e a meu ver tosco, porque o aludido art. 28 está previsto num capítulo chamado "Dos crimes e das penas". Assim, formalismo por formalismo, crime é o que a lei considera como tal. E se não previu penas de reclusão, detenção ou multa, nem por isso se pode negar a existência de crime, já que lei posterior revoga a anterior.
Agora, volta-se a falar na descriminalização do porte de drogas, mas sob uma alegação bem mais relevante.

Portar drogas: crime ou não?

Em duas matérias, hoje — a primeira, reportando um julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo; a segunda, uma entrevista com a criminalista Maria Lúcia Karam —, o Diário do Pará traz à baila o tema da descriminalização do porte de entorpecentes para uso próprio.
Há muitos anos que setores abolicionistas pretendem que o uso de drogas não seja assunto para o Direito Penal. Tenho cá as minhas dúvidas pessoais quanto aos seus propósitos. O fato, contudo, é que um argumento de peso estava a seu favor: o usuário de drogas, em tese, só prejudica a si mesmo.
Quanto mais avança a teoria do crime, mais o Direito Penal passa a observar princípios, comandos superiores de forte conotação ética, que devem presidir a elaboração das leis. Um desses princípios é o da lesividade (ou ofensividade) e, segundo ele, é vedado ao Estado-legislador criminalizar condutas que não representem danos, ou ao menos perigo relevante, a direitos de terceiros. Cientes disso, muitos juristas têm sustentado que a criminalização do porte ou da posse de droga — atenção, senhores, o uso de droga, ao contrário do que se pensa, já não era crime — se justificava pela potencialidade concreta de dano para terceiros: favorecia o acesso por terceiros e fortalecia o tráfico.
Áridos debates foram travados durante décadas, mas o brasileiro é complicado: foi preciso surgir uma nova lei para que, de repente, a conversa requentada ganhasse ares de novidade, fosse rediscutida e oferecesse soluções diferentes.
Até bem pouco tempo atrás, vigorava a Lei n. 6.368, de 1976 — antiga e considerada ultrapassada. Ao longo dos anos 1990, uma nova regulamentação foi discutida e acabou se tornando a Lei n. 10.409, de 2002 — uma experiência legislativa desastrada. Ela deveria ter revogado a lei de 1976, mas sofreu vetos justamente no capítulo que definia os crimes. Ficamos, assim, com dois diplomas em vigor e a certeza de que as coisas iam mal dessa forma. Os debates recomeçaram, para se produzir uma terceira lei, capaz de sanar as imperfeições anteriores. E foi assim que chegamos à vigente Lei n. 11.343, de 2006.
Durante toda a discussão sobre a lei que deveríamos ter, um tema aparecia: o porte de drogas deveria ou não ser criminalizado? No confronto entre os que, fundados na segurança social, defendiam a manutenção do tipo penal, e os que, invocando argumentos de saúde pública, redução da pressão sobre o sistema penal e maior adequação à realidade, pugnavam pela abolição do delito, venceu uma posição intermediária: o crime continua, mas desaparece a pena de prisão.

sábado, 24 de maio de 2008

Notícias da 30ª semana

Os amigos que não estão exatamente por perto sempre nos cobram notícias de nossa Júlia. O blog acaba sendo uma boa forma de deixá-los a par da gravidez e, hoje, com direito a uma imagem, capturada durante exame em quatro dimensões.

Fizemos ontem a ultrassonografia. Na oportunidade, Júlia estava com 30 semanas e 2 dois dias, 1.545 gramas e 38 centímetros. Todas as medições que o médico precisava fazer, referentes a este estágio do desenvolvimento fetal, estavam normais, demonstrando que a gestação prossegue, como sempre foi, bastante saudável, graças a Deus. Evidentemente, isso nos traz grandes alegrias e nos prepara da melhor forma possível para a etapa final que começa.

Muito obrigado a todas as pessoas que, pessoalmente, por via virtual ou outras formas de comunicação têm sido gentis conosco, durante esta experiência única.


Olha aí a minha carinha. Papai ficou chateado porque nunca tiro o braço da frente do rosto! Quem sabe na próxima...

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Sempre os motociclistas

Acabei de me livrar de uma boa. Entrando na Av. Pedro Miranda, no sentido Umarizal-Marco, decidi seguir pela pista do meio. Nesse momento, um motociclista — sempre eles! — cruzando as pistas ilegalmente, passou por cima dos canteiros e avançou sobre meu carro. Minha sorte foi tê-lo avistado, do contrário poderia tê-lo colhido em cheio. Reduzi e buzinei com força, mas não podia ir além disso. Ele, felizmente, também reduziu, o que impediu que eu batesse e que ele atingisse a minha porta. Ainda assim, bateu com a roda dianteira na minha lateral.
Não caiu, não sofreu nada. Entrou na pista direita da Pedro Miranda e seguiu bem devagar, esperando que eu me afastasse. Baixei o vidro e lhe gritei para encostar. Ocorre que só havia um acesso à pista externa mais adiante e ele aproveitou isso para sumir. Claro, como bom calhorda que é.
Crero crer que ele percebeu o tamanho da idiotice que fez e o perigo que correu. Isso não o fará melhorar com terceiros, mas quem sabe pensar na própria vida.
No final, também tive a minha sorte: nenhum dano aparente no automóvel. O susto também não foi grande, considerando minha esposa grávida ao meu lado.
A propósito, era um mototaxista. Vestindo verde. Tome cuidado, se for usar meio de transporte.

