quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Mudanças

Justamente no dia em que o blog aniversaria, surgem mudanças que não dependem de mim. Mudanças que não serão percebidas por quem lê o blog, mas por quem o administra, porque atingem o Blogger. Trata-se de alterações no leiaute (odeio essa palavra...) e nas funcionalidades.
Aparentemente, melhorou, porque as páginas estão mais limpas. No entanto, essas mudanças provocam uma estranheza inicial. Decidi não retornar à interface antiga e continuar utilizando as novidades, porque decerto facilitarão a administração do blog.
No mais, sempre é bom ter uma mudancinha, de vez em quando.
Meus queridos, o mês de agosto está acabando, só lhe restando menos de duas horas e meia. Então volto a abraçá-los, desejando-lhes uma boa noite e um feliz setembro.

Em tempo
Tem blogueiro reclamando que não consegue postar por causa das mudanças. Até o presente momento, não vi nenhum problema para utilizar o Blogger, nem soube de reclamações sobre perda de dados, como já aconteceu antes.

Notícias de interesse jurídico

I
O Conselho Nacional de Justiça recomendou nesta terça-feira (30/8) que juízes parem de decretar a prisão e de ameaçar prender advogados públicos federais e estaduais para forçar que sejam cumpridas ações judiciais dirigidas a prefeitos, secretários, governadores. A recomendação foi feita durante julgamento de Pedido de Providências, na sessão ordinária do CNJ.
Mais: http://www.conjur.com.br/2011-ago-30/cnj-recomenda-fim-prisao-advogados-publicos-medida-coercitiva

II
A Justiça de São Paulo reconheceu a dupla maternidade requerida por Janaína Santarelli e Iara Brito. As duas deverão figurar como mães na certidão de nascimento da garota Kaylla Brito Santarelli, de três anos. Na sentença, a juíza Débora Ribeiro disse que "o importante para a criança é que tenha figuras significativas que exerçam as funções parentais, independente de suas opções sexuais". Este é o terceito caso de dupla maternidade reconhecido pela Justiça brasileira, de acordo com informações da Folha de S. Paulo.
Mais: http://www.conjur.com.br/2011-ago-30/casal-lesbicas-dupla-maternidade-reconhecida-justica

Em relação a este segundo caso, há informação de que o caso não é inédito: existem dois precedentes no Brasil, sendo um aqui no Pará.

Plágio

Um delegado da Polícia Federal plagiou quase um capítulo inteiro da dissertação de mestrado de um promotor de justiça. E ainda publicou o livro por uma conhecida editora. Isso rendeu um quiproquó que redundou numa condenação pela 24ª Vara Cível de São Paulo. Plagiador e editora foram condenados a indenizar o ofendido. A defesa do acusado ("pesquisa em fonte comum"), pelo amor de Deus, é de matar!
No ambiente acadêmico, a preocupação com o plágio é diuturna, por causa dos trabalhos de conclusão de curso. Não foram poucos os reprovados nesses 12 anos de existência do curso. Pessoalmente, acho que é uma prática sem perdão. Caso descoberta a tempo, ainda admito que o aluno recomece o seu trabalho do zero, passando a ser acompanhado bem mais de perto, já que existe uma suspeição fundada em razões concretas. Mas um plágio descoberto por ocasião do depósito do trabalho deve ser punido com a reprovação sumária, sem prejuízo de eventual responsabilização jurídica do aluno, perante o autor prejudicado. A instituição deve se preocupar com isso, para não ser acusada solidariamente.
No mais, o regimento de nosso centro universitário prevê expressamente a aplicação de nota zero a qualquer avaliação na qual o aluno tenha utilizado "expedientes fraudulentos". Por isso, se um aluno comete essa falta num trabalho de qualquer uma das disciplinas curriculares, deve ser igualmente penalizado, ainda que isso eventualmente implique em sua reprovação. Afinal, ensinar ética também é missão institucional, tanto que existe a disciplina Deontologia. Ética não pode ser discurso ou aparência: deve ser uma exigência real e cotidiana. Se aprontou, se houve dolo, puna-se.
Alguém tem que ensinar que, num mundo decente, não se vai a lugar nenhum passando a perna nos outros. Ou, pelo menos, não se deveria ir.

Primeiro lustro

Eu já sabia, mas observando de perto percebo que sou muito repetitivo. Todos os anos, quando chega o dia 31 de agosto e comemoro o aniversário do blog, faço alusões às aniversariantes na família (na verdade, só nos dois primeiros anos) e contabilizo os números (exceto em 2009). Sou aficcionado por números.
Em 2007, eram 816 postagens. Em 2008, 1.732 ("uma média de 2,36 por dia"). Em 2010, já contava 3.562 postagens. Hoje, elas são 4.350.
Em 2007, havia 1.987 comentários publicados, em pouco mais de 20 mil acessos. Em 2008, 4.418 comentários em mais de 66 mil acessos. Em 2010, superei os 218 mil acessos, mas não registrei os comentários. Surgiram os seguidores, àquela altura 38. Agora, são 12.209 comentários em 297.831 acessos, com 87 seguidores, o último deles tendo surgido ontem.
Em 2007, comentei que "os comentários rejeitados não chegam nem a 10, o que me assegura um público de qualidade, gente boa mesmo, que vem aqui trazer luzes ao debate e não fomentar o que há de ruim na humanidade". Eu ainda não sabia o que me esperava em matéria de trolls...
Passei então a debochar de mim mesmo:


No segundo ano, saí-me com esta:


Quando penso em ter sido lido, em algum momento, por esse número de pessoas, confesso sentir um frio na barriga. Melhor do que isso, só escrevendo um romance vendido no mundo inteiro e adaptado para o cinema. Já tenho até a sinopse: será a história de um menino que descobre ser um bruxo e vai para uma escola de magia viver muitas aventuras e lutar contra um senhor do mal. Original, não? Abandonei meu projeto anterior sobre uma grande descoberta a respeito de Jesus, que poderia mudar o rumo de toda a humanidade, por considerá-la um pouco batida demais.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Abuso de autoridade

Não havia a menor chance de eu não comentar esta.


Após discussão, professor ameaça dar voz de prisão a aluna em SP

Confusão ocorreu no curso de direito da Universidade Mackenzie. Ela questionou método de ensino do docente, que é procurador de Justiça. Do G1 SP
 
Um professor de direito penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, ameaçou dar voz de prisão a uma aluna do quinto semestre do curso depois de uma discussão na sexta-feira (26). Nesta terça (30), quando o caso tomou repercussão, a assessoria de imprensa da instituição de ensino, uma das mais tradicionais do estado, confirmou apenas que houve o bate-boca entre os dois. Ninguém foi preso. De acordo com o Centro Acadêmico do curso de direito, a jovem, que tem 30 anos e é bolsista, questionou o método de ensino do professor.O G1 não conseguiu falar com a aluna nem com o professor. Em nota, o Centro Acadêmico considerou “inadmissível” a postura do professor e quer um pedido formal de desculpas pelo “constrangimento” pelo qual passou a estudante. Na versão apresentada pelo centro estudantil, na entrada da sala dos professores, a aluna abordou o professor nas escadas dizendo que estava sentindo dificuldades em entender a matéria passada.Como ela questionou a metodologia do docente, ele “ficou transtornado” e disse, ainda segundo o comunicado, que “a aluna não tinha capacidade para avaliar sua aula”, pois ele leciona há 20 anos e nunca passou por problema parecido.A estudante tentou procurar, então, o coordenador do curso, mas o Centro Acadêmico disse que ela foi impedida pelo professor, que agiu, “mandando os seguranças barrarem a aluna, pois, segundo ele, ela estava faltando com o respeito”, informa a nota. A estudante afirmou que o docente é que estava sendo desrespeitoso e, nesse momento, “gritando em voz alta”, ele ameaçou chamar a polícia e dar voz de prisão a ela.

Bastou ler a manchete no Portal G1, sem nenhuma visão da matéria em si, e já sentenciei: isso aconteceu num curso de Direito! Dito e feito. A segunda dedução imediata: o professor exerce algum cargo público, desses que com uma certa facilidade se sentem desacatados e apelam para o crime de desacato à autoridade, porta aberta para o abuso dos descontrolados. Quando vi que se tratava de um procurador de justiça, não me surpreendi nem um pouco.
No mais, não podemos saber exatamente o que aconteceu, já que toda história tem ao menos três versões: a minha, a sua e a verdadeira. Mas suponho que estamos diante do velho problema de exercer a docência como manifestação de poder. Isso é uma característica hediondamente frequente nos professores, que ganha contornos muito especiais no ensino jurídico. Para mim, soa absolutamente crível um professor se ofender por ser questionado, ainda mais em se tratando de um sujeito com longa carreira. Como se isso, por si só, o tornasse um bom mestre!
Recordo-me de um colega que certa vez perguntou, na sala dos professores, o que considerávamos um professor experiente. Na opinião dele, não é o que faz a mesma coisa há muito tempo, ainda que bem; e sim o professor que experimenta. Isso é meio gongórico, mas faz sentido. Respeitável é o professor que tenta, que se modifica e suporta as críticas, ainda que lhe doam. Ainda que o deixem indignado. Mas com elas, ele aprende.
Vamos ver se sai alguma notícia mais completa sobre o caso.

