Já agora em agosto, Bruno pôs o livro de Saviano, A beleza e o inferno, em minhas mãos. Convivendo comigo no ambiente docente e lendo o blog, aprendeu sobre os meus valores e concluiu que eu precisava ler este livro, que classificou como uma porrada que devemos levar, se quisermos conhecer o mundo um pouco melhor, ainda que isso nos custe a perda de uma parcela da beleza.
Não posso falar sobre o livro sem antes lhes apresentar o autor.
Roberto Saviano é um jornalista que se tornou escritor, que no próximo dia 22 de setembro completará 32 anos. É mais novo do que eu e me provoca a sensação de que perdi a oportunidade de dar à minha própria vida um sentido mais útil, que extrapole o entorno do nosso umbigo. Aos 25, iniciou uma minuciosa pesquisa sobre a máfia napolitana, a conhecida Camorra, e as histórias estarrecedoras que conheceu se convolaram no romance Gomorra, posteriormente adaptado para o cinema numa corajosa produção independente (dir. Matteo Garrone, 2008), que venceu o grande prêmio de Cannes, dentre outros prêmios, no mesmo ano.
Ao denunciar como a máfia está entranhada em tudo na Itália, notadamente nos governos e demais setores do poder público, e alcançar ampla divulgação de seu livro e depois do filme nele baseado, Saviano se tornou perigoso para essa superorganização criminosa. Sua morte foi decretada e ele, desde 13.10.2006, com apenas 27 anos, passou a viver escondido, sob cuidadosa escolta policial. Ao menor vacilo, morrerá. E ao contrário do escritor britânico de origem indiana Salman Rushdie (64) — condenado à morte por uma fatwa do nefasto Aiatolá Khomeini em 1989, por causa de seu livro Os versos satânicos —, são os próprios conterrâneos de Saviano — o seu povo, por assim dizer — que desejam a sua morte.
Agora que você já sabe quem é o jovem autor, pode compreender que A beleza e o inferno é uma compilação de textos, escritos ao longo de alguns anos, sendo dois inéditos e os demais publicados em veículos diferentes, por isso que agora modificados, para dar organicidade a essa publicação.
Saviano entrevistado por Ilze Scamparini, para a GloboNews. Vídeo disponível no YouTube. |
E eu me pergunto: na terra de vocês, na nossa terra, já faz vários meses que um pequeno grupo de pistoleiros anda por aí sem ser perturbado, massacrando, sobretudo, pessoas inocentes. São cinco, seis pistoleiros, sempre os mesmos. Como é possível? Me pergunto: como esta terra se vê, como se representa a si mesma, como se imagina? Como vocês imaginam a sua terra, a sua cidade? Como se sentem quando vão trabalhar, passear, quando fazem amor? Vocês se questionam sobre esse problema, ou para vocês basta dizer: "Sempre foi assim e sempre será assim"?
Saviano não se conforma com o conformismo de seus patrícios. Eu, que não me vejo resistindo a um governo ditatorial ou a organizações criminosas que mandam em governos, considero-o duro demais, ao exigir quase o impossível de gente comum. Mas como censurá-lo? Como não compreender quem vive como ele vive, quem perdeu tudo o que perdeu (menos a vontade de continuar enfrentando a máfia) e termina seu livro desejando o perdão de sua família, "por tudo que foi e é obrigada a passar por culpa minha"?
Os ensaios contam histórias bonitas e tristes, de superação e desesperança, envolvendo personagens desconhecidos do público em geral, alienado e consumista de modas, como Miriam Makeba, Vittorio de Seta, Michel Petrucciani, Clemente Russo, Giancarlo Siani, Enzo Biagi, Beppino Englaro, Felicia Bartolotta e Anna Politkovskaia. Mas encontra espaço também para um Lionel Messi e para Joe Pistoni, que é mais conhecido por seu codinome, Donnie Brasco, personagem-título de um filme de Mike Newell (1997), com Al Pacino e Johnny Depp nos papeis principais.
Mas o livro se dedica a explicar os negócios da máfia. O mais impressionante deles, tornar a região da Campânia um depósito de lixo tóxico, o que tem aumentado dramaticamente a incidência de diversos tipos de câncer entre a população. Mas também há o controle do cimento (ninguém constroi nada sem negociar com os mafiosos que fabricam e vendem o cimento), a exploração de obras pós catástrofes naturais e o narcotráfico. Além da corrupção, velha conhecida nossa.
Honestamente, depois deste livro, nem tenho mais tanta vontade de visitar a Itália, particularmente o sul (o norte é mais decente). Quando penso que pagar um hotel, um táxi, comprar um souvenir ou uma refeição pode dar dinheiro para um clã mafioso, fico enjoado. Que pena para esse país, meu Deus!
Não há muito como explicar. Você precisa ler. A menos, claro, que não se importe.
Um comentário:
Como sempre, um excelente post, Yúdice. Pela tua resenha fiquei realmente instigado a ler a obra. Irei adquirir! Muito obrigado. Abração.
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