Outra hora, quando puder, passo para dar notícias da ultrassonografia pré-natal feita hoje. Bom dia para todos.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Sons desta noite

(Now it's dark)
Into the night
I cry out
I cry out your name
Into the night
I search out
I search out our love
Night so dark
Where are you?
Come back in my heart
So dark
So dark
Into the night
Shadows fall
Shadows fall so blue
I cry out
I cry out for you
Night so dark
Where are you?
Come back in my heart
So dark
So dark
So dark

Hora de ir para a cama e uma súbita vontade de postar. Mas que assunto poderia surgir e ser refletido numa hora como esta? Pus-me a escutar os sons da noite e a única coisa que me veio à mente foi a canção Into the night, composta por Angelo Badalamenti para a trilha sonora da série Twin Peaks, de David Lynch, sucesso no já distante ano de 1990. Nos vocais, a esquisita Julee Cruise e sua voz suspirosa, que embalava os olhares entre o sinistro e o apaixonado de James e Donna.
E Laura Palmer estava morta.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

O que merece atenção

Ele não tem a bunda mais bonita do país, não dança funk em velocidade 5, não lançou nenhum hit na Bahia, não marcou nenhum gol, não pegou travesti na rua, não contou na TV detalhes sobre sua vida sexual, não desfilou em 38 escolas de samba nem nada assim.

Ele se chama Antonio Candido de Mello e Souza, tem 89 anos, é sociólogo, ensaísta, crítico literário e professor universitário, tem vários livros publicados e acabou de ser agraciado com o Prêmio Juca Pato de Intelectual do Ano de 2007. Isso sim merece ser notícia. Isso sim dá orgulho ao Brasil.
Eis aí a notícia.

Sobre grandes erros e feridas abertas

Em dezembro de 2006, fiz uma série de postagens sobre erros judiciários ou afins no Brasil. Uma delas versava sobre o caso da Escola de Educação Infantil "Base", ocorrido em 1994, que se transformou na maior nódoa da história da imprensa brasileira. Aliás, nódoa é pouco. As marcas deixadas foram tantas que, hoje, bem ou mal, os jornalistas que esperam se dar ao respeito tentam conter maiores arroubos, como se viu no caso Isabella Nardoni — a imprensa criou todo um circo midiático para a condenação sumária do pai e da madrasta, mas de viva voz não se dizia que eram culpados. As reportagens eram uma sucessão de eufemismos.
Ontem à noite, um trio de dedicados alunos fez uma exposição, em sala de aula, sobre o crime de calúnia, tomando como referência, a meu pedido, o caso da Escola "Base". Dou-lhe os nomes: Délcio Fernandes, Tâmisa Rodrigues e Tayla Guilhon. Durante uma semana, procuraram-me algumas vezes, pedindo orientação para a montagem do trabalho. Esforçaram-se, de fato. Conseguiram inclusive localizar e adquirir um documentário sobre o caso, que exibiram à turma, para reforçar a exposição oral que fizeram, muito elegantemente, auxiliados pela apresentação no data show.
Há alunos que fazem trabalhos porque disseram que fariam. Outros fazem porque têm a consciência de que isso tem valor — para si próprios, para a turma, para o professor. Louvo a responsabilidade, o comprometimento, a inteligência e a educação da tríade acima. Não é a primeira vez que saio assim satisfeito e certamente não será a última.
É muito bom concluir uma tarefa sabendo que a turma teve todas as condições de compreender aprofundadamente o tema do dia.

Habeas mendacitate

Meu cerébro ainda estava dando o boot esta manhã quando me perguntaram como poderia a Justiça conceder um habeas corpus para que uma pessoa pudesse mentir. Logo percebi que isso era mais um exemplo de criatividade da imprensa brasileira. Dito e feito.
A origem do questionamento foi matéria exibida pela TV Globo agora de manhã, durante o Bom Dia Brasil, na qual a reportagem afirmou que José Aparecido Nunes Pires (ex-secretário de controle interno da Casa Civil da Presidência da República, acusado de vazar o famoso dossiê sobre os gastos do ex-presidente FHC) compareceu perante a CPI dos cartões corporativos protegido por um habeas corpus que dava a ele o direito de mentir na CPI, se quisesse. O texto em questão pode ser confirmado na edição escrita online do telejornal.
Naturalmente, o Poder Judiciário não determina que ninguém fale verdades ou mentiras, apenas cumpre as normas que impõem consequências para esses atos. E jamais autorizaria alguém a mentir sobre fatos de interesse público, porque não lhe compete autorizar o que é moralmente reprovável.
Segundo a Constituição de 1988, a função de um habeas corpus é proteger quem sofra ou se ache ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (art. 5º, LXVIII). Foi pedido pelo interessado porque os membros de CPI, neste país, têm um respeitável histórico de arbitrariedades. Olhou para o lado, eles mandam prender por desacato e outros disparates. Afinal, são motivados não pela busca séria da verdade dos fatos, mas sim pelo interesse de criar ou explorar fatos políticos em benefício próprio, de seus partidos ou grupos outros. Aliás, muitos deles deveriam estar na cadeia e não no Congresso, posando de otoridades e dando vazão a um depravado e histérico manejo de poderes judiciais.
Quem é convocado por uma CPI e tem o que temer (isto não significa ser culpado, ok?), pede habeas corpus, porque os malucos da CPI podem prendê-lo inclusive por achar que mentiu, coisa que um juiz não faria, porque a lei assegura ao acusado o direito de mentir, para se defender. Assegura também o direito de calar, sem que isso possa ser interpretado como desacato.
O fato é que o Judiciário concedeu o remédio heroico preventivo em favor de José Aparecido para resguardá-lo de uma eventual arbitrariedade. O que ele fará com o salvo conduto já é problema dele. Mentir é sua escolha. Penso que seria dever da imprensa esclarecer isso ao público, para não induzir as pessoas a acreditar que os juízes, agora, estão generalizada e deliberadamente acobertando safadezas.

