terça-feira, 8 de julho de 2008

Sabedoria popular

Ao lavar as roupas do bebê, não as torça: provoca cólicas na criança.
Jamais deixe sandálias emborcadas ou abra os braços na soleira de uma porta: sua mãe morrerá!
Você pode até tomar sorvete de manga, mas nunca se atreva a consumir manga com leite!
O noivo não pode ver a noiva antes do casamento (bem entendido, quando ela já está se arrumando para a cerimônia).
Na sexta-feira santa, você obrigatoriamente deve ficar quieto durante as três horas da agonia.
Não olhe para um cachorro defecando, pois surgirão verrugas em seus olhos.
Nunca pare junto aos pés do morto, durante o velório; do contrário, será o próximo.
Atualização do dia 13.10.2008: Não deixe que o bebê se olhe no espelho, pois ele demorará a falar.

Uma conversa no último domingo trouxe à tona algumas crendices que povoaram a minha infância. Todo ano eu me perguntava porque não podia olhar para cima depois de almoçar pirarucu no leite de coco na sexta-feira santa. Claro que ninguém me esclarecia nada e eu demorei uns anos para criar coragem de desafiar o perigo. Também nunca entendi a relação entre comer melancia e não poder tomar banho de piscina. Sinceramente, essa profusão de bobagens tornou as vidas de muitos de nós mais difíceis do que merecíamos, em outros tempos, embora agora a única conseqüência dessas lembranças seja sorrir.
Estou certo de que você pode me ajudar a aumentar a listinha acima. Que tal me escrever, indicando mais algumas vedações? Algumas ótimas já chegaram e podem ser vistas na caixinha de comentários.

13 comentários:

Ivan Daniel disse...

Quando criança diziam pra eu nunca ficar vesgo de frente pro vento, porque meus olhos poderiam ficar vesgos pra sempre.
Também nunca me deixavam comer melancia depois de tomar açaí... diziam que fazia mal.
Não podia também apontar pra lua porque criava verruga no dedo.
Essa tu deves escutar muito dos mais velhos depois que a Júlia nascer: não levanta a criança acima da tua cabeça porque vai dar ventre caído nela. O que será isso?
E a tal "comida remosa"? O que é 'remoso'? Ninguém nunca conseguiu me explicar. Só falam que é comida que faz mal.

Anônimo disse...

Verdade... Hoje em dia acho graça quando minha vó fala rs.
Quem se esconde debaixo da mesa não cresce.
Comer feijão à noite traz pesadelos durante o sono.
Assobiar à noite chama cobra.
Ver gato preto traz azar. (apesar de que uma vez eu estava sentada na frente de casa com uma amiga e um gato preto cruzou o caminho, ela se assustou e caiu com as mãos na “vala”, mera coincidência rs).
Não brinca com a sombra que ela pode se vingar.
Coisas do tipo que me faziam morrer de medo rs

Francisco Rocha Junior disse...

Açaí com tucupi é veneno.
Se você jogar pão no lixo sem antes beijá-lo, faltará comida em sua casa.
Apontar estrelas dá verruga.
Manga com febre mata.

Yúdice Andrade disse...

Realmente, Ivan, ouvia falar dessa história de levantar a criança e deixá-la de "ventre caído". Terei que entrevistar alguns antigos para tentar obter algum esclarecimento sobre o que isso significa.

Marcela, escutei muitas vezes essa de ficar embaixo da mesa. Eu adorava ir para baixo da mesa e, coincidência ou não... Deixa prá lá.
A da sombra é mesmo muito engraçada.

Reconheci essa de faltar comida, Francisco. De fato, tive que beijar alimentos algumas vezes. Curiosamente, nesse caso, acho que a medida pode ser pedagógica, se servir para mostrar à criança como é ruim o desperdício. Só que o foco precisa ser melhorado.

Ivan Daniel disse...

Lembrei outra!!
Mulher não pode comer o bico do pão porque casa com velho.
hahaahahahaha...

Carlos Barretto  disse...

Puxa! Mas esta de beijar o pão pra não faltar comida é DEMAIS!
AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAH!
Boa, FRJ!

Yúdice Andrade disse...

