A cena se deu em um edifício residencial, faz tempo. Quatro pessoas, todas visitantes no local, aguardavam o elevador. Eram três jovens estudantes e um senhor, que conheciam da faculdade e que exercia um elevado cargo público. Quando o elevador chegou, um dos jovens segurou o braço de um dos amigos:
— Deixe o [disse o nome do cargo; tanto faz, podia ser qualquer um] entrar primeiro — disse, com reverência na voz.
A cena poderia repetir-se hoje em dia, sem alterações. Isto porque existe uma cultura de submissão à autoridade entranhada no imaginário popular que, segundo penso, é um dos motivos pelos quais este país permanece imerso nas sombras. Afinal, como pode um povo desenvolver-se se as pessoas, espontaneamente, não se veem como iguais?
A turma de cima faz questão de agir como se vivêssemos numa sociedade estamental, daí as famosas carteiradas e o sabe-com-quem-está-falando. O curioso é como as pessoas de fora do inner circle interiorizam os pseudovalores de alto e baixo e, por conta própria, agem como inferiores, comportam-se de modo submisso, nas mais variadas situações. Por que razão o fulano lá, tão visitante quanto os demais, teria preferência no elevador? Ou a ser atendido numa loja ou posto de gasolina? Ou a se sentar na melhor cadeira?
Galo é galo em qualquer lugar, mas fora do galinheiro não adianta cantar. Quem manda na cozinha é a cozinheira que, com uma faca na mão, pode mudar a história do penoso. Portanto, o melhor a fazer é reconhecer que cada pessoa tem o seu valor e as suas prerrogativas, oriundas primeiro da humanidade, depois da cidadania, da idade ou de quaisquer outros fatores. Inclusive o exercício de algum poder temporal. Mas ninguém precisa ser adorado por isso.
2 comentários:
parabéns amigo, você esta certissimo e análisou a questão com grande acuidade. Como dizia "Nelson Rodrigues", o brasileiro sofre da sindrome de vira-lata, pensa que é pior ou menos importante que os outros.Já morei 02 anos fora do Brasil, e posso te dizer no exterior, a coisa não funciona desse jeito não , cada um tem a sua importância e reconhecimento no limite de seu local de trabalho e exercício de suas funções , fora dele,é igual a qualquer um , entra em fila, aguarda chamado no médico e etc...
A verdade é que essa prática é coisa de pobre, mesmo. Pobre de espírito, que é um tipo trágico. Em outros países, de fato, as pessoas crescem com noções de cidadania que dificultam comportamentos abusivos, os quais, se ocorrerem, terão mais a ver com distorções individuais de caráter.
Veja-se o caso dos Estados Unidos, em que tantas celebridades têm sido presas, fichadas, condenadas e expostas em suas mazelas. Não teve dinheiro ou fama que desse jeito. Aqui, nem precisamos de trabalho para saber o que aconteceria, pois a "cultura" é essa: cidadão é igual a leite, ou seja, tem tipo A, B, C...
Uma lástima.
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