terça-feira, 20 de maio de 2008

50.085 e 1.500

Respondendo aos comentários deixados por algumas das gentis pessoas que prestigiam este blog, meu olho de repente bateu no marcador do SiteMeter e lá estava a ultrapassagem dos 50.000 acessos. Fiquei muito satisfeito, claro, ainda mais porque nas últimas semanas não tenho podido postar com a mesma atenção de antes, o que certamente reduz o interesse dos leitores, os quais comparecem atrás de coisas novas.
O número redondinho chega junto com a postagem de número 1.500 (esta é a 1.501), o que me leva a lhes confessar uma de minhas manias: tenho uma certa fascinação por números. Nada que me conduza a lidar com Matemática ou afins, mas desde criança tenho uma certa compulsão por associar números a... qualquer coisa. Associo placas de carros a pedaços de números telefônicos de minha agenda, endereços a datas significativas, etc. Coisa de maluco, admito. Naturalmente, a associação mais comum envolve datas.
Desde que passei da postagem 1.000, comecei a fazer relações com datas. Vejo o número e as relações pululam na mente. Por exemplo: a postagem 1.492 me fez pensar no descobrimento da América e no filme do Ridley Scott, do qual gosto muito. A postagem 1.500 me remete, naturalmente, à descoberta do Brasil. Quanto mais perto dos 1.900 estivermos, mais agitada a cabeça ficará. Mas não se preocupem: já faço terapia. Além do mais, esse tipo de coisa é inócua. É de se esperar, contudo, que doravante comecem a surgir postagens associadas a anos.
Agradeço a paciência de todas as pessoas que, de boa fé, ajudaram-me a chegar a esses simpáticos números. Espero que ainda possamos falar coisas muito sérias e bobagens bem agradáveis por aqui.

Fica decretado que os pais amem seus filhos

Esqueça o maravilhoso poema Os Estatutos do Homem, de Thiago de Mello. A questão aqui é judiciária e legislativa.
Um jovem ingressou em juízo com uma ação contra o pai, pedindo indenização por abandono afetivo (há notícias de outros processos com semelhante finalidade). Frustrada a pretensão em primeira instância, mas acolhida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que determinou o pagamento de 44 mil reais a título de indenização, o caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça, que rejeitou a pretensão do autor.
O Ministro César Asfor Rocha disse que questões ligadas ao Direito de Família devem ser tratadas com base em seus princípios próprios e não naqueles relacionados ao Direito das Obrigações. Segundo ele, "por mais sofrida que tenha sido a dor suportada pelo filho, por mais reprovável que possa ser o abandono praticado pelo pai (...), a repercussão que o pai possa vir a sofrer, na área do Direito Civil, no campo material, há de ser unicamente referente a alimentos; e, no campo extrapatrimonial, a destituição do pátrio poder (...). Não posso, até repudio essa tentativa, querer quantificar o preço do amor".
O relator do recurso, Ministro Fernando Gonçalves, sustentou que "é preciso levar em conta que, muitas vezes, aquele que fica com a guarda isolada da criança transfere a ela os sentimentos de ódio e vingança nutridos contra o ex-companheiro, sem olvidar ainda a questão de que a indenização pode não atender exatamente o sofrimento do menor, mas também a ambição financeira daquele que foi preterido no relacionamento amoroso." E prossegue: "O pai, após condenado a indenizar o filho por não lhe ter atendido às necessidades de afeto, encontrará ambiente para reconstruir o relacionamento ou, ao contrário, se verá definitivamente afastado daquele pela barreira erguida durante o processo litigioso?"
Ao final, o relator negou a indenização citando até um comovente conto. Vale a pena ler os votos dos ministros, a que você tem acesso no sítio do STJ, fazendo consulta ao processo REsp 757411.
O caso não é novo: foi julgado em 2006. Mas o assunto volta à tona, agora, graças ao Projeto de Lei n. 700/07, proposto pelo deputado federal Marcelo Crivella (PRB-RJ). O iluminado parlamentar, contrariando as sucessivas manifestações judiciais negando a tal indenização, resolveu punir o desamor paterno... com até seis meses de cadeia!
Não há muito o que dizer sobre essa ideia ridícula. Há tipos penais difíceis de caracterizar na prática e esse seria um antológico, pela dificuldade, senão impossibilidade, de aferir se o pai teve dolo de abandonar e de causar danos emocionais sobre o filho.
Enfim, não há muito o que dizer quando a ideia é cretina. A questão da indenização rende um bom debate, mas a criminal...

Em âmbito nacional

A Prefeitura de Belém e o indivíduo que supostamente a titulariza ganharam repercussão nacional. Obviamente, obviamente, o motivo tinha que ser ruim: trata-se da condenação de ambos pela Justiça Eleitoral, face à propaganda em proveito próprio que o malsinado mandou realizar. A decisão é da juíza Eva do Amaral Coelho, que compõe a Comissão de Propaganda do Tribunal Regional Eleitoral do Pará, ao acolher representação eleitoral, com pedido liminar, formulada pelo Ministério Público. Cabe recurso, claro. Mas você já deve ter visto os outdoors parcialmente encobertos, por toda parte.
Uma coisa não pode ser negada: nunca antes o Município de Belém foi tão freguês do Poder Judiciário como a partir de 2005.
Quanto ao sedizente, que dispensa apresentações, adoraria vê-lo em cadeia nacional.

O avesso da manchete


A expressão "de ponta-cabeça" não deve significar nada para o responsável pelas manchetes do Portal G1 desta manhã, quando fui surpreendido com a chamadinha aí ao lado.
O mais interessante é que ao invés de "do avesso", como se escuta mais comumente, a expressão utilizada foi "ao avesso", mais elegante, dando-me por um segundo a impressão de que era isso mesmo que a mensagem queria dizer. Tentei imaginar o que provocaria um fato inusitado desses. Mas aí reparei na fotografia e percebi que, no final das contas, tudo não passa da boa e velha falta de reflexão sobre aquilo que se diz ou escreve.
Felizmente, clicando no link, você fica sabendo que "Um avião monomotor Cessna virou de cabine para baixo após sofrer um acidente no aeroporto de Villeneuve, no Canadá".
Já que o Xingatório da Imprensa não atualiza as suas postagens com regularidade, vou eu mesmo fazendo as minhas.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Tolices sem sentido