Acréscimo em 31.8.2011
A aluna envolvida neste caso conversou com jornalistas e ratificou a versão de que foi ameaçada de receber voz de prisão, na presença de outros alunos. Ela nega ter faltado com o respeito ao professor, porque tem medo de perder sua bolsa. Ela tem 31 anos, "origem humilde" e estuda na tradicional Mackenzie graças a uma bolsa integral obtida através do ProUni.
O Centro Acadêmico divulgou nota atribuída ao professor, na qual ele diz que foi desrespeitado e, diante de avisos que não foram obedecidos, recorreu aos seguranças. Que perigo, afinal, essa moça representava para ele, a ponto de precisar dos seguranças? Enfim, a certa altura ele deixou de falar como professor e assumiu sua condição de procurador de justiça. Se assim foi, é ridículo. Na universidade, ele é professor. O andamento do caso não está bom para ele.

Mais insignificância, menos crime

Pesquisadores do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP divulgaram, hoje, um estudo que aponta uma tendência de progressivo acolhimento do princípio da insignificância pelo Supremo Tribunal Federal. Aquela turma com certeza ficará chateada com essa informação, pelos velhos motivos de sempre, mas abstraindo as bobagens que costumam dizer, é importante destacar que o aludido princípio não dosa a reprovabilidade da conduta (se o crime é mais ou menos grave), e sim determina a própria existência de um crime, no caso concreto. Trata-se de uma visão mais profunda e técnica da matéria, por meio da qual os limites do Direito Penal podem ser, enfim, compreendidos numa perspectiva mais realista.
Os números em si são baixos, mas como eu disse o maior valor da pesquisa é indicar uma tendência. Demais disso, o STF é a nossa Corte Constitucional, de modo que essa matéria na verdade nem deveria chegar até ele. Ela deveria, isto sim, ser resolvida nas instâncias ordinárias, mas acaba atingindo o STF por conta da insistência do Judiciário em aplicar sanções criminais, por vezes elevadas, a situações de irrisório dano material. Por conseguinte, é bom que a mais alta corte do país diga logo como entende o assunto, para criar uma jurisprudência que seja menos voraz às liberdades individuais.
O estudo da USP merece uma atenção maior, por isso vou ler o que eles produziram. Qualquer hora dessas pode surgir uma opinião complementar a respeito.

Um pouco sobre a censura chinesa

Custa-me crer que, em pleno ano 2011, ainda haja países de grandes proporções no mundo que sustentem uma estrutura de poder antidemocrático semelhante às grandes ditaduras que, não à toa, passaram à História, porque não sobreviveram. Mas é assim que vive o imenso paradoxo chamado China, que se diz uma comunista tradicional, mas desenvolve uma economia com todos os elementos crueis do capitalismo, como a concentração de renda, a miséria de amplas parcelas da população e até a exploração do trabalho em circunstâncias, digamos, não exatamente livres.
De permeio, o patrulhamento ideológico diuturno e enlouquecido, que impede o cidadão chinês de escutar certas músicas, ver certos filmes, acessar certos conteúdos na Internet. Tudo em nome da autoridade do governo ou do partido ou, o que é ainda mais alucinado, em nome de políticas de higienização mental hoje quase inacreditáveis. E tudo acontece agora, neste momento, como no caso dos filmes brasileiros vetados num festival de cinema... brasileiro!
O negócio é tão radical que, se os censores chineses tomassem conhecimento deste humilde blog paraense, vendo esta postagem, eu estaria automaticamente proscrito. Eles já não gostam muito de blogueiros. Minha sorte é que não pretendo visitar aquele país, mesmo...
Aliás, não é a primeira vez que escrevo coisas que não soariam bem para o governo chinês.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

"Donos de vacas e mulheres"


O que se viu hoje neste Sagrado Plenário do Júri foi a tentativa de restabelecer a fogueira de Joana D`Arc. Buscou a Defesa Técnica e mesmo o réu, destruir a figura da senhora Ana Júlia, asseverando um suposto desvalor moral. Para a Defesa a ex-namorada do assassino deveria sentar com ele no banco dos réus. Feiticeira essa moça, lançou suas magias e transtornou o pobre réu. Somos um povo de rincões, de coronéis donos de vacas e mulheres. Somos um povo de proprietários de escravas que servem somente para saciar os desejos de seu macho. Seu dono. Somos uma gente de baixa estima quando não gritamos para que todos ouçam que evoluímos. Os direitos são iguais. Ocorre que foi o réu quem desferiu tiros em seu concorrente. O macho alfa não suportou a dor e a vergonha de perder seu patrimônio. Ao menos, foi isso que buscou a Defesa ver nos olhos e corações dos Senhores Jurados. Os Senhores Jurados, soberanos em seus votos afastaram a licença para matar, para lavar a alma, a malsinada dor do traído.
Juíza de Direito Simone de Farias Ferraz,
em sentença condenatória do tribunal do júri do Rio de Janeiro de 22.8.2011

Um tema hoje recorrente no mundo jurídico é o do ativismo judicial. Pelo visto, foi o que fez a juíza Simone Ferraz, ao incluir em sua sentença o que pode ser considerado um desabafo de mulher, visto que a sentença do tribunal do júri normalmente é exígua, já que carece de fundamentação além da votação dos jurados e da dosimetria.

No momento em que fiz esta postagem, a reportagem do Consutor Jurídico tinha apenas oito comentários, todos subscritos por homens (caso isso seja relevante), sendo que quatro deles caíam naquela risível vala comum de exigir imparcialidade do juiz, que não existe, mas que as pessoas cobram quando se opõem à decisão e não sabem ou temem expor o que realmente pensam. Sem falar, claro, naquelas que realmente acreditam nesse mito, mas aí só podemos orar por essas.

Um advogado critica a falta de cuidado com a vida, na legislação brasileira. É o melhor dentre os comentários.

Os três últimos comentários são subscritos pela mesma pessoa, que se identifica como engenheiro. O rapaz deve ter levado a pior num processo de divórcio e sofrido um grande impacto econômico. Sua fúria é grande e sua afirmação de que já se refez profissional e sentimentalmente soa como ato falho. Também me faz pensar que ele não digeriu o fim do relacionamento. Mas sobretudo na conclusão de seus devaneios, ele se revela. Prefiro não comentar para não lhes estragar o encantamento de ler os tais comentários.

Juntinhos

Vocês esperavam ver Marinor Brito e Mário Couto entusiasmadíssimos em torno de um mesmo ideal? Improvável, não? Mas neste país surreal o governo federal conseguiu juntar os dois, como prova a imagem aí ao lado, obtida na página do Senado, e em prol de um objetivo que pode ter suas motivações secundárias, mas que é essencialmente justo: derrubar, junto ao Supremo Tribunal Federal, as medidas provisórias que visam à concessão de incentivos fiscais e instituição do regime diferenciado de contratações, ambas destinadas à Copa do Mundo e às Olimpíadas.
As ações, sobre as quais você pode ler nas páginas do Senado e do próprio STF, tentam barrar a grande bandalha das obras colossais necessárias para aqueles dois eventos, que o governo quer autorizar sem os indispensáveis mecanismos de controle, que usualmente já são insuficientes para impedir a roubalheira. Agora, pretende-se institucionalizar a roubalheira, de uma forma nunca antes vista, nem mesmo no Brasil.
Tudo bem que político só tenta impedir a sangria dos cofres públicos quando não se vê contemplado por ela, mas nem que seja por esse motivo (ou pelos efeitos eleitorais de longo prazo) alguém tem que fazer alguma coisa para minimizar a vergonha que essa história já é, por representar a derrama de bilhões de reais em situações que não mudarão a realidade de um país onde ainda se morre de fome.

Vai um croquete aí?

Você come na casa das pessoas que visita?
Pense bem antes de aceitar acepipes na casa de pessoas que não conheça o suficiente. Vai que elas também têm um paladar excêntrico como este rapaz russo aqui...

Não se esqueça do molho rosé.

