A primeira vez que engasguei e quase chorei lendo um livro foi quando cheguei à última linha do posfácio de O diário de Anne Frank e li as duas palavras: "Anne morreu". Estava no começo da adolescência e sabia de antemão do que se tratava o livro. Sempre soube que Anne morrera no campo de concentração mas, depois de mergulhar em seu universo infantil, capaz de criar múltiplos mundos mesmo no recesso de um cubículo cercado pelo mais genuíno terror, estava tocado com seus pensamentos, seus desejos, suas emoções. Ainda por cima, o texto relata que a menina enfrentou com coragem a provação, até que sua irmã morreu de tifo, fazendo Anne sucumbir. Morreria pouco depois. Não me conformei com isso.
Pouco tempo depois, comprei Contos do esconderijo, uma compilação de estorietas que também teriam sido produzidas pela adorável menina nos dois anos em que esteve no anexo. Graças a essas duas obras, Anne Frank (por favor, a pronúncia é em alemão, não em inglês!) sempre foi uma escritora para mim e descobrir, somente hoje, que durante anos foi tratada como uma fraude não me deixou nada satisfeito. Ainda se discute se, talvez, o diário tenha sido forjado, a mando do pai Otto Frank, tornando-se um dos mais bem sucedidos golpes publicitários de todos os tempos. Prefiro acreditar que o Instituto Holandês de Documentação para a Guerra está certo e que a Anne que conheci foi exatamente a menina que um dia existiu e cuja morte foi por mim sentida como a de alguém que conheci de fato.
PS — O artigo que inspirou esta postagem não se refere a Contos do esconderijo. Mas se Anne foi capaz de escrever os contos, por que não poderia ter também produzido o diário? Ou a compilação é também uma fraude?
2 comentários:
Oi Yúdice,
Um livro que gostei muito e que narra de uma forma original a vivência em um campo de concentração, é Em busca de sentido, de Viktor Frankl, editado pela Vozes. O autor, médico, muitas vezes como que se "distancia" de sua condição de preso e considera a situação como um analista. Bom domingo.
Agradeço a indicação, Maria Cristina. Procurarei ler esse livro.
Realmente, esse inesperado distanciamento provoca sensações curiosas no leitor. É o caso de "O pianista", no qual o autor (Wladyslaw Szpilman) conta uma história terrível em si mesma, mas sem drama, sem ódio, sem tentar nos provocar qualquer clamor. Fiquei impressionado com sua narrativa limpa e honesta e passei a admirá-lo também por isso.
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