Já me chega a primeira reclamação sobre o Exame de Ordem, realizado ontem. Nada quanto ao conteúdo, mas quanto a um aspecto secundário que, no entanto, tem o poder de atrapalhar — e muito.
Candidata que realizou a prova disse que era obrigatório usar caneta preta. Ok, sabemos que tem a ver com o equipamento que fará a leitura dos cartões-resposta e que não "enxerga" todas as cores. Explicado. Mas essa tecnologia já podia ter sido melhorada, não? Isto, contudo, também é secundário. O mais significativo é a medida tomada para coibir colas: a caneta precisa ter o cano transparente, a fim de impedir que alguém coloque algum papelzinho dentro.
A candidata em questão acabou de me mostrar a caneta que levou: é transparente, mas tem duas finas faixas de plástico, dos dois lados. Entre elas, tudo é transparente, a maior parte da superfície. Portanto, interpretando a norma teleologicamente, poderia ser usada, porque dava para ver o seu interior. Mas a responsável pela sala proibiu o seu uso, porque a caneta deveria ser totalmente trasparente.
Esse é o típico exemplo da norma burra, que serve para irritar, mas não atende a nenhuma finalidade útil. Na prática, faz o candidato perder tempo e o deixa nervoso, prejudicando seu desempenho.
Se o problema não for exatamente da norma, é de sua execução e, nesse caso, a fiscal de sala não estava preparada para a tarefa assumida. As consequências práticas são as mesmas. Em uma hipótese como em outra, a culpa é da organização do evento, o famigerado CESPE/UnB.
Naturalmente, quando os opositores do exame foram fazer suas críticas, levarão em conta
essas baboseiras, compreensivelmente, desviando o debate do que realmente importa. Uma organização mais eficiente e menos turrona ajudaria a compor um ambiente mais favorável para a realização de uma prova que, vale lembrar, tem efeitos sérios sobre a vida de muitas pessoas.

domingo, 18 de maio de 2008

Cerveja... mas quem toma?

Mais uma excelente sacada do Maurício Ricardo, aqui.
O marcador é "Humor", mas só daria para rir se não fosse verdadeiro e trágico.

Veja-se em mim

Em 1994, Caetano Veloso lançou o delicioso CD Fina estampa, no qual gravou grandes exemplares da música latinoamericana. Uma das faixas mais belas chama-se Vete de mí, da Argentina, composta por Virgilio Expósito e Homero Expósito em 1958, que ouvi esta manhã, despertando-me a vontade de lhes dedicar, neste domingo, as doces palavras:

Tú, que llenas todo de alegría y juventud
Que ves fantasmas en la noche de trasluz
Y oyes el canto perfumado del azul
Vete de mí


No te detengas a mirar
Las ramas muertas del rosal
Que se marchitan sin dar flor
Mira el paisaje del amor
Que es la razón para soñar y amar


Yo, que ya he luchado contra toda la maldad
Tengo las manos tan desechas de apretar
Que ni te puedo sujetar
Vete de mí


Seré en tu vida lo mejor
De la neblina del ayer
Cuando me llegues a olvidar
Como es mejor el verso aquel
Que podemos recordar!

Não me convide

Cumprindo sua função de mimar os empresário, Mauro Bonna noticia hoje, em sua coluna de negócios, que a construtora Gafisa executará simultaneamente as quatro torres de seu empreendimento Parc Paradiso — modelo importado de São Paulo, caracterizado por quartos minúsculos, farta área de lazer no condomínio e nada menos do que quatro apartamentos por andar, o que lhe vale o apelido de "favelão".
Informa o jonalista que a empresa manterá quatro bate-estacas funcionando no local. Não sei se ele espera que batamos palmas para o grande empreendimento. O que sei é da minha piedade em relação aos moradores próximos. Há dois edifícios bem na esquina, cujos moradores viverão meses de inferno. Conheço pessoas que moravam ao lado de obras (uma torre só) e queriam arrancar os cabelos com o bate-bate, o dia inteiro.
Evidentemente, na hora de elaborar o projeto e de lienciá-lo, ninguém pensou nisso. Alguém pagará a conta. Minha solidariedade.

Finesse ao tucupi

Sexta-feira, 17 de maio. Após uma cansativa semana de trabalho, que só terminou após as dez da noite, menos de dez horas antes de retomar o batente de novo, decidi ter um momento para espairecer, relaxar e me re-energizar, em companhia de minha esposa — grávida, como todos sabem. Decidimos jantar e, para ter maior certeza de sossego, escolhemos o restaurante La Vie en Rose — um pouco mais francês e um pouco mais caro. Lá não teríamos a algazarra insuportável dos restaurantes italianos.
Ledo engano.
Tivemos a infelicidade de escolher um péssimo dia. Sentamo-nos na nossa mesinha para dois, junto a uma coluna. Bem ao nosso lado, uma mesa grande, onde despontava um dos mais famosos empresários da cidade. Rico, ostentador — a julgar pelos carros na frente do prédio — e celebridade graças à própria empresa (deduzam de quem se trata), acompanhado de staff habitual, onde se inclui um muito conhecido ex-vereador.
Meus amigos, vocês não imaginam como gritavam os homens da mesa! As mulheres, todas com os cabelos muito bem escovados, até se comportavam dignamente, mas as homens... Gritavam, levantavam-se, simulavam as histórias que contavam, empurravam-se, puxavam a camisa do outro e falavam palavrão. Sim, até um sonoro "filho da puta", de preencher todo o ambiente, rolou por lá. Se eu contasse o fato fora de contexto, vocês suporiam que eu descrevo o recreio de uma escola primária. Mas muito pelo contrário.
Pensamos muito em ir embora, mas resolvemos ficar, porque os pratos escolhidos valiam a pena. E valeram! Estavam perfeitos. Mas não conseguíamos sequer conversar, embora sentados frente a frente, separados por uma mesa de uns 50, 60 centímetros.
Em uma mesa menor estava um casal, conhecido da gangue a que me refiro. A fulana acendeu um cigarro. Naquele espaço pequeno e refrigerado, onde se lida com alimentos. Depois acendeu outro. Merece os termos que seus amigos diziam na outra mesa. Quem fuma perto de um não fumante merece ser tratado nesses termos. Registramos nossa reclamação junto ao maître, apenas para marcar posição.
Quem éramos nós, senão dois professores universitários assalariados, ousando jantar num restaurante requintado? Se reclamássemos de tudo que estava errado, eu ainda correria o risco de ser agarrado por seguranças e surrado. Quiçá até minha esposa grávida.
Esses são os ricos de Belém do Pará: finos e elegantes. Mas tomados por uma brutal arrogância quando minimamente contrariados.
Definitivamente, não estávamos em nosso ambiente. Daí que avisamos ao maître: tão cedo não voltaremos.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Quem diria...



