Belém é uma província, mesmo. Estreou na cidade hoje Batman — O cavaleiro das trevas. Quer você queira, quer não, um dos filmes mais esperados do ano. Batman sempre foi um blockbuster bem sucedido e, convenhamos, para a categoria de filme que é, quase sempre se destacou positivamente. Além do mais, a mística criada em torno de Heath Ledger, prematura e desastradamente falecido antes mesmo da finalização da obra, somada a uma interpretação considerada magistral do personagem Coringa, devem aumentar muito o interesse do público.
Mas se você mora na província de Belém do Pará, vai se deparar com o filme exibido em nada menos do que cinco cinemas, porém com um detalhe: na maioria das salas, as sessões são dubladas. Segundo me informaram, em cada shopping há uma sala com a versão dublada e outra com a legendada. Segundo vi na internet, contudo, somente uma sala do Castanheira estaria exibindo legendado; as outras quatro salas só exibiriam o dublado.
O mês de julho sempre foi complicado pois, devido às férias escolares, os cinemas ficam cheios de porcarias voltadas para o público infantil (sempre há uma Xuxa, Didi e congêneres), além de bons filmes destinados a esse segmento. Uns e outros costumam permanecer o mês inteiro. A questão é: quem foi o retardado mental (repito, enfaticamente, retardado mental!) que resolveu que Batman é um filme infantil? Sim, porque não parece haver outra explicação para o excesso de salas com a versão dublada.
Filmes são dublados para crianças. Simples assim. Se alguém que não saiba ou não possa, por qualquer motivo, ler sai beneficiado, isso é eventual. Nossa sociedade de massa não se importa com quem tem necessidades especiais. Logo, dublagem é para criança — e pequena, porque as maiores já foram alfabetizadas (afinal, se têm dinheiro para ir ao cinema, é provável que tenham acesso à educação formal, mesmo que na rede pública) e podem tranquilamente ler as legendas. E quem foi o imbecil que decidiu que, em Belém, há tantas crianças pequenas assim querendo ver o Batman?
Que das cinco houvesse uma só das salas com a versão dublada já estaria de bom tamanho. Uma opção talvez mais racional fosse disponibilizar a dublagem em um número maior de salas, nas sessões até 18 horas, garantindo as noturnas para o público que não aceita ver o filme senão com seus sons originais (de que adianta a interpretação visceral de Heath Ledger se não escutaremos sua voz?). Mas, para o Moviecom Belém, cuja falta de caráter na relação com o consumidor já foi destacada aqui no blog em mais de uma ocasião, dê-se por satisfeito de ver o filme dublado. Faz de conta que você está vendo a Sessão da Tarde, na sua casa. A diferença é que você pagou por isso.
Belém, definitivamente, é uma província!
PS — Daqui a pouco aparece alguém para dizer que o Moviecom está imitando os franceses (Primeiro Mundo, essas coisas...): exibindo os filmes dublados para marcar posição, honrando o idioma pátrio. Só se sesse.
7 comentários:
Yúdice, justíssimo o seu comentário. Vou expressar minha posição, colocando-a, explicitamente, como a "minha" posição, para que não pareça que lhe atribuo as mesmas opiniões que estou prestes a emitir. O trabalho de dublagem não é um trabalho nada fácil e, sobretudo quando é bem feito, seus resultados são dignos de todo respeito e consideração de nossa parte. Portanto, no que vou dizer não vai nenhum desprezo pelo trabalho ou pela classe dos dubladores profissionais. Mas pessoalmente acho a dublagem uma das coisas mais horrorosas que se pode fazer contra um filme. Um filme é uma obra de arte, pelo menos, assim considero o cinema, mesmo quando voltado para o grande público, porque nada impede que a arte seja concebida e produzida com vista à sua grande veiculação e com propósitos de grande retorno financeiro. Se esse é um propósito honroso ou não para uma obra de arte e se contribui ou não para seu esvaziamento e banalização são outros assuntos, que merecem uma discussão à parte, mas isso não impede que filmes sejam, por definição, peças de arte, mesmo quando são peças de arte voltadas ao entretenimento. Enquanto peças de arte, possuem um formato original que é produto da concepção de um artista, ou melhor, de uma grande equipe de artistas, em que cada profissional, o diretor, o ator, o câmera, o iluminador, o editor, o engenheiro de som, o maquiador, o figurinista, o engenheiro de cenário etc. exerce sua arte particular e dá seu toque de dedicação e cuidado para a excelência do resultado final. Esse resultado final é um produto inteiro, um produto em que cada parte é pensada para estar em perfeita sintonia com as outras partes e para trabalhar em favor da beleza do todo. Sendo assim, fazer a dublagem das vozes das personagens (aqui supondo que se trata de uma dublagem excelente, do tipo que não subtrai o som ambiente nem prejudica o som dos outros efeitos do filme) é descaracterizar um trabalho de arte