Excesso de prisões preventivas... na Europa

Na Europa, um a cada quatro presos aguarda julgamento

Por Aline Pinheiro

Mandar acusados para esperar o julgamento atrás das grades está virando medida de praxe na Europa. A constatação em tom de reclamação é do comissário do Conselho Europeu para os Direitos Humanos, Thomas Hammarberg. Recentemente, o Conselho divulgou que 25% dos presos nos países europeus ainda não foram julgados.
Os números variam de país para país. Na Itália, 42% dos prisioneiros, ou seja, pouco menos da metade, ainda não foram julgados. O país com o menor número de prisões preventivas em vigor é a República Tcheca: apenas 11% do total de presos.Para termos de comparação, no Brasil, cerca de 40% da população prisional são de presos provisórios.
Hammarberg ressaltou que a Convenção Europeia de Direitos Humanos estabelece que todo mundo é inocente até que se prove o contrário. Prender alguém sem condenação definitiva é encarcerar presumidamente um inocente, o que viola os direitos da pessoa. A exceção só é aberta se ficar comprovado que a liberdade do acusado pode atrapalhar significativamente as investigações ou ainda que ele pode fugir antes de ser julgado, explicou.
Para o comissário, no entanto, uma parte considerável das prisões preventivas não se encaixa nessas exceções. Hammarberg lembrou casos que já foram parar na Corte Europeia de Direitos Humanos. A Turquia, por exemplo, já foi condenada por não fundamentar corretamente uma prisão preventiva. Outros países também tiveram de indenizar acusados que passaram anos atrás das grades sem julgamento.
Hammarberg se disse indignado com o fato de os países, mesmo com problemas de superlotação nos presídios, não tentarem reduzir o número de prisões preventivas. E comemorou que a Comissão Europeia, órgão da União Europeia, abriu em junho uma consulta pública para tentar aprimorar a legislação criminal comunitária. No pacote, também vão ser reanalisadas as regras para as prisões preventivas.

Aline Pinheiro é correspondente da revista Consultor Jurídico na Europa.
Revista Consultor Jurídico, 27 de agosto de 2011
É por isso que eu gosto da civilização. Aqui, a classe média sonha com a Europa e critica a suposta leniência da legislação criminal. Lá, o que se critica é a tendência de expansão do Direito Penal, que se exemplifica, dentre outros sintomas, pelo uso excessivo de prisões cautelares. Note que, segundo a matéria, esse aspecto "está virando" praxe por lá. Por aqui, já é uma dura realidade há décadas. Vale a pena ler a contundente crítica que Eugenio Raúl Zaffaroni faz, em seu O inimigo no Direito Penal, sobre o uso indiscriminado de prisões cautelares na América Latina como um todo.

Abaixo da linha do Equador, o índice de 50% dos presos como provisórios é facilmente extrapolado, como consequência de sistemas sociais adversos e de sistemas judiciais ineficientes, porém altamente capazes de reproduzir as mazelas dos primeiros. Segundo os dados oficiais do Departamento Penitenciário Nacional DEPEN, a população carcerária brasileira ao fim de 2010 era de 496.251 pessoas (somatório dos presos no sistema penitenciário e nas delegacias de polícia), sendo 331.568 condenadas em definitivo (incluindo os três regimes penitenciários) ou sofrendo medidas de segurança de todos os tipos e 164.683 presos provisórios.
Destaque-se que a prisão provisória se equipara, na prática, a um regime fechado e, muitas vezes, o tratamento dispensado ao indivíduo chega a ser bem pior, além da maior dificuldade de acesso ao juiz. Se considerarmos apenas o número de presos em regime fechado (188.777), a diferença entre estes e os provisórios é de apenas 24.094 pessoas.
Enquanto por aqui a expressão "direitos humanos" é deturpada e execrada e o sistema de justiça criminal tem nos apresentadores de TV e rádio os seus arautos e intelectuais, lá se respeita o Conselho Europeu para os Direitos Humanos. O titular deste não anda nada satisfeito com as medidas desarrazoadas, que sem dúvida têm relação com a imigração e que se avolumam em países como a Itália, um país complicado, como se pode ver na postagem "Quem escreve morre", três abaixo desta. Por lá, a autoridade entende que os países devem se esforçar por esvaziar as cadeias. Aqui, impera o discurso do se-não-cometesse-crime-não-estaria-preso ou aquela inteligente solução do extermínio. Lá, até se pune um país por não fundamentar corretamente as prisões preventivas. Aqui, se todos os casos de prisões desfundamentadas fossem apurados, faltaria papel no planeta.
Em suma, eu gosto da civilização porque, nela, ainda resta algum bom senso e as pessoas podem falar no assunto. Já aqui... Esperemos para ver o que acontece na caixinha de comentários.

domingo, 28 de agosto de 2011

Jeitinho de educar

Todo pai ou mãe de criança pensa no dia em que seus filhos se tornarão adolescentes e começarão com aquelas atitudes aversivas absurdas, as variações agressivas de humor, as tentativas de chamar a atenção sempre pelos meios mais estúpidos, a rejeição à família, a vergonha de tudo, etc. Nem todos lidam bem com isso (eu, p. ex., nem vejo como). Afinal, sempre desprezei esse argumento de hormônios, já que somos seres sociais, não meros joguetes da química!

Tenho um amigo, cujo filho acabou de completar 5 anos, que diz que se um dia o menino começar a manifestar vergonha dos pais e lhes rejeitar a presença, ele, só de sacanagem, vai se despedir (na escola, p. ex.), com um beijo e uma passada de mão na bunda. Sempre achei uma promessa justa.

Noiva: uma das 170 fantasias.
Mas hoje o Fantástico me apresentou a um cara que, nesse quesito, se tornou meu ídolo instantâneo.

O cidadão é americano e se chama Dale Price. Ao ser instado pelo filho a não o levar ao ônibus escolar,  teve contra si declarada "guerra". Uma guerra bem humorada, que envolveu levá-lo ao ônibus todos os dias com uma fantasia diferente, inclusive algumas meio escandalosas. O mais divertido é que ele teve o apoio dos vizinhos para nunca repetir uma caracterização. Vai ver que todos lavaram a alma juntos, em alguma medida.

Difícil encontrar outra pessoa que fosse tão longe sem perder a compostura (dar uns catiripapos no moleque ainda seria uma solução mais simples, porém decerto menos eficiente). No meu caso, que sou pai de menina, sequer posso seguir a sugestão do meu amigo, pois um sujeito que passasse a mão na bunda da filha adolescente acabaria na cadeia, além de desmoralizado na grande rede.

Como não me imagino imitando Dale Price, é bom que Júlia assimile meus ensinamentos ao longo da infância. Vergonha da família é comum, mas não admissível. E eu nunca fui lá o melhor modelo de tolerância. Logo, melhor levar as coisas com bom humor.

Texto atualizado em 16.3.2020.

Uma outra Belém

O Blog do Flávio Nassar sempre nos proporciona matérias interessantes. Desta vez, apresenta-nos um vídeo com imagens de Belém nos anos 1970. Graças a ele, pude ver imagens das ruínas do Murutucu, já que de outro modo não há como vê-las. Escrevi a respeito em novembro de 2009 e minha promessa de vingança acabou frustrada, já que ninguém se responsabiliza pelo espaço e não temos acesso a ele, pois teoricamente só podemos entrar mediante autorização e nenhum dos órgãos consultados sabe se tem essa autoridade ou não.
Vemos, também, uma cidade antes da macrodrenagem da bacia do Una, com suas palafitas, com seus calhambeques, Fuscas e Brasílias (o que quase dá no mesmo), seus moradores usando calças compridas e camisas de botão, suas crianças brincando na rua e a Pedra do Peixe funcionando a pleno vapor. A Belém de então não era a pátria do setor supermercadista, onde hoje se compra quase tudo.
Enfim, um mundo que aos poucos vai-se perdendo e se tornando surreal. Gostei de ver o vídeo. E de saber que, no passado, os jovens escutavam canções sobre estudar História. Além disso, ficamos sabendo que Amy Winehouse não foi nada original em sua maquiagem de olho egípcio.

sábado, 27 de agosto de 2011

Quem escreve morre

Em abril deste ano, meu amigo Bruno Brasil me apresentou a um poema que conhecera no livro que lia, naquele momento. O fato ensejou esta postagem aqui. Foi a primeira vez que ouvi falar em Roberto Saviano, mas acabei me concentrando mesmo no poema e em seu autor, Danilo Dolci.

Já agora em agosto, Bruno pôs o livro de Saviano, A beleza e o inferno, em minhas mãos. Convivendo comigo no ambiente docente e lendo o blog, aprendeu sobre os meus valores e concluiu que eu precisava ler este livro, que classificou como uma porrada que devemos levar, se quisermos conhecer o mundo um pouco melhor, ainda que isso nos custe a perda de uma parcela da beleza.

Não posso falar sobre o livro sem antes lhes apresentar o autor.
Roberto Saviano é um jornalista que se tornou escritor, que no próximo dia 22 de setembro completará 32 anos. É mais novo do que eu e me provoca a sensação de que perdi a oportunidade de dar à minha própria vida um sentido mais útil, que extrapole o entorno do nosso umbigo. Aos 25, iniciou uma minuciosa pesquisa sobre a máfia napolitana, a conhecida Camorra, e as histórias estarrecedoras que conheceu se convolaram no romance Gomorra, posteriormente adaptado para o cinema numa corajosa produção independente (dir. Matteo Garrone, 2008), que venceu o grande prêmio de Cannes, dentre outros prêmios, no mesmo ano.

