segunda-feira, 5 de maio de 2008

Parte, e tu verás

Parte, e tu verás
Como as coisas que eram, não são mais
E o amor dos que te esperam
Parece ter ficado para trás
E tudo o que te deram
Se desfaz.

Parte, e tu verás
Como se quedam mudos os que ficam
Como se petrificam
Os adeuses que ficaram a te acenar no cais
E como momento que passaram apenas
Parecem tempos imemoriais.

Parte, e tu verás
Como o que era real, resta impreciso
Como é preciso ir por onde vais
Com razão, sem razão, como é preciso
Que andes por onde estás.

Parte, e tu verás
Como insensivelmente esquecerás
Como a matéria de que é feito o tempo
Se esgarça, se dilui, se liquefaz
E qualquer novo sentimento
Te compraz.

Repara como um novo sofrimento
Te dá paz
Repara como vem o esquecimento
E como o justificas
E como mentes insensivelmente
Porque és, porque estás

Ah, eterno limite do presente
Ah, corpo, cárcere, onde faz
O amor que parte e sente
Saudade, e tenta, mas
Para viver, subitamente, mente
Que já não sabe mais
Vida, o presente; morte, o ausente -
Parte, e tu verás.


Em 1961, o maravilhoso Vinícius de Morais escrevia estas palavras que lhes deixo, para não condenar o domingo às brancas nuvens. Elas podem ser encontradas na antologia Jardim Noturno: poemas inéditos, da Companhia das Letras.
Uma excelente semana que começa.

2 comentários:

Unknown disse...

Me lembrou um passeio por um Alter-do-Chão submerso... E várias partidas, despedidas pelas mãos de minha mãe e irmãos.
Abraços.

Yúdice Andrade disse...

O maravilhoso da poesia é isso: encontrar um poeta que nada sabe sobre nós dizendo as palavras que poderiam ter saído de nossa boca, falando dos sentimentos que existem em nós. Há muito de místico na poesia. Seja como for, é bela.
Espero que tenhas aproveitado bastante a última chegada, a última estada e a última partida.