Ivan, e se a mulher comer o bico de um pão francês, ela se casa com um velho estrangeiro?
Tudo bem, esta foi péssima. Mas a culpa é de quem inventa essa coisas. Bom acréscimo, amigo.

É demais e era levada muito a sério, Bar.

Anônimo disse...

De fato o imaginário popular é repleto dessas crenças exóticas. Quanto mais rural o cenário, quanto mais provinciana a cidade, quanto mais simples a gente que vive nela, mais presentes estão essas peças de folclore. Gostaria, contudo, de refletir sobre por que essas crenças existem e por que são transmitidas de geração a geração. Algo assim como uma filosofia da cultura popular. Vou lançar algumas idéias soltas, hipóteses descompromissas, vadias, que me surgem à mente no momento.

É claro que a melhor e mais direta de todas as explicações para essas crenças seria sua verdade, mas descarto de cara essa possibilidade. Lido com a presunção de que elas não são reais e de que estão intimamente ligadas a um estado de ignorância. Nego, aqui, qualquer romantização da superstição popular, vendo-a como expressão identitária, como estratégia de resistência, como metáfora da condição regional etc. Parto da visão mais simples de que são crenças falsas, mantidas apenas pelos que não têm informação bastante para ter um olhar mais racional sobre o mundo. Isso não impede que elas tenham essa beleza natural das coisas simples e ingênuas, como as fantasias infantis também têm. Apenas deixa claro que, no fim das contas, por engraçadas e encatadoras que possam ser, não são crenças verdadeiras e atestam um estado atrasado de civilização. (Devo, contudo, abrir exceção para algumas superstições, especialmente algumas, não todas, que se referem aos poderes ou riscos de certos alimentos e a remédios caseiros, cuja eficácia já foi comprovada pela ciência.)

Se não são verdadeiras, por que as pessoas acreditam nelas? Dizer que é por ignorância não basta, como não basta dizer que alguém ficou doente apenas porque não tomou a vacina devida. A falta de vacina dá oportunidade para a doença, mas não a causa. Da mesma maneira, a ingorância dá oportunidade, abre espaço, para a superstição, mas não a causa.

Uma alternativa é apelar para a função. Há sempre aquela velha explicação do homem solitário e abandonado num mundo complexo e perigoso, sedento de crenças que lhe forneçam alguma segurança, por mais absurdas e fantasiosas que sejam. Nese caso, as superstições teriam a função de fornecer alguma segurança num mundo de incertezas, quer dizer, de fazer o povo desamparado sentir como se tivesse nas mãos todas as fórmulas para ter saúde, sucesso e felicidade. Seria, por assim dizer, a imagem invertida da sua situação real de impotência e falta de perspectivas. Os cientistas sociais do Séc. XIX cansaram de usar essa explicação para os mitos, para as religiões e até para a filosofia. Essa seria, por assim dizer, uma explicação psicológica do fenômeno.

Há também outra explicação tradicional, sociológica. A comparação agora não seria com os mitos e as religiões, mas sim com os rituais e os costumes. As superstições preenchem o dia das pessoas com várias rotinas de coisas a fazer e coisas a evitar. Isso faz com que os dias ganhem entre si certa continuidade, porque todos os dias são marcados pelas mesmas rotinas. Faz também com que as pessoas reafirmem sua pertinência ao mesmo grupo através da crença e da repetição das mesmas rotinas. Dessa forma, as superstições proporcionariam uma espécie de coesão ou unidade entre todos os dias da vida e todos os membros do grupo.

Essas duas explicações são boas. Segurança e coesão, sentimento de potência e de unidade são coisas realmente importantes, e se as crenças populares conseguem de alguma maneira proporcionar esses resultados, então o fato de conseguirem deve desempenhar algum papel na sua manutenção. Mas e quanto à sua criação? Sim, porque, lembrando uma lição célebre de Durkheim, a função explica por que uma coisa que já existe continua existindo, mas não explica como essa coisa veio a existir. Para isso é preciso não uma função, mas sim uma causa.

Uma causa possível é a generalização precipitada de coincidências fortuitas. Certa vez alguém perdeu a mãe no dia em que tinha feito uma coisa X, ou ficou doente no dia em que tinha feito uma coisa Y, ou teve uma boa notícia no dia em que tinha feito uma coisa Z, e por isso X, Y e Z passaram a ser associados com aqueles eventos, num típico "post hoc, propter hoc" (aquela falácia lógica que consiste em dizer que alguma coisa é causa de outra simplesmente porque aconteceu pouco antes dela).

