quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Saída temporária natalina

Saudações. Feliz 2008.

Comecemos a pauta deste ano do blog por aquilo sobre que posso me arvorar a falar, que são os temas de natureza jurídico-penal. E como dia desses um dono da verdade veio aqui me esculhambar porque defendi a saída temporária de presos, eis o que pincei da coluna Repórter Diário de hoje:


A Superintendência do Sistema Penal abriu ontem contagem regressiva para a volta de cerca de 600 presidiários autorizados pela Justiça em todo o Estado a passar as festas de Natal e Ano Novo com as famílias. A juíza Tânia Batistello, da Vara de Execuções Penais da Região Metropolitana de Belém, fixou o retorno dos presos às cadeias públicas da RMB para 17h de ontem. Nas comarcas do interior, segundo o superintendente da Susipe, coronel Sandoval Bittencourt, há prazos variados que vão até sexta-feira. No retorno, os condenados passam por revista para impedir a entrada de armas e drogas nos presídios. A Susipe divulga o balanço na segunda.


Regressão da pena
As autoridades judiciárias revelam que a série histórica registra baixo índice de evasão de presidiários nas saídas temporárias. Premiados por bom comportamento, os presos condenados não têm arriscado sofrer novas sanções justamente quando estão mais perto de deixar definitivamente a cadeia. Quem não retorna, passa a ser considerado foragido de Justiça, perde os benefícios conquistados, inclusive com regressão da pena, como reza a lei.

É preciso que se entenda — caso se tenha boa vontade, evidentemente — que a saída temporária, e de resto todos os benefícios de execução penal, atende a uma lógica de prêmio-punição. Quem se comporta bem, recebe prêmios que tornam mais leve sua passagem pela prisão e podem antecipar a sua liberdade. Quem se comporta mal não goza dessas "benesses" e pode sofrer novos males, como a regressão de regime penitenciário e até o famigerado regime disciplinar diferenciado (RDD). Pretende-se, assim, convencer o condenado ao bom comportamento.

Como já insisti umas tantas vezes, esse sistema pode não ser o melhor. Contudo, sem ele, as finalidades da pena, de prevenção do crime e ressocialização do criminoso, tornam-se inviáveis.
Nas notícias acima, destaquei dois pontos que me parecem essenciais: a comprovação de que o índice de evasão sempre é baixo, para desmentir a alegação dos desesperados, de que a maioria não retorna à prisão. Isso jamais foi verdade. A segunda falácia é de que se põe na rua condenados sem nenhum critério, o que é uma asneira. O critério é o bom comportamento, aferido pela própria instituição penitenciária, e dependente ainda do cumprimento de uma parte da pena (nunca menos que um sexto).

Portanto, que os críticos se informem melhor antes de lançar seus vitupérios. Aguardemos a próxima segunda-feira, quando teremos os números deste ano e poderemos formular melhor juízo a respeito.

5 comentários:

Anônimo disse...

Concordo que deva existir uma maneira de premiar aquele detento que manteve uma boa conduta, porém, fica sempre a dúvida, se ele se comportou bem, ou não tinha meios de aprontar.
Faço uma analogia ao tratamento de obesidade. No SPA todo mundo emagrece, não tem nada para comer mesmo, mas ao sair, a coisa se complica, as tentações são muitas. A mesma coisa acontece com os tratamento de dependência química, dentro das clínicas é uma beleza, agora sai, e encontra todos aqueles que te acompanhavam no vício, te rondando para voltar. É barra. Causa um temor muito grande.
Espero que a grande maioria volte e acabe de cumprir as sua penas. Ficarei esperando o resultado.

Frederico Guerreiro disse...

Espero que a maioria se recupere e nunca mais volte para a cadeia. A presunção da recidiva não serve aos propósitos da pena como medida ressocializadora, ainda que haja o risco e o preconceito. Para isso servem os critérios de avaliação e merecimento.
Observa-se, no entanto, uma sutil diferença entre sair de um 'spa' e sair de uma cadeia.

Yúdice Andrade disse...

Querida Ana Paula, o teu comentário põe o dedo exatamente na ferida. Esse é o grande paradoxo da prisão como pena: como se pode ressocializar um indivíduo tirando-o do convívio social? A contradição foi percebida ainda no século XIX, quando a prisão se tornou a principal resposta penalógica mundo afora. De lá para cá, as discussões são intermináveis.
Com efeito, como se pode ter certeza de que um indivíduo se recuperou? Ele deixou de cometer violências porque reconheceu seu erro ou apenas por que não teve oportunidade? Mas é exatamente daí que surge a conclusão de que os benefícios executivos precisam ser utilizados, como estratégia de ressocialização, a tal moeda de troca. Essa é a origem da progressão de regime. Se o sujeito está no regime fechado, ele só pode cometer crimes violentos internos, que serão evitados porque seriam obviamente punidos (pelo Estado ou pelos demais detentos). Então o indivíduo se contém, mas não se recupera. Se for solto, é provável que cometa novos crimes. Por isso se adota a progressão: o sujeito continua preso, mas ganha maior liberdade. Assim, pouco a pouco, de passo em passo, ele mostra se está mesmo se comportanto e se está apto a avançar mais um degrau rumo à liberdade plena.
O sistema não é infalível, mas tem uma lógica que me parece indesmentível.

Yúdice Andrade disse...

A condição estigmatizante de quem sai de uma cadeia é prévia, Fred: ele já era estigmatizado quando entrou na cadeia, portanto não se trata de um preconceito adquirido no cárcere. Com isso, temos o velho e perigosíssimo círculo vicioso que tão caro tem custado à nossa sociedade, na medida em que não vê a questão de forma ampla. Abraços.

Frederico Guerreiro disse...

O preconceito está nas entrelinhas.