A Constituição de 1988 deu vida e alma ao Ministério Público, instituição que desde então tem crescido muito em atuação social, infraestrutura e rendimentos para os seus membros. Onde tem cumprido suas missões institucionais, o MP tem sido uma arma poderosa da sociedade, para o enfrentamento de graves e antigos problemas que afetam, sobretudo, os que não têm voz. Todavia, mesmo com tantas e tão amplas funções, a que continua sendo a mais destacada é a titularidade da ação penal pública. Não à toa, é o primeiro item do art. 129 da Carta Magna.
O curioso dessa história é que, mesmo tendo o poder de iniciar uma ação penal sempre que disponha de elementos suficientes para tanto, o MP continua dependendo — emocionalmente, eu diria — da autoridade policial, a quem cabe realizar o inquérito criminal. É claro que existe, mas eu pessoalmente jamais soube de um caso sequer em que a Justiça Pública tenha iniciado a ação penal sem antes examinar os autos de um inquérito. Por outro lado, conheço vários casos de pessoas vitimadas por delitos, que dispunham de farta documentação comprobatória. Eu mesmo orientei uns tantos a procurar o MP diretamente, na vã suposição de que uma denúncia seria logo oferecida. Enganei-me drasticamente. Embora algumas dessas pessoas me tenham dado retorno, dizendo que haviam sido atendidas por promotores de justiça interessados e de boa vontade, o desfecho é sempre o mesmo: ninguém oferece denúncia. De posse da documentação, eles pedem a instauração de um inquérito policial.
Aí a começa a burocracia policial, as intermináveis diligências, os calhamaços de papel, os depoimentos de um sem-número de testemunhas (frequentemente inúteis), etc. O tempo passa, passa e passa, e nada acontece. Quando finalmente os autos do inquérito retornam ao MP, uma denúncia é oferecida nos mesmos termos em que teria sido se todo esse tempo não fosse perdido. Afinal, a denúncia, em si mesma, só precisa conter a exposição minuciosa do fato que se presume criminoso, a identificação do acusado, a capitulação penal e, eventualmente, a indicação de testemunhas. Quanto às provas, serão todas produzidas ou repetidas em juízo, porque é vedado ao juiz condenar o réu com base em elementos coligidos apenas no inquérito, já que essa fase não contém contraditório e ampla defesa.
Daí que há muitos anos se discute sobre a mudança do nosso sistema. Já se propôs competências investigativas para o próprio MP, num regime assemelhado ao norteamericano, p. ex. A sugestão não foi bem recebida na comunidade jurídica nacional, embora os promotores tenham se assanhado com a possibilidade de ter mais poder.
Também já se propôs que a investigação fosse desde logo cometida, ou ao menos supervisionada, pelo próprio juiz criminal, mas aí entrou em cena o discurso de já-temos-trabalho-demais-e-não-podemos-fazer-também-isso. O drama da infraestrutura deficiente ainda nos assombrará por muito tempo.
O assunto, agora, volta à baila. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 1.914/07, proposto pelos pernambucanos Maurício Rands (PT), Raul Henry (PMDB) e Sílvio Costa (PMN). A ideia é extinguir o inquérito policial, considerado por muitos como um mondrongo antiquado e inadequado às necessidades sociais, que seria substituído por um juízo de instrução criminal, atividade complexa que reuniria a polícia, o juízo criminal, a Defensoria Pública, a advocacia privada e o Ministério Público.
O projeto deverá passar por três comissões técnicas: Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO), Finanças e Tributação (CFT) e Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Desde 19 de setembro último, está na primeira dessas comissões, sob a relatoria do deputado Laerte Bessa (PMDB/DF). Sua última movimentação foi a aprovação de um requerimento do deputado Raul Jungmann (PPS/PE), no sentido de realizar uma audiência pública para discussão do projeto. Muito prudente. Uma proposta grandiosa como essa não pode ser decidida em gabinetes fechados, muito menos no calor das politicagens. É preciso que a sociedade seja convocada a dar sua contribuição ao debate. Somente assim podemos chegar a um texto final que seja não apenas útil, mas também viável.