Mas a pseudo-causa "post hoc" teria que ser convincente o bastante para fazer com que todos aderissem à nova crença. Ela teria que fazer sentido, tanto sentido que nem mesmo suas eventuais refutações pelos fatos bastassem para convencer as pessoas de sua falsidade. É aí que o aspecto simbólico provavelmente desempenha um papel. Porque é preciso que entre o evento A (por exemplo, deixar a bolsa no chão) e o evento B, supostamente provocado por A (por exemplo, perder dinheiro) exista uma relação, não necessariamente direta, não necessariamente lógica, não necessariamente racional - mas, ainda assim, alguma relação. É preciso que, no mundo cultural daquela comunidade, a relação de causa e efeito sugerida tenha pertinência ou verossimilhança devido a alguma outra relação, simbólica, entre eles. Seria uma atividade hermenêutica bastante trabalhosa e interessante, além de um passa-tempo dos mais revigorantes, investigar cada uma dessas crenças à procura do elo simbólico, implícito ou explícito, ainda existe ou há muito perdido, que a torna ou um dia a tornou razoável como peça de folclore.

Bem, por ora é isso, espero pelos comentários dos que tiveram paciência de ler tudo isso. Abraços a todos, especialmente ao Yúdice, que segue na minha lista de blogueiros prediletos.

Polyana disse...

Depois das maravilhosas palavras do André, gostaria de acrescentar uma possível explicação para crenças, especialmente dirigidas às crianças. Além das já mencionadas, sobre a mesa, ficar vesgo e etc, tínhamos uma, por exemplo, que é de que não se pode abrir a geladeira com o "corpo quente" porque senão a cara fica torta. Principalmente se for criança. Ora, como criança está o tempo todo brincando, correndo, e portanto com o "corpo quente", esta é uma regra criada para amedrontar a criança e assim evitar que ela abra a geladeira excessivamente. Deixar as crianças com medo de alguma coisa que não está no poder dos pais protegê-la é uma forma muito eficaz de fazer com que ela pare de exibir determinado comportamento. Por exemplo, a história da mesa: qual é a mãe que quer uma criança fazendo arte embaixo da sua mesa enquanto ela está trabalhando na cozinha? Então, inventa-se isso para que a criança não faça mais. Ou, como evitar o fascínio natural das crianças pelo fogo, tão perigoso? Dizendo que quem brinca com fogo faz xixi na cama!
Some-se a isso a associação "post hoc, propter hoc", e temos um monte de regras para controlar o comportamento das crianças! :)

Yúdice Andrade disse...

Era disso que eu falava, André: como consegues tornar um assunto banal numa reflexão útil. Com certeza, isso engrandece o blog. Abraços.

Meu amor, levei algum tempo para descobrir que, na verdade, minha mãe só queria me manter quieto enquanto ela dormia. A descoberta não foi boa para o sossego dela...

Vladimir Koenig disse...

Tem uma que sempre achei divertida: cobrir espelhos, talheres e qualquer outra coisa que reflita, com um pano, durante uma chuva.
Era uma correira pela casa da minha avó. E diária! Afinal, quando não chove por aqui?
Abraços,
Vlad.

Yúdice Andrade disse...

Devia dar um trabalho e tanto, Vlad. E tu aproveitavas para dar umas risadas, suponho. Ou a tua avó brigaria, se risses?

Anônimo disse...

Imaginem então algumas crenças que podem ser comprovadas cientificamente, como o uso de chás que curam dores ou quebram as pedras dos rins. A sabedoria popular é maravilhosa por que se não for educativa como a maioria abordada acima, foi garada pelo metodo de tentativas, como imagino que tenha sido essa ai do uso dos chás, acho muito ilário quando digo que to com algum problema de saúde e tem sempre um pra dizer: chá de (não sei o que) é MARAVILHOSO pra isso, o incrivel é que se vc sair perguntando todo mundo que tem o mínimo de conhecimento sobre isso vai te dizer o mesmo chá. Viva a sabedoria popular que nos proporciona alguns alivio e algumas risadas.