Podem me acusar de mania de perseguição, mas eu, como muitos, realmente acredito que a grande imprensa nacional somente se lembra do Pará quando quer destacar aspectos negativos.
Qual não foi a minha surpresa, portanto, quando acessei o Portal G1, agora há pouco, e me deparei com duas notícias em destaque, na página principal: a primeira, sobre um enorme casamento comunitário viabilizado pelo governo do Estado, hoje, aqui em Belém, e a outra sobre o pedido de remissão em favor da famosa adolescente de Ananindeua, de que falei hoje de manhã.
Duas notícias. E apesar de não se dizer nada de elogioso, não se fez nenhuma crítica contra nós. Já é um progresso. Não estou acostumado.

Reações ao "pacote de segurança"

Sob novo código
Criminalistas divergem sobre mudanças no processo penal

por Priscyla Costa

As mudanças nas regras do Código Penal e de Processo Penal aprovadas nesta quarta-feira (14/5) pela Câmara dos Deputados dividem os advogados criminalistas. Enquanto uns comemoram os avanços, ainda que tímidos, outros duvidam da efetividade das novas regras. Algumas delas, prestes a entrar em vigor.
Ao todo, a Câmara aprovou oito projetos de lei sobre segurança pública e efetividade do Poder Judiciário em matéria penal. Dos oito projetos, apenas dois seguem para sanção presidencial: o que modifica o funcionamento do Tribunal do Júri e o que aperfeiçoa as exigências legais quanto às provas apresentadas no processo penal. As outras seis propostas seguem para o Senado porque sofreram modificações.
O PL 4.203/01, que muda as regras do Tribunal do Júri, acabou com a figura do “protesto por novo júri” para os condenados a mais de 20 anos de prisão e prevê que o julgamento só será remarcado em casos excepcionais (doença comprovada, por exemplo). Também permite que a sessão seja feito mesmo que o réu, estando solto, deixe de comparecer ao júri.
O projeto ainda determina que os jurados respondam a apenas três quesitos quando forem decidir pela condenação ou não do acusado — se existe crime (materialidade), se existe autoria e se o réu é culpado ou inocente —, abrindo possibilidade para mais duas perguntas a respeito das qualificadoras e atenuantes.
A proposta, depois da sanção presidencial, entra em vigor 60 dias após a publicação no Diário Oficial da União, foi elogiada por advogados criminalistas. Para Flávia Rahal, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, a alteração dos quesitos é a parte mais fundamental dessa reforma. “Temos um avanço significativo já que são as perguntas feitas pelo juiz aos jurados que, na maioria das vezes, causam nulidades. Ainda não temos a reforma que imaginávamos, mas caminhamos bem.”
A eliminação do protesto por novo júri também foi bem vista. “O que tínhamos era um resquício do legislador de 1940, que imaginava que 20 anos era uma pena muito alta”, explica o criminalista Sergei Cobra Arbex. “Não é porque o réu foi condenado a 20 anos de prisão que seu júri deve ser refeito. O que tem de ser levado em consideração é se a pena é justa, independentemente do tempo”, afirma.
Arbex, que é presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB paulista e atua como assistente de acusação do caso de Antônio Marcos Pimenta Neves (jornalista condenado por matar a ex-namorada), afirma que o projeto só perde por tirar das perguntas feitas aos jurados o quesito da violenta emoção. “Isso me preocupa porque a figura da ‘violenta emoção’ derruba a pena em um patamar bem inferior. Tirar esse argumento pode prejudicar a defesa”, acredita Arbex.
O criminalista Luiz Fernando Pacheco afirma que eliminar o protesto automático por novo Júri é “um retrocesso”. “O Tribunal do Júri é formado por pessoas leigas. Quando a pena é pesada e grave, me parece salutar e desejável que seja reexaminada por outros jurados. Essa mudança não contribuiu para melhorar o sistema”, defende.
“O que temos são projetos que vêm para fazer funcionar e agilizar o processo penal, mas não dá para ter certeza da efetividade deles. O grande problema da morosidade do Judiciário é a carência de recursos materiais e humanos. Não acredito que modificando regras do Tribunal do Júri seja possível fazer com que a Justiça funcione com mais efetividade. A lei, em si, nem precisaria ser modificada. A questão é de administração”, defende Pacheco.
A outra proposta que segue para sanção é o PL 4.205/2001. O Plenário aprovou oito das dez emendas do Senado ao projeto, que muda o Código de Processo Penal para aperfeiçoar as exigências legais quanto às provas apresentadas nos processos. Uma das mudanças acatadas determina o envio antecipado de dúvidas que possam ser requeridas dos peritos durante o andamento do processo judicial. “A mudança é positiva, mas precisamos avançar para mudar todo o procedimento do Júri e não partes, isoladamente”, observa Flávia Rahal.