Quem tiver interesse em conhecer a íntegra desse interessante projeto de lei, é só acessar o sítio da Câmara dos Deputados e à, direita, no quadro "Pesquisas rápidas", digitar o número e o ano da proposição. Na página que se abrirá, logo no alto, há um link para baixar o texto na íntegra, em formato .pdf.
6 comentários:
Toda essa buRRocracia inútil do processo brasileiro, de qualquer natureza, serve apenas a uma única classe: ADVOGADOS. E aí acontece aquela velha situação: cria-se a dificuldade para obter a facilidade. Nesse caso, como em todos os demais, a corrupção rola solta. Advogados são, sem nenhuma dúvida, AGENTES especializados da corrupção de todo planeta.
Essas aves de rapina fazem ponto nas portas das delegacias de polícia, da justiça do trabalho, do fórum da justiça de qualquer cidade do país, numa autêntica advocacia da esperteza, rodando a bolsinha e enchendo os bolsos, à vista de juízes, delegados e o escambau. A máfia inicia e termina na OAB, para assegurar reserva de mercado e estorquir cidadãos, presas desse esquema de falso moralismo, mas que na verdade é um antro de corruptos, corrompidos e corruptores, ativos, passivos e simpatizantes...
Olhe, anônimo, na outra postagem em que você escreveu seu discurso contra os advogados, achei divertido, mas já está de bom tamanho. Este blog é produzido com olhos voltados para acadêmicos de Direito, jovens numa fase de tomada de decisões, e que precisam conhecer o bom e o mau da carreira escolhida mediante informações que possam ter alguma utilidade. Além do mais, os temas jurídicos são uma das características deste blog e, se cada vez que eu postar a respeito, você vier com sua guerra santa, isto aqui vai virar o seu front, o que, definitivamente, não deixarei acontecer.
Já lhe sugeri antes e insisto que você vá resolver seus problemas pessoais com o advogado que lhe causou danos pelos meios competentes, que obviamente não incluem este blog.
Para começar, você está por fora. O problema do inquérito - que é o cerne da postagem - está no próprio inquérito e na forma como conduzido pela autoridade policial, haja ou não um advogado atuando.
Quer você queira, quer não, os advogados não são culpados pelas mazelas do mundo.
Seus protestos já foram consignados. Acabou. Se você não se dispõe a procurar tratamento psicológico ou psiquiátrico, crie um blog, cujo nome pode ser "Eu odeio advogados" ou "Morte para todos os advogados" (cuidado, pois este aqui seria apologia de crime) e despeje lá toda a sua angústia.
Aqui, o assunto está encerrado.
Não sei quem é esse anônimo. Mas a manifestação dele, bem ou mal, representa a idéia generalizada da população, enfadada com o espírito de corpo dessa classe. Não me parece que seja uma revolta ou doença, mas o que todos pensamos. Alguém duvida? Lamentavelmente é isso mesmo. Nunca precisei e espero nunca precisar de advogados. Meus avós já diziam que seus avós já diziam que seus avós também já diziam que seus taravós já diziam que "bons" advogados (?) são contados nos dedos de um só lado da mão... Alguém também duvida? Duvido.
"Idéia generalizada da população" significa, em boa parte dos casos, aquilo de que o sujeito fala sem saber. Aliás, toda generalização é um risco.
Experimente ir à fila do SUS, de madrugada, e perguntar às pessoas o que elas acham dos médicos. Eu e pessoas ligadas a mim já sofremos nas mãos de médicos, mas nunca coloquei a categoria toda no mesmo saco. Conheço e respeito muitos médicos.
Conheço alguns bons motoristas de ônibus, taxistas não belicosos, motociclistas responsáveis e até políticos que me inspiram alguma simpatia. Você não me verá dizendo que todo membro de certa categoria é detestável simplesmente por fazer parte dela. Já falei bem até de jogador de futebol, aqui no blog. E, no geral, acho jogadores de futebol uma droga.
Pense nisso. Não tem a ver nem só com respeito, mas com bom senso. O que você diria se eu escrevesse que todo comentarista anônimo é um calhorda mal intencionado?
Não penso assim, tanto que publico e respondo os comentários. É isso.
Yúdice
E não esqueçamos também, que existem bons anônimos.
Abs
Claro que existem, Bar. Eu o afirmei expressamente em meu comentário anterior.
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