Ao denunciar como a máfia está entranhada em tudo na Itália, notadamente nos governos e demais setores do poder público, e alcançar ampla divulgação de seu livro e depois do filme nele baseado, Saviano se tornou perigoso para essa superorganização criminosa. Sua morte foi decretada e ele, desde 13.10.2006, com apenas 27 anos, passou a viver escondido, sob cuidadosa escolta policial. Ao menor vacilo, morrerá. E ao contrário do escritor britânico de origem indiana Salman Rushdie (64) condenado à morte por uma fatwa do nefasto Aiatolá Khomeini em 1989, por causa de seu livro Os versos satânicos , são os próprios conterrâneos de Saviano o seu povo, por assim dizer que desejam a sua morte.

Agora que você já sabe quem é o jovem autor, pode compreender que A beleza e o inferno é uma compilação de textos, escritos ao longo de alguns anos, sendo dois inéditos e os demais publicados em veículos diferentes, por isso que agora modificados, para dar organicidade a essa publicação.
Saviano entrevistado por Ilze Scamparini,
para a GloboNews. Vídeo disponível no YouTube.
Os artigos são uma conclamação à ação e um protesto, indisfarçavelmente furioso, a uma Itália que não reage. Em "Carta à minha terra", o jovem demonstra sua perplexidade nestes termos:

E eu me pergunto: na terra de vocês, na nossa terra, já faz vários meses que um pequeno grupo de pistoleiros anda por aí sem ser perturbado, massacrando, sobretudo, pessoas inocentes. São cinco, seis pistoleiros, sempre os mesmos. Como é possível? Me pergunto: como esta terra se vê, como se representa a si mesma, como se imagina? Como vocês imaginam a sua terra, a sua cidade? Como se sentem quando vão trabalhar, passear, quando fazem amor? Vocês se questionam sobre esse problema, ou para vocês basta dizer: "Sempre foi assim e sempre será assim"?

Saviano não se conforma com o conformismo de seus patrícios. Eu, que não me vejo resistindo a um governo  ditatorial ou a organizações criminosas que mandam em governos, considero-o duro demais, ao exigir quase o impossível de gente comum. Mas como censurá-lo? Como não compreender quem vive como ele vive, quem perdeu tudo o que perdeu (menos a vontade de continuar enfrentando a máfia) e termina seu livro desejando o perdão de sua família, "por tudo que foi e é obrigada a passar por culpa minha"?

Os ensaios contam histórias bonitas e tristes, de superação e desesperança, envolvendo personagens desconhecidos do público em geral, alienado e consumista de modas, como Miriam Makeba, Vittorio de Seta, Michel Petrucciani, Clemente Russo, Giancarlo Siani, Enzo Biagi, Beppino Englaro, Felicia Bartolotta e Anna Politkovskaia. Mas encontra espaço também para um Lionel Messi e para Joe Pistoni, que é mais conhecido por seu codinome, Donnie Brasco, personagem-título de um filme de Mike Newell (1997), com Al Pacino e Johnny Depp nos papeis principais.

Mas o livro se dedica a explicar os negócios da máfia. O mais impressionante deles, tornar a região da Campânia um depósito de lixo tóxico, o que tem aumentado dramaticamente a incidência de diversos tipos de câncer entre a população. Mas também há o controle do cimento (ninguém constroi nada sem negociar com os mafiosos que fabricam e vendem o cimento), a exploração de obras pós catástrofes naturais e o narcotráfico. Além da corrupção, velha conhecida nossa.
Honestamente, depois deste livro, nem tenho mais tanta vontade de visitar a Itália, particularmente o sul (o norte é mais decente). Quando penso que pagar um hotel, um táxi, comprar um souvenir ou uma refeição pode dar dinheiro para um clã mafioso, fico enjoado. Que pena para esse país, meu Deus!

Não há muito como explicar. Você precisa ler. A menos, claro, que não se importe.

Absolvição questionada

Outro questionamento que recebi foi quanto à postagem "Absolvição", da quinta-feira passada. Ela se refere ao caso da mulher que matou o próprio pai depois de ser estuprada por ele desde os 9 anos de idade e ter com ele 12 filhos. Como disse, para o público em geral a decisão teve um efeito de lavar a alma. Mas o leitor Gabriel Parente, que foi meu aluno e não tem muita simpatia pelo Ministério Público, questionou a atitude do promotor de justiça, que pediu a absolvição da ré para, em seu entendimento, "satisfazer a sociedade com posições humanitárias e politicamente corretas". Na verdade, o grande questionamento de Gabriel é como foi possível absolver a autora intelectual do crime se os dois executores foram condenados e se encontram cumprindo pena.
Inicialmente, respondo a Gabriel quanto ao fato de o MP instaurar uma ação penal e depois pedir a absolvição do réu. Não há qualquer inconveniente nisso. Quando a denúncia é oferecida, parece ao órgão ministerial, a partir de elementos idôneos, que certa pessoa pode ser autora do crime. Mas isso é uma hipótese plausível, não uma certeza. A certeza só virá, se vier, após a instrução processual. E se ela não vier, o mais correto é que o próprio denunciante reconheça a fragilidade da imputação e peça a absolvição do réu. Aliás, é interessante que a Constituição de 1988 mudou a nomenclatura "promotor público" para "promotor de justiça", o que pode ser interpretado como a intenção de mostrar que a função do Parquet não é e nem deve ser acusar (como muitos integrantes da instituição, ridiculamente, ainda pensam ser), mas aplicar corretamente o Direito, inclusive o penal, ainda que isso implique em pedir absolvições ou benefícios para os acusados ou condenados.
Neste caso, a irresignação de Gabriel não tem a ver exatamente com o pedido de absolvição, mas com o seu fundamento: reconhecer que a ré agiu de forma não reprovável (ausência de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, o que é um conceito técnico e pode não ser corretamente compreendido por quem não seja iniciado no Direito Penal).
Para entender melhor o caso, é preciso destacar que o pedido de absolvição feito pelo promotor, aparentemente, não se prendeu apenas ao passado (a mulher reagiu a uma vida de maus tratos, violação e anulação), mas atentou para um risco iminente: consta que o homem pretendia estuprar uma de suas filhas-netas. Assim, como já aconteceu tantas vezes antes, a vítima suporta a violência que sofre, mas se rebela quando percebe que a violência atingirá alguém que ela ama, ainda mais uma filha.
Naturalmente, para que a tese de inculpabilidade prevalecesse, pelos motivos alegados, seria necessário demonstrar que a mulher não dispunha de outros meios para prevenir o estupro, mas os fatos denotam o contrário. Afinal, se ela foi capaz de contratar dois assassinos de aluguel, decerto que teria acesso a outras opções, inclusive fugir. Tecnicamente, a tese ministerial é estranha e pouco crível, mas é exatamente assim que se faz o tribunal do júri: afastando a técnica para julgar de acordo com os valores e sentimentos do lugar onde aconteceu o fato. Não justifica, mas talvez ao menos explique. A grande surpresa, mesmo, é esse caminho ter sido trilhado pelo Ministério Público.
Destaco, ainda, que qualquer julgamento moral sobre a mulher que passou décadas sendo violada e deu fim a esse ciclo com um homicídio é pernicioso. Sei que, por impulso, perguntarão por que ela não fugiu, não matou antes ou tantas outras coisas. É a síndrome de Estocolmo, provavelmente, que leva a vítima a desenvolver uma relação de tanta dependência com seu agressor, que não foge mesmo quando pode. Por isso mesmo, recomendo mais uma vez a leitura do livro Tigre, tigre, sobre o qual já escrevi.
Em suma, este caso de simples não tem nada. E demonstra por que o Direito Penal apaixona, mesmo que tudo em seu redor seja tão feio e triste.

Do mundo, alma e vida é o amor!

Fazia algum tempo que eu não escutava, mas ontem, enquanto me dirigia para a faculdade, me permiti o prazer de escutar árias de ópera e dei, como costumava fazer, especial atenção à cativante interpretação do saudoso José Carreras a uma das mais famosas árias de Andrea Chénier, de Umberto Giordano (1867-1948).
Quando a conheci, ela se tornou minha ária favorita para voz masculina. O motivo dessa adoração você poderá compreender se prestar atenção à letra. Ou melhor, ao libreto de Luigi Illica.
Você pode ver, pelo YouTube, à interpretação a que me refiro.