Para o Senado
Segue para o Senado o Projeto de Lei 4.850/05, que propõe várias alterações no Código Penal e na Lei de Crimes Hediondos para tipificar crimes sexuais ou aumentar a pena para crimes já previstos. O texto muda, por exemplo, artigos do Código Penal em relação a crimes como estupro, tráfico de pessoas, prostituição e outras formas de exploração sexual.
Também será analisado pelos senadores o PL 1.288/07, que estabelece o uso de pulseira ou tornozeleira com chip para rastreamento eletrônico dos presos em regime aberto. “Essa é uma questão controvertida. A impressão é que o projeto serve apenas para desafogar o sistema penitenciário, que está falido. O que o Executivo não poderá esquecer é que o preso terá de decidir se quer se submeter a isso ou não. O uso não poderá ser obrigatório”, afirma Luiz Fernando Pacheco.
Os deputados tipificaram o crime de seqüestro-relâmpago (PL 4.025/04), mas como houve mudança no texto do projeto, ele volta ao Senado. O texto atribui penas mais rigorosas para a extorsão se for cometida com restrição da liberdade da vítima, ou se resultar em lesão corporal grave ou em morte.
O Projeto de Lei 7.226/06, que permite a apreensão, o seqüestro e a indisponibilidade de bens de indiciados, é outra proposta que será analisada novamente. A proposta garante a extensão do seqüestro de bens imóveis do indiciado ou acusado aos bens que tenham sido registrados em nome de terceiros, ou que estejam misturados com o patrimônio legalmente constituído.
De acordo com o deputado federal Flávio Dino (PCdoB-MA), a proposta dá mais efetividade e agilidade para o Poder Judiciário, já que hoje o Código de Processo Penal impede determinadas situações de seqüestro de bens, o que, segundo ele, atrasa o andamento do processo. “A partir de agora isso deixa de ser um embaraço e agilizará a reparação de danos”, diz o deputado.
Ainda voltam para o Senado o PL 7.024/06, que cria punições para o uso de celulares em prisões, e o PL 938/07. Este determina que o juiz, ao fixar a pena-base, observe se o réu já cumpriu medida socioeducativa de internação quando era menor de 18 anos. “É como se o ato infracional passasse a contar como antecedente criminal”, explica Flávio Dino.
Foram retirados da pauta de votação três projetos: o PL 4.207/01, do Poder Executivo, que agiliza procedimentos do processo penal; o PL 678/03, que reduz a lista de categorias com direito à prisão especial; e o PL 2.356/07, que aumenta o tempo necessário de cumprimento de pena em regime mais rigoroso para o preso ter direito a progressão.


Vontade de prender
Na semana passada, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado aprovou projeto que dá às Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) o poder de requerer à Justiça prisão temporária de investigado. O Projeto de Lei 116/07, do deputado Neilton Mulim (PR-RJ), também modifica os prazos da prisão temporária, previstos na Lei 7.960/89.
A proposta foi aprovada na forma de substitutivo do relator, deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ). O substitutivo estabelece que a prisão temporária será de 10 dias, prorrogáveis por igual período, e não de cinco, como é hoje. O texto abre exceção para os crimes ditos hediondos, quando a prisão temporária pode ser de 30 dias (prorrogáveis).
O projeto original previa 60 dias de prisão para crimes cometidos por organizações criminosas, 30 dias para crimes hediondos e cinco dias para os demais casos, todos prorrogáveis. Biscaia optou por alterar a redação para torná-la igual ao de outra proposta aprovada na Comissão de Segurança Pública em abril passado (PL 124/03), que também altera os prazos da prisão temporária.
Atualmente, a prisão temporária só pode ser pedida pela Polícia e pelo Ministério Público. Não há uma lei explícita atribuindo às CPIs esse mesmo poder, o que tem levado a interpretações divergentes nos tribunais quando a comissão encaminha pedido de prisão. Com a inclusão da prerrogativa na legislação, o deputado Biscaia disse que o Congresso fortalece o papel das CPIs. Segundo o texto, a prisão só poderá ser pedida quando for imprescindível para as investigações da comissão. Além disso, o Ministério Público será ouvido antes da decisão do juiz.
O projeto será examinado pela Comissão de Constituição e Justiça. Se aprovado, segue para o Plenário. Além dessa proposta, a Câmara analisa outro projeto de Neilton Mulim (PL 58/07) que autoriza as CPIs a solicitarem à Justiça a prisão preventiva de investigados.
Revista Consultor Jurídico, 15 de maio de 2008

Acessando a página do Consultor Jurídico, você encontra links para três dos projetos mencionados na matéria.

A sanção legal e a sanção real

Quando um adolescente comete um fato definido em lei como crime ou contravenção — que no contexto é chamado de ato infracional —, pode ser submetido a um procedimento de investigação e, ao final, sofrer uma medida socioeducativa, que se diferencia da pena criminal porque enquanto esta é a princípio punitiva, aquela tem a finalidade que o nome enuncia: educar, (res)socializar. Isso, claro, na teoria. Durante esse procedimento, contudo, o adolescente infrator pode merecer a remissão, um perdão para sua falta (arts. 186, § 1º, e 188 do Estatuto da Criança e do Adolescente).
Baseado nessa norma legal, o promotor de justiça de Abaetetuba, Lauro Francisco da Silva Freitas Júnior, pediu ao juízo da Infância e Juventude daquela comarca que exclua do processo a menor L. — sim, a que esteve presa com 20 homens e foi sucessivas vezes estuprada. Alega o promotor que ela passou de infratora e vítima.
Claro que a tchurma da moralidade vai aparecer por aqui bostejando as suas asneiras e sandices de sempre (que serão ignoradas), mas tentemos ser isentos.

1. Não conheço as razões arguidas pelo promotor, mas suponho que se baseou em argumentos já bastante conhecidos da doutrina penal mais moderna, que podem ser sintetizados nos seguintes termos: fatos posteriores ao crime podem acometer o criminoso tão gravemente que tornem a pena criminal desnecessária. É o que ocorre com os linchamentos.

