quinta-feira, 31 de julho de 2008

Tão Brasil...

A coluna Repórter Diário de hoje publica esta:

Déficit
Só depois de o Congresso Nacional aprovar a obrigatoriedade das disciplinas de filosofia, sociologia e música na educação básica foi que se constatou que o país precisa de professores para lecionar tais matérias. Dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) indicam que o Brasil precisará de aproximadamente 108 mil professores para cada disciplina. Para isso, será necessário formar 20 vezes mais professores por ano. No sul do Pará, estudantes do ensino médio já sofrem com a falta de professores em diversas disciplinas.


Vamos lá:

1. É a velha história do guizo no pescoço do gato: a ideia é excelente, mas ninguém pensou que seria necessário executá-la. Se o tempo passar e não se conseguir implementar de fato a nova matriz curricular, a iniciativa perderá a força e provavelmente teremos mais uma "lei que não pegou".

2. Muito devagar, mudanças relevantes acontecem na educação brasileira. As três disciplinas mencionadas permitem ao estudante aprender a pensar, compreender melhor o contexto em que está inserido e ampliar sua cultura geral, desenvolvendo habilidades práticas úteis e agradáveis. Tudo isso numa idade em que esses estímulos são essenciais. É quase uma volta a um modelo educacional clássico, que privilegiava a formação humanista e não, como hoje, o conteudismo (mesmo que seja um conteúdo que nunca se utilizará fora da escola) e o vestibulismo.

3. A necessidade desse fantástico contingente de professores (mas não sonhem que surgirão 324.000 novos postos de trabalho: essa é a demanda estimada, que nunca será suprida, como aliás jamais foi em qualquer espécie de serviço público) tende a provocar uma valorização dos cursos superiores de Filosofia, Sociologia e Música, além do de Pedagogia. Se assim for, bons para os profissionais já formados e para as novas gerações. Espera-se que também seja bom para as universidades.

4. Será necessário, contudo, algo que não é nada fácil: vencer o terrível preconceito do povo brasileiro. A cultura bacharelesca disseminada neste país sempre fez com que o mundo se resumisse aos advogados, médicos e engenheiros. Depois, algumas outras áreas se desenvolveram, notadamente por causa das conquistas científicas e tecnológicas. Mas me diga: você conhece alguém cuja família tenha comemorado quando ele anunciou que prestaria vestibular para Filosofia? Aposto que você conhece alguém criticado por essa decisão. Eu conheço.

5. O sociólogo que mais longe chegou neste país foi presidente da República. Ao tomar posse, mandou que todos esquecessem o que ele escrevera. Um exemplo e tanto, que deu no que deu.

6. Por fim, quando uma pessoa se inclina para as artes, provoca uma reação medieval: é tachado de vagabundo, prostituta e coisas do gênero. O garoto pode até tocar sua guitarra na garagem, mas se disser que pretende viver de música, é um deus nos acuda.

7. Vamos desejar que a lei seja implementada de fato e que esses benefícios, sobre que ora especulo, se confirmem. E que, acima de tudo, a educação brasileira avance.

Nenhum comentário: