Quase sempre que escrevo, aqui no blog, sobre política criminal, aparece alguém me criticando, e até me destratando, usando aqueles manjadíssimos argumentos da linha Datena e afins. Rejeitam a missão ressocializadora da pena, defendem medidas extremas contra os criminosos, tributam seus delitos somente à maldade individual e objurgam a ideia de direitos humanos. Sua argumentação sempre é passional, na base do e-se-fosse-com-você-?
Esta vai especialmente para esse público.
Um estudo divulgado hoje pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana — RITLA revela que a violência no país está concentrada em apenas 10% dos Municípios, os quais concentram nada menos do que 73,3% dos homicídios cometidos no país. Clique aqui para ler mais a respeito e saber quais são as cidades mais perigosas.
Tentemos construir um raciocínio sobre esses dados (que pena não ter o mesmo raciocínio lógico do filósofo e professor André Coelho!).
1. Se o indivíduo mata porque é mau, e tomando por premissa que a maldade humana deve estar distribuída de forma mais ou menos igualitária pelo mundo inteiro, então o número de homicídios deveria tender a uma certa homogeneidade dentro do país. Concluo: se a esmagadora maioria dos homicídios ocorre em apenas 556 dos 5.564 Municípios brasileiros, então existem fatores outros, variados, pressionando a escalada da violência.
2. Admitindo que os fatores da criminalidade sejam muitos, cumpre investigar as características peculiares dos locais mais violentos. Se identificarmos que esses locais se caracterizam pelas mazelas dos grandes centros urbanos (notadamente as capitais) ou por pistolagem, conflitos agrários ou ambientais, ausência do Estado e crime organizado, dentre outros fatores, chegaremos à conhecida conclusão que atribui a violência às injustiças sociais que campeiam no país — diagnóstico sempre rechaçado pelos moralistas de plantão, que o atribuem a logomaquias de ONG ou do pessoal dos direitos humanos.
3. A tese da preponderante maldade individual somente poderia sobreviver a estes argumentos se o sentimento em questão tivesse causas primordialmente endógenas, portanto livres das antes apontadas influências de fatores sociais. Nesse caso, contudo, não me parece crível que a genética favorecesse tantas pessoas ruins nascendo numa mesma cidade e ignorando o entorno. Veja-se o exemplo do Rio de Janeiro, segunda capital em números absolutos de homicídios: bem pertinho fica Petrópolis, uma cidade famosa, porém pacata, onde as pessoas caminham tranquilamente por estradas absolutamente escuras tarde da noite, sem sofrer violências, fato que presenciei pessoalmente.
Enfim há muito mais a ser dito. Todavia, é melhor que o seja à medida que novos argumentos cheguem para o debate. O essencial — e é isso que gostaria que as pessoas entendessem — é que se faz absolutamente imperioso analisar o tema em sua amplitude e complexidade, única forma de evitar os julgamentos de valor ridículos e inócuos, que têm sido a tônica no país, sobretudo na imprensa.
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