Un dì all'azzurro spazio guardai profondo
Um dia contemplei profundamente o céu azul
E ai prati colmi di viole, pioveva l'oro il sole
E nos prados cobertos de violetas, o sol chovia ouro 
E folgorava d'oro il mondo
E fulgurava de ouro o mundo
Parea la terra un immane tesor
A terra parecia um imenso tesouro
e a lei serviva di scrigno il firmamento.
E a ela o céu servia de escrínio 
Su dalla terra a la mia fronte 
Subia da terra, à minha frente
veniva una carezza viva, un bacio
Como que uma carícia viva, um beijo 
Gridai vinto d'amor: 
Gritei, vencido de amor:
T'amo, tu che mi baci, divinamente bella, 
Te amo, tu que me beijas, divinamente bela,
o patria mia! 
ó minha pátria!
E volli pien d'amore pregar! 
E quis, tomado de amor, rezar! 
Varcai d'una chiesa la soglia
Cruzei a porta de uma igreja
là un prete ne le nicchie 
Lá, um padre, nos nichos
dei santi e della Vergine
dos santos e da Virgem 
accumulava doni
acumulava donativos 
e al sordo orecchio
E à surda orelha 
un tremulo vegliardo 
um velho trêmulo
invan chiedeva pane
em vão implorava pão 
e invano stendea la mano! 
e em vão estendia a mão!
Varcai degli abituri l'uscio
Entrei pelas portas das casas 
un uom vi calunniava
Vi um homem caluniando 
bestemmiando il suolo 
praguejando contra o solo
che l'erario appenza sazia 
que o tesouro mal pagava
e contro a Dio scagliava 
e contra Deus blasfemava
e contro agli uomini 
e contra todos os homens
le lacrime dei figli. 
as lágrimas dos filhos.
In cotanta miserie la patrizia prole che fa? 
E com tanta miséria, o que fazem os ricos?
Sol l'occhio vostro esprime umanamente qui 
Somente os seus olhos exprimem humanamente aqui
un guardo di pietà, ond'io guardato ho a voi 
um olhar de piedade, por isso eu a olhei
si come a un angelo. 
como a um anjo.
E dissi: ecco la bellezza della vita! 
E disse: eis a beleza da vida!
Ma, poi, a le vostre parole, 
Mas depois de vossas palavras
un novello dolor m'ha colto in pieno petto. 
Uma nova dor me atingiu em pleno peito.
O giovinetta bella
Ó bela jovem
d'un poeta non disprezzate il detto: 
não desprezeis as palavras de um poeta
Udite! Non conoscete amor
Ouvi! Não conheceis o amor 
Amor, divino dono, non lo schernir
Amor, dádiva divina, não o desprezeis
del mondo anima e vita è l'amor! 
Do mundo, alma e vida é o amor!

Liberdade com requisitos

Na quarta-feira passada, publiquei a postagem "Liberdade para Cacciola", na qual mencionei que Salvatore Alberto Cacciola estava em vias de ser posto sob livramento condicional. O ex-proprietário do Banco Marka foi condenado a 13 anos de reclusão (pena depois reduzida, salvo engano, para 12 anos), por crimes de peculato e de gestão fraudulenta de instituição financeira, ou seja, delitos contra o sistema financeiro nacional, o que se insere no conceito geral de "crime de colarinho branco".
Naquela postagem, afirmei que a liberação de Cacciola "expressa apenas o cumprimento das leis vigentes no país". No entanto, alertado pelo comentarista Daniel Giachin, que também é advogado, percebi que existe um sério problema nessa história.
Nos precisos termos do art. 83 do Código Penal, três são os requisitos para que um condenado obtenha livramento condicional:

  • cumprimento de uma fração da pena, que varia conforme o apenado seja ou não reincidente e esteja condenado por um delito hediondo;
  • mérito, aferido pelo bom comportamento carcerário, desempenho no trabalho oferecido na prisão (se houve um, o que é menos comum) e "aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto";
  • e a reparação do dano causado pela infração, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo.
Como bem destacam Giachin e a própria reportagem em que me baseei, as operações ilegais de Cacciola causaram um prejuízo em torno de 1,5 bilhão de reais, que nunca foram devolvidos aos legítimos donos. Claro. No final das contas, acabamos por retornar à velha máxima: Direito Penal é mesmo só para pobre. Pode até acontecer, a cada passagem do cometa, de um rico ser preso, mas aquele velho aforismo de que o crime não compensa é balela. Neste país, quem enriquece ilegalmente pode até ser punido, mas não fica pobre.
Confisco dos bens obtidos de forma ilícita, embora seja previsto expressamente no Código Penal, é algo que recai sobre narcotraficantes, mesmo medalhões como Juan Carlos Abadía, que em última análise são nada mais do que pobretões que ganharam dinheiro às custas do crime e da violência, tornando-se poderosos pela força, mas sendo sempre clandestinos. Não posam em colunas sociais nem frequentam os grandes eventos da sociedade. Não saem nas revistas de glamour. Este é o universo de Cacciola e quem está nesse meio nunca tem os bens confiscados. Como disse na postagem anterior, ele voltará para casa milionário e feliz.
Por desconhecer os dados do caso concreto, notadamente no que tange à decisão proferida pelo juízo da execução penal, não posso esclarecer porque o livramento condicional foi concedido sem que a última exigência fosse realizada. Só posso dizer que as desigualdades do sistema se confirmam todo dia.
E ainda há quem negue.

Afastamento da servidora

O deputado estadual Edmilson Rodrigues, aparentemente o único dentre os nossos parlamentares que realmente encampou a batalha pela apuração dos crimes que compõem o chamado "escândalo ALEPA", concedeu entrevista ao Jornal Liberal de hoje (o grupo ORM dando voz ao Edmilson... deve ser o fim do mundo!) dizendo que a servidora Daura Hage não poderia voltar ao trabalho, porque ré em ação penal.
De imediato, pensei comigo que o deputado estava errado, eis que o processo penal não determina o afastamento do réu de seu trabalho; se ele responde ao processo em liberdade, conserva todas as prerrogativas inerentes à liberdade.
Na continuidade da matéria, contudo, é informado que o fundamento da afirmação, repetida por um dos promotores de justiça encarregados do caso, Nelson Medrado, não é a legislação processual, e sim o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Estado do Pará (Lei estadual n. 5.810, de 1994). Com efeito, há mesmo um dispositivo prevendo essa medida:

Art. 29. O servidor preso em flagrante, pronunciado por crime comum, denunciado por crime administrativo, ou condenado por crime inafiançável, será afastado do exercício do cargo, até sentença final transitada em julgado.

§ 1° Durante o afastamento, o servidor perceberá dois terços do vencimento ou remuneração, tendo direito à diferença, se absolvido.

§ 2° Em caso de condenação criminal, transitada em julgado, não determinante da demissão, continuará o servidor afastado até o cumprimento total da pena, com direito a um terço do vencimento ou remuneração.

Abstraindo-se a imperfeição técnica do texto, a servidora se enquadra na condição de denunciada por "crime administrativo". Claro que não existem "crimes administrativos". O leso que redigiu esse texto sofrível decerto quis dizer "crime contra a Administração Pública".
Mas o fato de haver norma não significa que ela esteja de acordo com a Constituição. Em princípio, a lei em tela versa sobre Direito Administrativo, o que pode ser objeto de lei estadual. O problema é que o acusado começa a sofrer penalidades durante o processo, antes de haver culpa formada, o que não me parece adequado ao princípio do estado de inocência. Some-se a isso o fato que já mencionei: se está em liberdade, não pode sofrer constrangimentos a sua liberdade e, em especial, ao seu direito de auferir renda mediante o seu trabalho, de que em tese depende para sua subsistência. Além disso, toda a família, que usufrui dessa renda, acaba sendo penalizada.
Sei que o caso traz uma questão específica: como se trata de crimes relacionados ao mau exercício da função, o retorno ao serviço implica em recolocação no ambiente e nas condições que permitiram o suposto delito e ameaça as provas a serem produzidas, além de criar um compreensível sentimento de perplexidade no público. O melhor seria, portanto, realocar a servidora, colocando-a em função e local que a impedisse de praticar qualquer ato nocivo à instrução processual.
Sinceramente, se eu fosse defender alguém nessa situação, alegaria a inconstitucionalidade dessa norma. E levaria o caso até o STF, se preciso. O engraçado é que o § 2º assegura ao réu condenado em definitivo um terço de sua remuneração, durante todo o cumprimento da pena. Uma estranha benesse, porque obriga o contribuinte a suportar o ônus daquele que delinquiu. A meu ver, a providência correta seria suspender o vínculo entre o servidor condenado e a Administração, assim como um trabalhador da iniciativa privada, durante o cumprimento de pena, fica com o contrato de trabalho suspenso, se não for dispensado.
Em suma, trata-se de uma norma que merece maior reflexão.

