quarta-feira, 21 de maio de 2008

Habeas mendacitate

Meu cerébro ainda estava dando o boot esta manhã quando me perguntaram como poderia a Justiça conceder um habeas corpus para que uma pessoa pudesse mentir. Logo percebi que isso era mais um exemplo de criatividade da imprensa brasileira. Dito e feito.
A origem do questionamento foi matéria exibida pela TV Globo agora de manhã, durante o Bom Dia Brasil, na qual a reportagem afirmou que José Aparecido Nunes Pires (ex-secretário de controle interno da Casa Civil da Presidência da República, acusado de vazar o famoso dossiê sobre os gastos do ex-presidente FHC) compareceu perante a CPI dos cartões corporativos protegido por um habeas corpus que dava a ele o direito de mentir na CPI, se quisesse. O texto em questão pode ser confirmado na edição escrita online do telejornal.
Naturalmente, o Poder Judiciário não determina que ninguém fale verdades ou mentiras, apenas cumpre as normas que impõem consequências para esses atos. E jamais autorizaria alguém a mentir sobre fatos de interesse público, porque não lhe compete autorizar o que é moralmente reprovável.
Segundo a Constituição de 1988, a função de um habeas corpus é proteger quem sofra ou se ache ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (art. 5º, LXVIII). Foi pedido pelo interessado porque os membros de CPI, neste país, têm um respeitável histórico de arbitrariedades. Olhou para o lado, eles mandam prender por desacato e outros disparates. Afinal, são motivados não pela busca séria da verdade dos fatos, mas sim pelo interesse de criar ou explorar fatos políticos em benefício próprio, de seus partidos ou grupos outros. Aliás, muitos deles deveriam estar na cadeia e não no Congresso, posando de otoridades e dando vazão a um depravado e histérico manejo de poderes judiciais.
Quem é convocado por uma CPI e tem o que temer (isto não significa ser culpado, ok?), pede habeas corpus, porque os malucos da CPI podem prendê-lo inclusive por achar que mentiu, coisa que um juiz não faria, porque a lei assegura ao acusado o direito de mentir, para se defender. Assegura também o direito de calar, sem que isso possa ser interpretado como desacato.
O fato é que o Judiciário concedeu o remédio heroico preventivo em favor de José Aparecido para resguardá-lo de uma eventual arbitrariedade. O que ele fará com o salvo conduto já é problema dele. Mentir é sua escolha. Penso que seria dever da imprensa esclarecer isso ao público, para não induzir as pessoas a acreditar que os juízes, agora, estão generalizada e deliberadamente acobertando safadezas.

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