Em duas matérias, hoje — a primeira, reportando um julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo; a segunda, uma entrevista com a criminalista Maria Lúcia Karam —, o Diário do Pará traz à baila o tema da descriminalização do porte de entorpecentes para uso próprio.
Há muitos anos que setores abolicionistas pretendem que o uso de drogas não seja assunto para o Direito Penal. Tenho cá as minhas dúvidas pessoais quanto aos seus propósitos. O fato, contudo, é que um argumento de peso estava a seu favor: o usuário de drogas, em tese, só prejudica a si mesmo.
Quanto mais avança a teoria do crime, mais o Direito Penal passa a observar princípios, comandos superiores de forte conotação ética, que devem presidir a elaboração das leis. Um desses princípios é o da lesividade (ou ofensividade) e, segundo ele, é vedado ao Estado-legislador criminalizar condutas que não representem danos, ou ao menos perigo relevante, a direitos de terceiros. Cientes disso, muitos juristas têm sustentado que a criminalização do porte ou da posse de droga — atenção, senhores, o uso de droga, ao contrário do que se pensa, já não era crime — se justificava pela potencialidade concreta de dano para terceiros: favorecia o acesso por terceiros e fortalecia o tráfico.
Áridos debates foram travados durante décadas, mas o brasileiro é complicado: foi preciso surgir uma nova lei para que, de repente, a conversa requentada ganhasse ares de novidade, fosse rediscutida e oferecesse soluções diferentes.
Até bem pouco tempo atrás, vigorava a Lei n. 6.368, de 1976 — antiga e considerada ultrapassada. Ao longo dos anos 1990, uma nova regulamentação foi discutida e acabou se tornando a Lei n. 10.409, de 2002 — uma experiência legislativa desastrada. Ela deveria ter revogado a lei de 1976, mas sofreu vetos justamente no capítulo que definia os crimes. Ficamos, assim, com dois diplomas em vigor e a certeza de que as coisas iam mal dessa forma. Os debates recomeçaram, para se produzir uma terceira lei, capaz de sanar as imperfeições anteriores. E foi assim que chegamos à vigente Lei n. 11.343, de 2006.
Durante toda a discussão sobre a lei que deveríamos ter, um tema aparecia: o porte de drogas deveria ou não ser criminalizado? No confronto entre os que, fundados na segurança social, defendiam a manutenção do tipo penal, e os que, invocando argumentos de saúde pública, redução da pressão sobre o sistema penal e maior adequação à realidade, pugnavam pela abolição do delito, venceu uma posição intermediária: o crime continua, mas desaparece a pena de prisão.
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