Em tempo
Como sempre aparecem os doidinhos por aqui, esclareço que a análise acima (se é que chega a ser uma análise, pois já estou com sono; são 0h57!) é estritamente jurídica. Não estou defendendo a servidora, pessoa que não conheço nem me desperta a menor simpatia. É só uma questão de examinar se o Direito deixou de ser um bom Direito.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Incompatível com a advocacia

Evito críticas muito pessoais aqui no blog, mas não posso deixar de lamentar a conduta da advogada de uma das principais acusadas de crimes no escândalo da Assembleia Legislativa do Pará, que ontem simplesmente perdeu o controle diante de uma equipe da TV Liberal e passou a se comportar como uma adolescente surtada, gritando e agarrando o braço da repórter, que insistia em fazer perguntas à acusada.
Está certo que jornalistas são uma raça que tira qualquer um do sério e o objetivo na ALEPA, ontem, parecia ser exatamente esse, já que existem as costas largas da imprensa e ninguém por lá vai querer sofrer acusações de causar embaraços à informação pública, tanto que o presidente da casa não deu um pio e permitiu que a equipe de reportagem se instalasse no prédio. Também se sabe que é dever do advogado zelar pelo interesse de seu constituinte, mas como fazê-lo perpassa a questão da ética profissional.
Segundo o Estatuto da Advocacia, "o advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia" (art. 31). Além disso, constitui infração disciplinar "manter conduta incompatível com a advocacia", entendendo-se como tal, dentre outras, a "incontinência pública e escandalosa" (art. 34, XXV e parágrafo único, "b").
O que me deixou estupefato com a advogada foi o fato de ela, ao perceber que a perseguição a sua cliente não cessaria, ter começado a gritar (deduzo que a policiais que fazem a segurança do local), repetidas vezes, "Prendam estes dois em flagrante!"
Para começo de conversa, a advogada não dá ordens dentro da ALEPA. Mas acima de tudo, flagrante de qual crime???!!!
Por mais inconvenientes que os repórteres pudessem ser, é fato que não cometeram crime algum, de modo que a advogada exigiu fosse praticado um flagrante e estrepitoso abuso de autoridade, o que felizmente não aconteceu. Adiante, ao tentar fechar o portão de acesso ao estacionamento na cara da equipe, a jornalista Jalília Messias reagiu: "A senhora não é advogada? Que comportamento é esse?"
A advogada ficou visivelmente surpresa com a admoestação e não respondeu. Ou seja, destemperou-se e foi aniquilada pela jornalista, publicamente.
A classe dos advogados já não goza do maior prestígio na sociedade (o que é uma injustiça e um clichê), mas sem dúvida que situações como esta comprometem a nossa credibilidade. É uma pena.

Só não digo o que farei

O governador Simão Jatene interpretou o seu personagem ontem, em entrevista à televisão, na qual mostrou a sua indignação-cidadã frente ao caso dos bebês mortos numa situação de possível omissão de socorro na Santa Casa. Falou com aquela eterna voz empostada, meio sussurrada, que tenta demonstrar a grandeza de seus sentimentos.
Esqueceu-se Sua Excelência, todavia, que não é um cidadão comum, mas a pessoa que, neste momento, deve responder mais do que qualquer outra pelo ocorrido. E deveria fazê-lo abandonando o típico estilo PSDB de falar muito e nada dizer, porque se limitou a bradar que o episódio não deve ser minimizado e que "todos devem se indignar". Ótimo, já estamos indignados. Agora falta o pescador, que ainda não começou a governar, dizer quais ações concretas serão tomadas para melhorar a saúde pública no Pará ou, pelo menos, naquele hospital. Sobre isso, não foi dito nada.
Não foi dito, p. ex., quando será inaugurado o novo bloco da Santa Casa, cujas obras, se avançam, avançam num ritmo lerdo, incondizente com um local onde um motorista de ambulância já subiu no veículo, em plena rua, para clamar por socorro para uma criança doente. As ações concretas não podem limitar-se a queimar a presidente da Santa Casa, moço. Isso gera reações emocionais, mas não resolve nada.

Acréscimo em 27.8.2011
O amigo André Coelho forneceu o link para a entrevista exibida pela TV Cultura (que é estatal). Pude revê-la e fiquei ainda mais irritado, pela insistência do governador em se colocar no mesmo nível dos demais paraenses, o que ele faz de forma declarada, além de apelar para o velho argumento de que é um servidor público. Por meio dele, dá a entender que a saúde pública no Estado é quase uma questão de atitudes pessoais.
Somente no final ele se recorda de sua condição de governador, mas permanece em cima do muro, como convém a um tucano. Diz que o dever de casa sobre a saúde está "sendo feito, muitas vezes silenciosamente". E por meio desse discurso cretino, não esclarece quais ações estão sendo efetivamente implantadas em favor da saúde pública no Pará. Patético.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Absolvição

Correrei o risco de afirmar que a grande maioria das pessoas concordará com a absolvição da mulher que matou o próprio pai, após uma vida de abusos sexuais, que começaram quando ela tinha apenas 9 anos de idade. Por causa disso, ela teve 12 filhos incestuosos. No final das contas, não é exagero dizer que toda a sua vida lhe foi roubada, porque perdeu parte da infância e tudo o que se seguiu. Perdeu a chance de escolher seus amores e de decidir sobre seu corpo, sobre constituir família, sobre ter filhos.
Estou racionalizando, claro. É muito difícil contextualizar um caso como este.
O que me surpreendeu foi o próprio Ministério Público ter pedido a absolvição da ré. Devido ao terrível ranço acusatório ainda existente, impressiona-me o senso de humanidade do promotor, ao defender a tese de inexigibilidade de conduta diversa e reconhecer que a ré era pobre e analfabeta (o que reduz suas possibilidades de reagir ao problema por meios menos grotescos), ainda mais em se tratando de um crime encomendado. Ele invocou a sua consciência para pedir a absolvição. Bonito.
No final, o júri absolveu a mulher. Todos os votos declarados foram favoráveis a ela. O veredito provocou reações de euforia na plateia, o que evidencia um dos aspectos mais curiosos do tribunal do júri. A existência desse controverso órgão jurisdicional se justifica pelo desejo de humanizar a justiça, permitindo que os crimes dolosos contra a vida sejam julgados pela sociedade diretamente afetada pelo crime, e não apenas por um juiz de carreira, com seu pretenso distanciamento dos fatos. O argumento precisa ser menos técnico e mais humano.
Neste caso, parece ter sido o que efetivamente aconteceu.

Conheça o caso: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2011/08/juri-absolve-mulher-que-mandou-matar-o-pai-com-quem-teve-12-filhos.html

De talonário na mão

Em meados de junho, apareceu um gualdinha da CTBel em frente à escola da Júlia. Ficava lá, exercendo a sua nobre função de apitar, porque não posso considerar como educativa a conduta de quem não se aproxima dos condutores, não conversa com eles e não lhes diz o que pode e o que não pode ser feito. Mas o que me irritava mesmo era a sua absurda tolerância com os delinquentes da fila dupla: apitava para eles, porém permitia que continuassem obstruindo a passagem.
Veio o mês de julho, começou agosto e, nesta semana, pintaram uma faixa de segurança em frente à escola. O gualdinha voltou, mas agora de talonário de multas na mão. As autuações começaram. Para a CTBel, provavelmente, a fase de mera advertência acabou. Ontem, havia uma certa confusão no local, no horário da saída, segundo me relatou minha mãe, que foi buscar Júlia.
Está tudo errado. Primeiro, porque jamais deveria ter havido tolerância com as infrações de trânsito. As normas de circulação são antiquíssimas e as necessidades da cidade são de todos conhecidas. Acho infame essa palhaçada de conceder um prazo para o infrator se adequar, em relação a algo que ele sempre soube que não podia fazer. O segundo erro está na ausência de procedimentos verdadeiramente educativos. O terceiro erro está em multar os infratores, porém não desenvolver ações concretas para impedir a obstrução da rua. Tem gente que, ciente de ter sido autuada, aproveita para atrapalhar a vida alheia pelo tempo que desejar.
Mas o maior de todos os erros está, claro, na postura incivilizada e mesquinha de quem se acha melhor do que os outros. E, claro, quer justificar o seu mau caratismo, além de invocar supostos direitos. Recordo-me que, em junho, um pai revoltado exigiu da coordenadora escolar, quase aos gritos, providências contra a CTBel, como se a escola tivesse algum poder sobre o que acontece fora de seus muros e como se a CTBel não estivesse, naquele momento, apenas cumprindo a sua missão institucional. Só num mundo muito doido, mesmo.
Minha posição é há muito conhecida: tomara que multem mesmo, em frente a todas as escolas da cidade. Sem pena. É a única chance de diminuírem um pouco os engarrafamentos absurdos e desnecessários que se formam nesses locais.

Pelo visto

A julgar pelas manifestações através do Facebook, desta vez a imprensa não emplacou a sua versão dos fatos, no caso da morte dos bebês gêmeos, na Santa Casa de Misericórdia. A técnica de demonização pública aparentemente não funcionou em relação à obstetra Cynthia. Não falta solidariedade à família enlutada nem indignação quanto à crônica omissão estatal no campo da saúde. Mas o pré-julgamento da profissional não foi bem assimilado. Os adjetivos dedicados à imprensa local não são lá muito lisonjeiros.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Quando o leitor é virtuoso...