da maneira como ele foi concebido, com especial prejuízo ao trabalho dos atores e dos diretores. Uma personagem é concebida para certa película com certa aparência física, certo figurino, certa atitude, certo comportamento, certa expressão facial, certo tom de voz, certas expressões lingüísticas, certas variações de voz que, quando não saem conforme o plano, são reensaiadas, refeitas, refilmadas uma, duas, dez, cem vezes até que atinja o resultado pretendido. Se as personagens, no set de filmagem, dissessem suas falas do jeito que os dubladores farão depois, o diretor certamente não consideraria as cenas fechadas e não mandaria o filme daquela maneira para apreciação do público e da crítica. Por isso, considero a dublagem uma violência e uma adulteração de uma obra de arte (coisa que, embora em menor proporção, a legendagem também é, mas isso é outro assunto para discutir). Aqui não me importa que sejam os próprios estúdios que encorajam que o filme seja legendado, dublado ou que quer que seja necessário para atingir fatias maiores do público em países que não falam o idioma em que o filme foi filmado. O fato de um artista concordar e encorajar a adulteração de sua obra não faz com que, por isso, essa adulteração se torne menos degradante e menos prejudicial à concepção original de sua obra. Mostra apenas que o artista não está tão preocupado com a manutenção do formato original da sua obra quanto está preocupado em ganhar dinheiro com ela. Não sei bem se essa é a imagem que deveríamos ter dos diretores e atores de Hollywood, porque acho que, no caso deles, não se trata tanto do pouco caso com o formato original de sua obra de arte, e sim com o completo desprezo pela opinião do público fora dos EUA. Digo isso porque estou convencido de que, se propusessem, por sabe-se lá qual motivo, que o filme fosse dublado (em inglês) para exibição nos próprios EUA, certamente atores e diretores se levantariam e impediriam, judicialmente se fosse preciso, que isso fosse feito. E argumentariam, como eu, pela preservação da integridade original da obra de arte, pela exibição sem ruídos nem intermediários, do resultado do trabalho que demoraram meses para alcançar com a perfeição satisfatória. Ocorre que, quando um filme de Hollywood sai dos EUA e é exibido para públicos estrangeiros, não importa se de países mais ou de países menos prestigiosos, os norte-americanos não dão a mínima importância para como o filme será exibido, basicamente porque não ligam nem para o público nem para a crítica de qualquer outro país que não o seu próprio. Bem, mas chauvinismos norte-americanos à parte, retomando o argumento original, penso que toda dublagem é adulteração do formato original de uma obra de arte e, como tal, violência contra a obra e contra a própria arte em última instância. Não chego ao ponto de, por essa razão, condenar todo e qualquer trabalho de dublagem e recomendar que nenhum filme fosse jamais dublado em situação alguma e para público algum. Se algum público, por alguma particularidade, não pode ter acesso à obra no formato original, providenciar-lhe uma modalidade adaptada de acesso me parece legítimo. Mas isso seria, vejamos bem, uma exceção, que deveria ser administrada com muito cuidado. Por isso, concordo com Yúdice que um filme não deve ser exibido dublado a menos que seja considerado um filme voltado exclusivamente para o público infantil, e, mesmo nesse caso, com o cuidado de manter alguma sala em que o som original possa ser apreciado. Ainda gostaria de falar sobre se hoje ainda existem filmes assim tão exclusivos para crianças, sobre a clasificação dos filmes de Batman como filmes infantis e sobre o caráter infantial ou adulto da temática de fundo das sagas do homem-morcego, mas acho que já tomei demais o espaço desse blog. Pelo menos pude expressar minha opinião principal de que as dublagens violentam e adulteram os filmes como obras de arte. Abraços a todos!
Olá, professor. Aqui é o Caio da última DI5TA, de novo.
Bem, parece que essa presepada só durou para o dia de estréia. A partir de hoje, o Iguatemi pôs a versão legendada em uma das salas que exibem o filme. Tentarei vê-lo amanhã.
Se puder, professor, tente ler a história "O Cavaleiro das Trevas" (que só tem o nome em comum com o filme; nesta, o morcego volta cinqüentão da aposentadoria, enquanto a película mostra a continuação do primeiro filme, quando ele inicia a vida de justiceiro), de Frank Miller. Tenho os dois fascículos desta que é considerada uma das obras-prima dos quadrinhos - embora tenha fortes pitadas das idéias "Lei e Ordem" que o senhor tanto discorda. "Batman Ano Um" é outra grande história (com Miller nos roteiros) e foi a que baseou Batman Begins. Também possuo esta.
Uma pergunta em off ao senhor: de onde surgiu a sua admiração pelo sobrenome Mangabeira, tão utilizado em suas provas? Adorei a versão judaica, "Mangabeirastein"...
Abraço!
