Correrei o risco de afirmar que a grande maioria das pessoas concordará com a absolvição da mulher que matou o próprio pai, após uma vida de abusos sexuais, que começaram quando ela tinha apenas 9 anos de idade. Por causa disso, ela teve 12 filhos incestuosos. No final das contas, não é exagero dizer que toda a sua vida lhe foi roubada, porque perdeu parte da infância e tudo o que se seguiu. Perdeu a chance de escolher seus amores e de decidir sobre seu corpo, sobre constituir família, sobre ter filhos.
Estou racionalizando, claro. É muito difícil contextualizar um caso como este.
O que me surpreendeu foi o próprio Ministério Público ter pedido a absolvição da ré. Devido ao terrível ranço acusatório ainda existente, impressiona-me o senso de humanidade do promotor, ao defender a tese de inexigibilidade de conduta diversa e reconhecer que a ré era pobre e analfabeta (o que reduz suas possibilidades de reagir ao problema por meios menos grotescos), ainda mais em se tratando de um crime encomendado. Ele invocou a sua consciência para pedir a absolvição. Bonito.
No final, o júri absolveu a mulher. Todos os votos declarados foram favoráveis a ela. O veredito provocou reações de euforia na plateia, o que evidencia um dos aspectos mais curiosos do tribunal do júri. A existência desse controverso órgão jurisdicional se justifica pelo desejo de humanizar a justiça, permitindo que os crimes dolosos contra a vida sejam julgados pela sociedade diretamente afetada pelo crime, e não apenas por um juiz de carreira, com seu pretenso distanciamento dos fatos. O argumento precisa ser menos técnico e mais humano.
Neste caso, parece ter sido o que efetivamente aconteceu.
Conheça o caso: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2011/08/juri-absolve-mulher-que-mandou-matar-o-pai-com-quem-teve-12-filhos.html
2 comentários:
Eu não tinha conhecimento do caso. É claro que me surpreendi com a crueldade do pai, admitindo que os indivíduos possuem mentalidades completamente diferentes. Logo, não faço julgamento antecipado de ninguém. Mas pelo que li na notícia, a ré fora absolvida (a mentora intelectual do crime) e os co-autores do delito foram condenados. Por quê? Parece que o Ministério Público sente a necessidade de satisfazer a sociedade com posições humanitárias e politicamente corretas. Por que instaurar a ação se, lá na frente, irá pedir a absolvição. Que fique claro: não sou contra essa posição do MP; mas isso soou como uma enorme incongruência de um órgão que deveria trazer segurança, numa perspectiva geral, a todos. Novamente, não tenho total conhecimento do fato, mas apesar da decisão ter sido "bonita", senti uma queda na credibilidade do MP, o qual não já não tem a minha adoração.
[Queria muito compreender se é coerente, neste caso, absolver o mentor intelectual e condenar os co-autores.]
A crítica é altamente justa, Gabriel. Com efeito, ao ler a matéria, percebi esse detalhe, mas estava focado num único aspecto e tento evitar digressões, porque sou muito prolixo. Mas farei novas considerações sobre o caso, agora sob a perspectiva que mencionas.
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