...a crítica é construtiva.
Em 18 de maio último, publiquei uma postagem (Uma perspectiva de isonomia) tentando esclarecer minha posição pessoal sobre o modo como o sistema de justiça criminal trata desigualmente ricos e pobres, haja vistar estar sendo acusado de propor a execração dos ricos e a libertinagem para os pobres.
Mais de três meses depois, um dos comentaristas que me replicou respondeu, nestes termos:


Não por despeito, mas pela correria que aflige tanto você quem escreve, como aos que comentam, havia esquecido de comentar que adorei a resposta sobre a punibilidade em geral, sem discriminação de classes. Fiquei muito satisfeito com a resposta, e peço perdão pela minha postura diante das acusações que lhe fiz. Entendi completamente a sua perspectiva. Me recordei dessa postagem com base no post de hoje, sobre o banqueiro, que, para mim, foi um dos únicos a assumir suas contas com a justiça. Veremos o desfecho do caso dele também. Parabéns pelo blog.

Fiquei muito feliz com a inteligência, boa educação e sensatez desse leitor, que ainda preferiu não se identificar. Disse a ele que seria magnífico se todos os críticos tivessem um perfil assim, pois acredito que todos cresceríamos com os bons debates que surgiriam.
Fica registrado o meu respeito.

Liberdade para Cacciola

Quando escrevi sobre o fato de o jornalista Pimenta Neves estar condenado por homicídio qualificado, porém livre, há anos, um comentarista anônimo (claro) me acusou de ter ódio dos ricos e querer que eles se deem mal por simples espírito de inveja ou vingança (???). Acusou-me de ser leniente com os bandidos pobres, a quem provavelmente considera "vagabundos".
A verdade é que me revolta o tratamento diferenciado e descarado entre ricos e pobres, devidamente assegurado por todas as instâncias dos poderes públicos. Isso viola a ética, a Constituição, as leis e o Estado Democrático de Direito. Afora isso, não tenho ódio de nenhum rico, somente por isso.
Resulta daí que não lamento a concessão de liberdade condicional para Salvatore Alberto Cacciola, ex-proprietário do Banco Marka, que realizou operações financeiras ruinosas para um sem número de correntistas. Estes correntistas, por sinal, devem enfrentar as consequências do caso, que eclodiu em 1999, até hoje. Mas Cacciola com certeza permanece rico e usufruirá de sua condicional com todas as comodidades e prazeres que o dinheiro pode comprar, inclusive quando alheio.

Mesmo preso, Cacciola conservava
o bom humor. Legal.
 Não lamento sua liberdade, que deve consumar-se ainda hoje, porque expressa apenas o cumprimento das leis vigentes no país. Presos de bom comportamento merecem o livramento condicional, após certo prazo da execução. Simples assim. Até mesmo apenados pobres e presumidos vagabundos conseguem condicional, então por que Cacciola não a mereceria?
Seja como for, através do precedente de um criminoso de colarinho branco enfiado no Complexo Penitenciário de Bangu (no total, considerando os dez meses recolhido no Principado de Mônaco, passou quase quatro anos preso!), ficaremos com a ilusão de que o sistema de justiça criminal, às vezes, apenas às vezes, funciona mais ou menos como se espera que funcione.
E a vida segue.

Guias de adultério e etc.

Todos os anos, quando se aproxima o aniversário do blog, bate-me um saudosismo e começo a rever textos antigos, pensando se eles ainda espelham quem sou. Se não, ficam as análises sobre o que mudou em mim nesse meio tempo. E mudou bastante, já que nesse período me tornei pai e isso, por si só, é uma das maiores transformações que alguém pode vivenciar.
Revi as primeiríssimas postagens e me deparei com um inusitado momento de bom humor, quando o blog tinha apenas uma semana de existência. Foi no dia 7.9.2006, data em que publiquei o Guia do adultério masculino e, claro, o Guia do adultério feminino.
Pedi sugestões para ampliar os guias. É curioso que nenhum homem fez qualquer sugestão, mas apareceu uma mulher criativa...

***

Bem mais recentemente, em 16.7.2009, meu bom humor voltou à carga e me saí com umas piadinhas datadas, que só serão plenamente entendidas por quem se lembrar dos assuntos que dominavam os noticiários da época. Quem se lembrar talvez ainda se divirta. Mas mesmo quem não se lembrar pode me oferecer outras sugestões. A postagem é "Vagabundo".

***

Mas eu ri de mim mesmo (o que não é nada fácil) ao reler Saraiviana, de 7.2.2008.

Estoura no plantão

Alguns anos atrás, advoguei para o Sindicato dos Médicos, inclinando-me, como é previsível, para uma orientação e assistência em questões ligadas ao Direito Penal. É cada vez maior o número de acusações contra os profissionais de saúde, inclusive em situações nas quais salta aos olhos que os mesmos não mereciam qualquer acusação. Já naquele momento ficou claro, para mim, que as mazelas da saúde (principalmente da pública) são muitas, mas a corda vai mesmo estourar nas costas do médico que estiver de plantão no momento de um incidente. Para muitos, isso é, literalmente, estar no lugar errado na hora errada. Mas como esse lugar errado é o local de trabalho de um profissional, ele acaba não tendo muito como se defender.
Refletia sobre isso ontem, quando via a reportagem sobre a morte dos dois bebês, alegadamente por omissão de socorro, na Santa Casa de Misericórdia. O fato resultou na ida forçada da obstetra de plantão à delegacia de polícia, para prestar esclarecimentos. Ela deu sorte de que omissão de socorro é uma infração de menor potencial ofensivo. Fosse em outros tempos, poderia ter sido presa. Mas uma coisa não mudou: o pré-julgamento. A delegada responsável disse que tudo indica ter havido mesmo omissão de socorro. Curiosa e contraditoriamente, porém, em seguida falou que o conhecimento dos fatos depende dos laudos necroscópicos. E depende mesmo. Se, por hipótese, a perícia confirmar a versão já suscitada de que os bebês nasceram mortos, a omissão de socorro seria materialmente impossível (a menos que tivessem morrido in utero no período em que a família peregrinou em busca de atendimento).
Para complicar, a médica afirmou que não estava de plantão e mesmo assim atendeu a paciente, só não autorizando a internação por ausência de leitos, sendo que a então presidente da casa de saúde, afastada ontem, confirmou que havia uma orientação nesse sentido, tratando-se portanto de deliberação da administração superior, não dos médicos. Fica difícil falar em omissão da obstetra, nesses termos. Mas foi ela que acabou na delegacia, sendo filmada.
Esclareço que não conheço nenhuma das pessoas envolvidas nesse triste acontecimento. Não tenho simpatia ou antipatia por nenhuma delas, salvo a natural solidariedade aos familiares dos bebês mortos. Falo por razões profissionais, pois me recordo que a polícia adorava arrancar médicos de seus plantões, para conduzi-los coercitivamente às delegacias. O abuso de autoridade não era contido nem mesmo pelo fato de desguarnecer o hospital, deixando outros pacientes sem atendimento, mesmo em horários de pico. E agora nos chega a notícia de que um promotor de justiça militar deu uma ordem à corporação: deter os médicos em toda situação de aparente omissão, sob pena de responder ele mesmo.
Escreva aí: os abusos e a truculência vão se multiplicar. Muitos profissionais corretos vão acabar sofrendo as consequências das más decisões administrativas, da má aplicação dos recursos, da tendenciosa exploração midiática e da irracionalidade punitiva. Esperar antes de acusar não é apenas prudente, como também uma obrigação jurídica. Em casos assim, essa exigência salta aos olhos.

Notícias do Pará

Há meses convivemos com o escândalo da Assembleia Legislativa, que implicou no locupletamento mais safado por parte de muitas pessoas, ao longo de vários anos.
Depois veio o imbróglio da OAB, que tem dominado a mídia e causado constrangimentos para todos os lados envolvidos.
Nos últimos dias, uma nova ação do Ministério Público Federal contra a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte e uma nova onda de protestos trouxeram à tona as mazelas sociais da região, a persistência de um modelo de grandes projetos que até a mais tosca ameba sabe ter sido lesiva para a Amazônia, além do apoio indecente ao governo federal ao projeto que, segundo consta, nem vai gerar toda a energia que se espera.
Nesse meio tempo, assassinaram dois extrativistas, aumentando a inglória lista de mortos no campo, que se torna ainda mais vergonhosa porque a maioria desses crimes acaba sem punição (notadamente dos mandantes) e porque são mortes anunciadas, desvelando a omissão do poder público em proteger pessoas ostensivamente ameaçadas.
Agora morrem duas crianças prematuras na porta da Santa Casa de Misericórdia, o que remete à morte de mais de duas centenas de bebês em 2008 e se soma a outros episódios trágicos naquele mesmo hospital e no Pronto Socorro, evidenciando o descalabro em nossa saúde pública.
Como se tudo isso não bastasse, as propostas de divisão do Estado demonstram a falta de identidade do povo, o atraso histórico de muitas regiões e o descaso governamental crônico. Quando a campanha esquentar de verdade, não duvide que haverá pancadaria nas ruas.
Esses são os temas por meio dos quais o Brasil tem tomado conhecimento do Pará. Está bom ou quer mais?