André, talvez eu não tenha a mesma ênfase no pensamento, porque entendo que a dublagem é uma necessidade para uma gama imensa de pessoas, as quais não teriam acesso à compreensão da obra no idioma original. Levo em consideração, inclusive, a situação educacional brasileira, em que conhecer um idioma estrangeiro soa a privilégio. E mesmo alguém que domine o inglês sofre o mesmo problema com um bom filme europeu ou, quem sabe, com algum terrorzão japonês.
Penso que a dublagem é o ônus que precisamos suportar, se não preenchemos o requisito necessário para a compreensão da obra no original. Mas é o mesmo que acontece com os livros traduzidos, às vezes porcamente. É o mesmo que acontece quando vemos reproduções de telas famosas, sem jamais termos posto nossos olhos diretamente nelas, para conhecer suas cores e texturas verdadeiras. Fazer o quê?
Além disso, penso que o artista sabe, de antemão, que sua obra, pura, será alcançada por poucos. Mas, de certa forma, isso é o charme da arte, não? Abraços.
Caio, meu querido, realmente, o Iguatemi também tem uma sala com a versão legendada, segundo me confirmaram. Ainda assim, são três contra dois, pois o número de salas com dublagem ainda é maior. Logo, meu comentário se sustenta.
As duas graphic novels que me recomendas - "O cavaleiro das trevas" e "Batman Ano Um" - eu não apenas conheço como já li. Meu irmão as possui. "Asilo Arkhan" também é ótima.
Quanto aos Mangabeira, já pensei, sinceramente, em contar essa história aqui. Não o fiz por esquecimento. Qualquer hora dessas dou minha explicação. Mas vou logo avisando: não crie expectativas, pois a explicação é bem singela.
Yúdice, duas questões sobre o seu comentário. A primeira: O que você disse sobre a falta de dublagem impedir o acesso da maioria das pessoas à obra, não se aplicaria melhor à legendagem que à dublagem? A segunda: Uma coisa é que, devido às condições do público, uma obra precise sofrer uma adaptação para ser acessível; outra coisa é que essa adaptação não seja uma adulteração da obra nem comprometa sua integridade. Entendi que, quanto à dublagem, você concorda com a primeira afirmação, mas não pude perceber se você concorda ou não com a segunda.
Prezado Yúdice
Infelizmente, ao que parece, as razões para dublagem de filmes no Brasil, estão no atendimento de um pedido do público. Isso já se verifica em alguns filmes mostrados nos canais a cabo, também. Estamos cada vez mais analfabetos funcionais. Não entendemos o que lemos. Ou lemos tão lentamente que antes de chegar ao fim, já há outra legenda, e também não demos atenção à imagem projetada. Que coisa!
Abraços
Edyr
Yúdice, isso que o Edyr disse é a pura verdade. Quando a FOX passou a exibir as séries dubladas, foi mesmo por pedido direto do público e pelas resultados de pesquisas de opinião com os telespectadores. Esse é um assunto ainda mais grave, que deveríamos discutir seriamente.
André, com certeza, a legendagem provoca o mesmo efeito. Acredito, contudo, que menos, pois a dublagem tem a exigência técnica de caber no exato tempo em que o ator fala no idioma original. A legenda fica livre disso, mas tem o defeito de precisar ser curta. Em todos os casos, há perdas, o que é de se lamentar.
Como não podemos escapar disso, contudo, devo concordar com a segunda afirmação: a adaptação de uma obra para compreensão em outro país não deveria ser pretexto para sua corrupção. Posso citar um exemplo concreto, nos filmes de animação. Para prender mais o público, as empresas de dublagem tentam adaptar as obras aos modismos da época, com nítida bajulação bairrista. Vejam-se as dublagens em carioquês. Ridículas. Em Os Incríveis, p. ex., usam a gíria "Que comédia!" Eo vilão Síndrome fala para o Sr. Incrível "Tu casô com a Mulher Elástico!" - numa péssima influência para as crianças. Aliás, em Procurando Nemo, o maldito carioquês aparece de novo. É só ver as tartarugas, que tentam ser apresentadas como modelo de comportamento descolado e boa praça. Clichês.
O público, querido Edyr, quer facilidades. Anda tão vazio de conteúdo que nem se dá conta disso. Perdeu a capacidade para tanto. Por isso, acredito que as emissoras, se tivessem mesmo algum compromisso com a educação do telespectador, deveriam implementar mecanismos capazes de protegê-lo de si mesmo. Claro que há meios de fazer uma programação atraente sem ser imbecilizante. O problema é o gosto por nivelar por baixo. Se a programação em geral mantivesse parâmetros de qualidade, com o tempo talvez o público deixasse de pedir as tais facilidades, porque se desacostumaria delas.
Enfim, não sou a pessoa mais adequada a tratar deste assunto e prefiro evitar especulações. Por minha conta e risco, é o que acho. Abraços.
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