2. L. era acusada de vários furtos e respondia por pelo menos um. Isso faz a bancada da moralidade legitimar toda a violência sofrida, como se fosse seu merecimento. Mas vale lembrar que, para um adulto, a pena máxima de um furto simples é de 4 anos de reclusão. No caso de um adolescente, dentre as medidas socioeducativas previstas no art. 112 do ECA, as mais graves seriam afastadas, porque não se trata de fato de maior gravidade. Portanto, a pena real por ela sofrida — estupros sucessivos — é muito superior ao legalmente admitido neste país, até porque nossa Constituição veda penas corporais. Aliás, até a legislação de países muçulmanos tem mais lógica do que isso.

3. Não diria que o pedido do promotor tem apelo midiático. Os holofotes já se apagaram. Acredito que ele esteja apenas fazendo o seu papel — já que é fiscal da lei, que deve ser aplicada finalisticamente — e, como cidadão, dou-lhe os parabéns pela lucidez e serenidade. Espero que seus colegas de Parquet tenham o mesmo bom senso, quando necessário.

4. De modo algum se pode dizer que a sanção criminal — ou, como no caso, a medida socioeducativa —, por ser um procedimento legítimo do Estado, deve ser aplicada mesmo na premissa aqui abordada, sob a alegação de que a violência sofrida foi ilegal e criminosa, imputável aos seus específicos causadores. Afinal, a punição é exercida sobre a mesma pessoa. Se o Estado já falhou em preservar o acusado para sofrer a sanção legítima, coerente que suporte tais ônus.

A remissão pedida pelo promotor não constitui um favor a L., como forma de botar panos quentes na situação ou mimá-la, já que a atuação do MP foi questionada nesse episódio. Trata-se, isto sim, de uma medida que poderia ser aplicada, em tese, a qualquer outro caso. E sem maiores paixões deve ser entendido.

Ontem e hoje

A brincadeira é a seguinte: você escolhe uma fotografia de sua infância e tenta reproduzi-la, nas condições em que se encontra hoje. Por pura diversão. Foi o que pensou um norteamericano, tendo boa aceitação do público. Trata-se do Youngme — Nowme. Veja dois exemplos de fotografias que participaram do concurso, premiadas respectivamente em segundo e terceiro lugar (que são melhores do que a vencedora):





Clicando aqui, você fica sabendo mais detalhes do concurso e pode ver outras imagens, com direito a explicações de por que foram premiadas.
Vai tentar fazer a sua própria foto?

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Mudanças de grande repercussão no Direito e Processo Penal

Não estamos acostumados a ver o Congresso Nacional se empenhar no trabalho e fazê-lo em torno de questões realmente importantes para o país (e não para os próprios congressistas). O dia de ontem, portanto, foi bastante incomum. A Câmara dos Deputados decidiu mostrar serviço e aprovou nada menos que oito proposições relacionadas à segurança pública. Caso venham a se tornar leis, tais medidas mudarão drasticamente o cenário atual, pois novos tipos penais seriam criados, envolvendo fatos bastante corriqueiros sobretudo nas grandes cidades, e o tribunal do júri — a antiga e controvertida instituição popular da Justiça — passaria a funcionar sob novas regras, com mais rapidez. Por sinal, este projeto de lei foi o que recebeu mais destaque da imprensa comum, de olho no noticiário destes dias, com seus Bidas e Nardonis ocupando a pauta.
Clique aqui para saber quais foram as matérias que os deputados federais aprovaram ontem.
Só para dar uma ideia do que pode vir pela frente, o rito dos processos no tribunal do júri será drasticamente alterado, bastante simplificado, o que seria altamente positivo. Processos que hoje se arrastam ao longo de anos teriam que ser realizados em apenas 90 dias. Claro que juiz nenhum cumprirá esse prazo, pois que para isso já inventaram um tal de princípio da razoabilidade, que só serve para justificar a ineficiência do Estado. Mas se as gorduras excessivas da lei forem suprimidas, mesmo os advogados mais safardanas terão sérias dificuldades para embromar e os processos, de fato, demorarão menos. A simples redução do número de audiências para interrogatório do réu e oitiva de testemunhas fará toda a diferença porque, hoje, é justamente por causa dessas malditas audiências, que nunca terminam, que muitos processos vão se eternizando.
Um dos aspectos mais expressivos, porém, é a abolição do protesto por novo júri. Atualmente, basta que o réu seja condenado a pelo menos 20 anos de prisão, por um único crime, e tem direito ao protesto, que pode ser requerido sem quaisquer outros requisitos, ao contrário dos demais recursos, os quais precisam apontar em que medida a decisão é incorreta, sob pena de serem denegadou ou, até, de sequer serem admitidos.
Foi um protesto por novo júri que assegurou a Vitalmiro Bastos de Moura, o "Bida", sair inocentado do julgamento há poucos dias. Do julgamento anterior saíra condenado a 30 anos de reclusão. Se o protesto já tivesse sido abolido, a única chance do fazendeiro seria uma apelação, provando em que medida o veredito dos jurados fora incorreto e, por isso, merecedor de correção. Seria muito mais difícil, principalmente diante do princípio constitucional da soberania dos vereditos do júri.
Também foi um protesto por novo júri que colocou os assassinos dos irmãos Novelino de novo no banco dos réus. O resultado foi igualzinho. Se o protesto não existisse, poderíamos ter economizado tempo e dinheiro (que não é pouco), gastando-os em julgamentos diferentes, que hoje estão na fila de espera.
Se o protesto por novo júri, uma velharia que mais ninguém defende (a menos que tenha interesse pessoal ou profissional), for mesmo expungido de nosso ordenamento, celebridades criminais como Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá não terão a menor chance de se beneficiar dele. Se condenados pelo júri, só poderão recorrer alegando defeitos reais na decisão dos jurados.
Creio que, assim falando, mesmo os leigos podem entender o tamanho da mudança que está se operando no processo penal. E ainda tem gente que diz que o Brasil não muda.
Vou baixar os textos dos projetos de lei e, em outra oportunidade, falarei sobre eles.

Para onde foi a essência?