Em tempo: O Jornal Nacional no Ar já pousou em Belém para fazer uma reportagem sobre o assunto.

Jornalistas gravam reportagens e dificultam o trânsito
em frente à Santa Casa de Misericórdia.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Onde há fumaça...

Senadora Kátia Abreu (DEM-TO), uma das maiores lideranças da nefasta bancada ruralista do Congresso Nacional, defendendo pautas do Movimento dos Sem Terra?!
Aí tem. Quem souber me contar qual é o malfeito dessa história, por favor me conte.

Pés no chão

Não se trata de falta de solidariedade nem do fato de que amanheci mal humorado hoje, mas acredito que até já externei, aqui no blog, minha impaciência com esses aventureiros, gente que podia estar fazendo coisa mais útil do que arriscar a própria vida. Mas eles insistem em escalar montanhas inacessíveis, pular sobre filas intermináveis de veículos ou, dentre outras sandices, passar de um avião para um helicóptero.
Eventualmente, acidentes acontecem. Aquele pontinho preto que você vê acima do toldo branco é o acrobata Todd Green, que dois dias atrás se desequilibrou durante a manobra e despencou de uma altura de 60 metros. Finou-se. E como convém aos nossos tempos, tudo foi filmado e fotografado. Uma morte devidamente registrada para a posteridade e que o próprio falecido teve a oportunidade de vivenciar em todas as suas emoções, nos brevíssimos instantes entre o escorregão e a colisão.
Mas o que me impressionou mesmo foi a aparente placidez com que o público assiste à morte do rapaz.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Marcha lenta

Se alguém por aí conhecer os proprietários do Hospital Saúde da Mulher, por favor diga a eles que ampliar drasticamente a estrutura física e criar novas opções de serviços é ótimo, mas não adianta muito se não vier acompanhado de qualidade no atendimento ao público.
Na manhã de ontem, minha mãe passou mal e quase desmaiou. Levei-a à emergência daquele hospital, onde a recepção demorou mais de meia hora somente para admiti-la (receber os documentos, consultar o plano de saúde e imprimir a guia). Pondere que, enquanto esses procedimentos não são concluídos, o paciente oficialmente não está na fila de espera do médico. Nunca antes vi tamanha ineficiência. Acostumado que sou a acompanhar meus doentes, posso assegurar que até o Porto Dias (o SUS com piso de mármore) funciona melhor. O Hospital Adventista de Belém, em duas ocasiões distintas, foi primoroso. Ainda que fosse tarde da noite, com menor procura, o atendimento foi imediato. Bastou o atendente encontrar o nome de minha filha no banco de dados, autorizou sua entrada, enquanto eu finalizava os trâmites. Ou seja, priorizou o atendimento sobre a burocracia, como deve ser. O Hospital Guadalupe foi muito mais rápido para internar meu irmão para uma cirurgia (menos de dez minutos).
No final das contas, levamos uma hora até o médico chamar minha mãe. Isso porque era na emergência. Um senhor idoso, que chegou com falta de ar, foi atendido em alguns minutos, mas por séria insistência de parentes.
A sala de espera não estava muito cheia e a maioria das pessoas ali já fora admitida. Por conseguinte, excesso de procura não explica nada. Nem sequer a pintura do espaço, que estava sendo refeita naquele momento. Os dois funcionários que nos recebiam eram insuportavelmente lentos, andavam de um lado para o outro, faziam pausas entre uma tarefa e outra. Quando a funcionária enfim pegou os documentos de minha mãe, passou um tempo enorme consultando sei lá o que na tela do computador. Honestamente, a impressão que me passaram era de não saber exatamente o que faziam.
Graças a Deus, minha mãe teve apenas uma crise de hipoglicemia e se recuperou bem. Aliás, recuperou-se antes mesmo de ser atendida. Se fosse coisa mais séria, sabe-se lá como teria sido.
O elogio fica para o vigilante que nos recebia na porta: um primor de educação e gentileza.

Que vergonha, CTBel!

Quem passar agora pela confluência das avenidas Doutor Freitas e Duque de Caxias/Brigadeiro Protásio verá um pequeno engarrafamento em todas as direções, exceto na pista da Brigadeira Protásio no sentido bairro-centro, onde todos os dias há um engarrafamento de maiores proporções. O motivo é o semáforo, que não está funcionando.
A situação não é pior porque uma viatura da Polícia Militar parou ali e os soldados estão fazendo as vezes de agentes de trânsito: disciplinam o tráfego só com as mãos, já que não dispõem sequer de um apito. Graças a eles, pelo menos se evitou o que normalmente acontece: todo mundo avançando para o miolo do cruzamento, gerando risco de colisões ou simplesmente travando tudo.
Mesmo que se diga que os militares apenas quebram um galho enquanto a CTBel não chega, é uma vergonha para a empresa responsável pelo trânsito na cidade. Afinal, já deveria haver um agente ali há pelo menos uma hora, quando o volume de tráfego já é grande o bastante. Outrossim, na Almirante Barroso com Júlio César, onde a fiscalização é essencial, também não há ninguém. Ou seja, nesta segunda-feira a CTBel decidiu dormir até mais tarde.
O pior é pensar que não se sabe o que é pior: a CTBel estar ou não na rua...

domingo, 21 de agosto de 2011

Puxe uma cadeira

Aquele colunista de negócios, sempre pronto a elogiar o prefeito-desastre destas plagas, noticiou hoje que "chegaram as escadas rolantes e começou a instalação dos estaios no pórtico da cidade, em frente ao Castanheira". E o arremate: "Inauguração no final de setembro".
Para quem não sabe (ou não se lembra, o que é muito compreensível), a nota se refere ao Pórrrrrrrrrtico Metrópole, aquela estrutura portentosa que deve marcar a entrada de Belém, foi a primeira obra anunciada pelo indigitado, quando tomou posse em janeiro de 2005, e que até hoje não está pronta. Se ficará na enésima data anunciada, só perguntando para esse moço aí ao lado. Trata-se de São Tomé, aquele que só acreditou vendo.
Em todo caso, puxe a sua cadeirinha.

Em tempo
Com a aproximação do quinto aniversário do blog, andei revendo algumas postagens de seus primeiros tempos e achei oportuno destacar esta aqui, a quinta que produzi: http://yudicerandol.blogspot.com/2006/09/terrinha.html
Afora ela, já escrevi sobre o célebre "Pórrrrrrrrrtico Metrópole" umas tantas vezes.

sábado, 20 de agosto de 2011

Eu mesmo tive um diário

A primeira vez que engasguei e quase chorei lendo um livro foi quando cheguei à última linha do posfácio de O diário de Anne Frank e li as duas palavras: "Anne morreu". Estava no começo da adolescência e sabia de antemão do que se tratava o livro. Sempre soube que Anne morrera no campo de concentração mas, depois de mergulhar em seu universo infantil, capaz de criar múltiplos mundos mesmo no recesso de um cubículo cercado pelo mais genuíno terror, estava tocado com seus pensamentos, seus desejos, suas emoções. Ainda por cima, o texto relata que a menina enfrentou com coragem a provação, até que sua irmã morreu de tifo, fazendo Anne sucumbir. Morreria pouco depois. Não me conformei com isso.
Pouco tempo depois, comprei Contos do esconderijo, uma compilação de estorietas que também teriam sido produzidas pela adorável menina nos dois anos em que esteve no anexo. Graças a essas duas obras, Anne Frank (por favor, a pronúncia é em alemão, não em inglês!) sempre foi uma escritora para mim e descobrir, somente hoje, que durante anos foi tratada como uma fraude não me deixou nada satisfeito. Ainda se discute se, talvez, o diário tenha sido forjado, a mando do pai Otto Frank, tornando-se um dos mais bem sucedidos golpes publicitários de todos os tempos. Prefiro acreditar que o Instituto Holandês de Documentação para a Guerra está certo e que a Anne que conheci foi exatamente a menina que um dia existiu e cuja morte foi por mim sentida como a de alguém que conheci de fato.

PS O artigo que inspirou esta postagem não se refere a Contos do esconderijo. Mas se Anne foi capaz de escrever os contos, por que não poderia ter também produzido o diário? Ou a compilação é também uma fraude?

Direto da sucursal do inferno

Enfrentar um calor da porra lazarento aqui nesta cidade de Belém do Pará não é nenhuma novidade, mas esta última semana foi simplesmente insuportável. Provavelmente, foram os dias mais quentes de 2011, que começou até generoso, prolongando o período chuvoso.
Mas o segundo semestre é assim mesmo: dá para fritar ovo na calçada, sem auxílio de papel alumínio e de lupa. É só deixar acontecer. Deus me livre, estamos até passando mal!
E esses porcarias não param de levantar prédios e entupir a cidade de carros!
Que saudade de Florianópolis...