segunda-feira, 5 de maio de 2008

Quem mais cantaria assim?


Imagine um garoto pobre do Ceará. Qual o seu deu destino mais provável? O dos maiores palcos do mundo ou o de mais um batedor de carteira?
Paulo Abel do Nascimento supunha que seria a segunda opção. Mas, ao fazer tal suposição acerca de si mesmo, ele já se consagrara na primeira, impressionando reis pelo mundo afora. Foi um notável cantor, compositor e maestro, desconhecido do brasileiro médio, já que transitou na música erudita, território desprezado e até odiado pelas massas.
Seu maior talento era sua voz. Neste quesito, a natureza lhe concedeu uma deficiência que lhe valeu a glória: insuficiência de testosterona, que impediu a transformação de sua voz na puberdade. O resultado foi um dom raríssimo: a condição de soprano masculino, conhecido no jargão musical como castrati. Todos já ouvimos falar da prática medieval da emasculação, a fim de dotar os rapazes do admirado tom superagudo. Nascimento não precisava de tais extremos, já banidos do mundo, para fazer tremer vidraças.
Nascido aos 13 de janeiro de 1957, tem sua iniciação musical aos 12 anos, através do filósofo e violonista João Lima. Naquele mesmo ano de 1969, conheceu o seu primeiro mentor, Raimundo Nonato Ferreira Lima. Em 1976, inicia sua carreira de músico profissional no Coral da Escola Técnica Federal do Ceará, onde cursava Turismo há dois anos. Apoiado pela professora Laysce Bonfim Maciel, recebeu da musicóloga Cleofe Person de Matos orientações para estudar no sul do país. Dois anos mais tarde, fixou-se em Florença, onde continuou seus estudos. Sua estreia profissional na Europa aconteceu na Rádio e Televisão Franco-Belga (1981).
Em 22 de agosto de 1985, faz seu primeiro recital em casa, cantando no Theatro José de Alencar. Exatamente um ano depois, apresentou-se no Lake Placid Center Of Arts, iniciando sua carreira americana. Mereceu destaque na capa da revista Musique & Concerts.
Consagrado, nos anos seguintes fez diversas apresentações pelo mundo, sem jamais perder suas raízes, tanto que entre seus trabalhos está a obra operística “Moacir das Sete Mortes ou a Vida Desinfeliz de um Cabra da Peste”. Já famoso, voltou à terra natal querendo fazer alguma coisa pelas crianças cearenses. Queria dar-lhes uma oportunidade. Para tanto, idealizou o projeto "Ópera Nordestina" e criou o Grupo Sintagma.
Em 1988, faz uma participação cantando a belíssima ária "Ombra mai fù", da ópera Xerxes, de Händel, no filme Ligações perigosas (de Stephen Frears). Gravou diversos CD, inclusive um com canções populares brasileiras.
Em 1990, sofreu a morte de sua mãe, Raimunda Martins do Nascimento, o que o fez entrar em profunda depressão. Dois anos depois, aos 35 anos, morreu em Paris, vitimado por complicações respiratórias causadas pelo vírus HIV.
Paulo Abel do Nascimento é um nome para ser conhecido, lembrado e respeitado, pelo muito que fez e pelo mais que não teve a oportunidade de fazer por este país, que sequer o admiraria por isso. Afinal, ele cantava, não jogava bola.

Fontes:
1. http://www.grupos.com.br/blog/ethos-paideia/permalink/1575.html
2. http://www.grupos.com.br/group/ethos-paideia/Messages.html?action=message&id=1196542807425752&year=07&month=12

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