O TRT [da 8ª Região] decidiu que a prescrição de ofício, prevista no artigo 219, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil, é aplicável ao processo do trabalho. A decisão foi por maioria. O relator, Herbert Tadeu, foi vencido. A prolatora do acórdão foi a desembargadora Elizabeth Newman. A decisão, controvertida, indica que o juiz do Trabalho pode considerar uma reclamação prescrita mesmo antes de ouvir o reclamado ou, se ouvido, ele não alegar a prescrição. (Repórter 70, hoje)

Contrariando uma regra do processo civil, que lhe é subsidiário, o processo do trabalho sempre subordinou o reconhecimento da prescrição ao requerimento do reclamado. Era uma medida de proteção ao trabalhador, especialmente considerando que muitos dos direitos trabalhistas são de trato sucessivo. Assim, mesmo deferida a parcela, ela poderia ser limitada no tempo, mas não se por acaso o réu se esquecesse de pedir a prescrição.
Com o novo entendimento, os procedimentos típicos do processo civil — protetor da propriedade — invadem o processo do trabalho, que atende a princípios próprios. Para os trabalhadores, não é bom. Para os empresários e advogados esquecidos, é ótimo.
É o caso de perguntar: aquele mala sem alça que passou algumas vezes aqui pelo blog, para sustentar que o Direito do Trabalho é o que mais exprime a essência da alma humana [lágrimas em meus olhos] vai voltar, para defender o seu tutu?

Aos concurseiros

Citando precedentes da Corte, o relator da matéria, ministro Nilson Naves, reiterou que o novo entendimento jurídico adotado pelo tribunal determina que o candidato aprovado em concurso público dentro do número de vagas previstas em edital possui direito líquido e certo à nomeação e à posse. Até há pouco tempo, prevalecia o entendimento de que o candidato aprovado possuía mera expectativa de direito à nomeação, que deveria ser praticada por conveniência da Administração Pública.

Mais um precedente indicando a recente mudança de mentalidade do Superior Tribunal de Justiça: a tese consagrada de que candidato aprovado só tinha uma expectativa de direito à nomeação agoniza. Pelo menos se depender do STJ. Cada vez mais, a relação entre aprovação e número de vagas deve ser respeitada. Afinal, se uma instituição realiza um concurso público, deduz-se que é porque tem necessidade de pessoal - a menos que declare ostensivamente tratar-se de um concurso para formação de reserva técnica, coisa que, pessoalmente, considero inconveniente, pois quem faz o concurso tem expectativas reais. Quem passa, então, nem se fala.
Realizar concursos para nada atrapalha concretamente a vida dos candidatos, cujos projetos de vida ficam em suspenso. O sujeito não sabe se procura outro emprego, se muda de cidade, se inicia um curso (técnico, graduação, pós), porque tudo pode depender de ter dinheiro e tempo livre. Além disso, compromete o princípio constitucional da moralidade administrativa.
Doravante, cada órgão público deve pensar bem em seus editais, oferecendo apenas as vagas que tenha condições de prover após a conclusão do certame, em vez de ficar jogando com a paciência e as necessidades de uma vasta e crescente legião de concurseiros.

Santoro defende o cinema brasileiro

O competente ator Rodrigo Santoro, durante entrevista coletiva no 61º Festival de Cannes, se aborreceu com o comentário de uma jornalista, alegando que o Brasil tem feito cinema para exportação. E saiu em defesa, numa atitude digna e elogiável.
Agora que Santoro defendeu o cinema do Brasil, está na hora de o Brasil defender o seu cinema e criar melhores condições para que o vasto elenco de grandes profissionais de que dispomos possa lançar suas obras.
Viu, senhor governo federal?

quarta-feira, 14 de maio de 2008

A 29ª semana

Quarta-feira. Desde dezembro último, as quartas-feiras assumiram um significado especial, pois marcam, em meu inexorável relógio íntimo, a virada de uma página. Às quartas-feiras começa uma nova semana gestacional para nossa pequena Júlia.

Como pai em espera, o sentimento predominante ainda é o de assistir a um filme sobre um fato que tivesse tudo a ver comigo, mas que eu acompanho sentado em frente à tela, e não como um ator em pleno palco, encenando com o próprio corpo a história que deva ser contada. Pais entusiasmadíssimos com a paternidade já me alertaram que "a ficha só cai quando o bebê nasce". Já compreendi isso, mas tenho racionalizado coisas demais.

Seja como for, a sensação de que quase nada acontece ficou para trás. A condição gravídica é por demais evidente a um simples olhar. Os movimentos de Júlia são constantes e intensos. Esta semana ela começou a produzir uns curiosos calombos na barriga da mãe, bem localizados, que nos levam a matutar sobre o que estará fazendo. Esticando as pernas? Enfiando a cabeça? Não é possível identificar a parte do corpo que está sendo empurrada contra o abdome.

E o número já impressiona: 29 semanas gestacionais. Faltam apenas 11, se a mocinha não se apressar. Olhando daqui, parece muito tempo (mais de dois meses), porém estou ciente de que é muito pouco. Especialmente considerando a guinada que a p(m)aternidade acarreta. Os nove meses acabam sendo um tempo estreito demais para o tanto que muda.

De acordo com a consulta da última sexta-feira, Júlia continua muito bem, obrigado. A próxima ultrassonografia (em 4D!!) será feita a partir do dia 20, por isso não tenho números pessoais. Todavia, segundo os sítios que visitamos, a indicação é de que ela tenha em torno de 1,250 Kg e 35 cm. Seus sentidos estão bem afinados e o cérebro já assumiu o controle da respiração e da temperatura corporal. A gordura se desenvolve por baixo da pele, garantindo a fofura característica dos bebês, cheios de dobrinhas.

A coisa está acontecendo! Vai crescendo, devagar mas perceptivelmente, o desejo de ter Júlia nos braços. Mas por enquanto com calma, já que estamos ocupadíssimos. Todavia, quando o semestre letivo acabar em fins de junho, a expectativa deverá subir a níveis impressionantes.

Em breve, outras informações.