sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Mestrado profissionalizante: contraponto

Do comentarista Vítor Martins Dias, em oposição ao texto apresentado em postagem de ontem:

Li o artigo e acredito que há muitos pontos dele a serem devidamente esclarecidos, sem que haja espaço o suficiente aqui, e reconhecendo que não tenho a propriedade para tanto, o que, na verdade, caberia aos autores e não a mim. Adianto ainda, que não tenho opinião formada sobre o tema por desconhecer os aspectos técnicos acerca do reconhecimento do mestrado profissionalizante pelo MEC/CAPES. Contudo, acredito que há espaço para essa nova forma de titulação.

Aproveito para abordar o primeiro ponto, que é uma interpretação equivocada, e confusa, em que os autores não apresentam devidamente as semelhanças e diferenças entre o mestrado profissionalizante com o mestrado em sentido estrito, e/ou como uma mera especialização, ou um curso livre. Cada um tem as suas particularidades, que, colocadas seriamente, viriam a: (i) identificar vários gargalos da pós-graduação em direito no Brasil; e (ii) a possibilidade de resolver alguns problemas que os autores simplesmente omitiram sobre o mestrado acadêmico. O Brasil tem outra oportunidade única de viabilizar estudos sobre os problemas no setor, a partir dessa discussão, mas duvido muito que isso ocorra.
O primeiro problema tem suas raízes justamente na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, não se resumindo unicamente a ela, mas lá seria um objeto de pesquisa fantástico para comprovar o que vou falar. Trata-se da utilização, em massa, do mestrado e do doutorado acadêmicos para fins profissionais, exclusivamente. Não vejo nenhum problema nisso, contanto que esse profissional siga na carreira acadêmica. Mesmo sem dados empíricos, é notória a imensa quantidade de juristas (digo advogados, servidores, etc.) que não seguem na Academia após a pós-graduação, inclusive o doutorado! Quando em SP, te convido a assistirmos algumas (não poucas) aulas lá para ver a "preparação" (por falta de nome melhor) dos professores e dos alunos para as aulas.
Outro aspecto controverso lá é a história do doutorado direto. Sem ter passado por nenhuma banca de qualificação, ou qualquer coisa parecida, com um pedido do orientador o aluno pode fazer o doutorado, sem se submeter a um novo processo seletivo, mas obedecendo certos critérios internos. Salvo alguns casos, tenho minhas dúvidas da maturidade acadêmica de alguém que recentemente ingressou na pós-graduação possa fazer um bom doutorado (não estou generalizando, por favor). A minha crítica reside em esse estudante não ter passado por uma banca qualificatória para discutir o andamento do seu trabalho antes disso, o que agrega um valor inestimável ao trabalho final.
Ou seja, na relação mestrado e doutorado vs. (?) mestrado profissionalizante, em tese, se teria uma alternativa de fortalecimento do mestrado acadêmico, e não o contrário, como afirmam os autores! Aos profissionais, pelas facilidades, pelo tempo necessário, e outros fatores de ordem pessoal (como a abordagem mais prática), o mestrado profissionalizante se tornaria mais atrativo. Em tese.
Outro ponto que acho interessante, mas que infelizmente se aplica a uma parcela pequena do Brasil é sobre o papel de fato do mestrado profissionalizante em relação a especialização. A organização dos grandes e médios escritórios do eixo Rio/SP, e outros poucos Estados, segue, muitas vezes, planos de carreiras devidamente montados por competentes equipes de recursos humanos. Abaixo dos sócios estão os chefes dos setores, que comandam os chefes de equipes, responsáveis pelos advogados e, por último, os estagiários. Em teoria, e pelos preços possivelmente cobrados pelos mestrados profissionalizantes, espera-se que o público deste curso seja os chefes de equipes e chefes de setores (talvez os sócios). Aos advogados, esses buscariam os cursos de aperfeiçoamento e especializações. Isso também, em tese.

A meu ver, por mais que isso se aplique a apenas uma realidade de um país continental, a diferença entre o mestrado profissionalizante e a especialização é muito clara. Pode ser que na prática um esvazie o outro, mas isso depende de uma regulação efetiva e eficaz, o que não sou ingênuo para acreditar fielmente.
Por fim, nem sei como abordar isso porque é muito controverso e relativo, mas os autores se fundam em uma suposta formação prática exacerbada nas faculdades de Direito. Alguns autores que o Streck utiliza (José Eduardo Faria, p. ex.) para argumentar no mesmo sentido, dizem justamente o contrário! Não é nova a crítica ao fechamento do ensino jurídico em si mesmo, em uma base dogmático-formalista excessiva, em que o aluno tem pouco discernimento das relações sociais, político e econômicas que permeiam a realidade da atividade judicial. Não é infundado o argumento que alguns autores que criticam o ensino jurídico associam esse fechamento jurídico em si mesmo à perda de representatividade dos juristas na seara governamental de maior relevância. Associar essa questão do ensino à baixa aprovação no exame de ordem, me perdoem, mas está longe de ser um argumento poderoso (como diria Dworkin), já que o exame está longe de ser um consenso quanto aos seus objetivos e resultados na avaliação do estudante.
Enfim, não tenho nada contra a resistência, até porque vejo ela com naturalidade, venha de onde vier. O que me incomoda no "debate" proposto pelos autores é eles se debruçarem sobre problemas externos, que nem sequer são danos concretos ao ensino, uma vez que nenhum curso ainda foi aprovado. Mas o modo como eles o fazem: com um argumento que parecem ser problemas sistêmicos do ensino jurídico. No entanto, ao invés de olharem para uma realidade de problemas mais próxima da deles, e de todos nós, já existentes, do mestrado acadêmico, eles não o fazem.

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