sexta-feira, 11 de julho de 2008

Conflitos sobre prisões

Reformulado após mais uma liberalidade, agorinha à noite, do Sr. Gilmar Mendes ao Sr. Daniel Dantas, dois grandes brasileiros.
O texto em vermelho era o original. Vale como está agora.

Mais uma vez, o cidadão brasileiro deve estar perplexo com o vai e vem das questões jurídicas. Refiro-me ao prende-solta-e-prende envolvendo o banqueiro ilibado Daniel Dantas. A imprensa, sempre ávida por explorar escândalos, está se esforçando por vender a ideia de uma crise institucional entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o juiz da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, Fausto de Sanctis. E, para piorar, dá a entender que Mendes está levando a pior numa quebra de braço com uma autoridade que, afinal de contas, é de menor escalão. É o delírio de ver os poderosos passando vergonha. Infelizmente para esses maus jornalistas, contudo, pode até ser que haja uma crise institucional, mas ela não é tão grande assim.
Esqueçam a bobagem acima. Em que pese continuar pertinente a crítica à imprensa, existe, como é óbvio, uma crise institucional, agora escancarada. E, como não poderia deixar de ser, quem está vencendo é o escalão de cima. Abstraindo-se isso, abaixo uma análise jurídica que pode ser interpretada como genérica, já que, a esta altura, não me atrevo a dizer que se aplique ao caso concreto.
Na verdade, as circunstâncias que levaram o banqueiro a ser preso, solto e preso de novo cabem dentro de uma dinâmica que, para um jurista, nada tem de extraordinário, juridicamente falando, embora possa ser caótica sob outras perspectivas. A explicação para isso se encontra no fato de existirem diferentes tipos de prisão, cada um com seu próprio fundamento.
Num primeiro momento, Dantas sofreu prisão temporária. Toda prisão processual (quando o acusado ainda não foi condenado em definitivo), na teoria, constitui uma medida excepcional e extrema. A temporária é ainda mais excepcional. Regulamentada pela Lei n. 7.960, de 1989, é uma espécie de reedição mais sofisticada da malsinada prisão para averiguações, prodigamente utilizada nos tempos da ditadura. Ela só pode ser aplicada em relação a certos tipos de crimes dolosos: homicídio, seqüestro ou cárcere privado, roubo, extorsão, extorsão mediante seqüestro, estupro, atentado violento ao pudor, epidemia e envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal — em ambos os casos, com resultado morte —, quadrilha ou bando, genocídio, tráfico de drogas e delitos contra o sistema financeiro nacional. Nesta última hipótese se enquadram Dantas e sua camarilha.
Os motivos legais para decretação de prisão temporária são: "quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; quando o indiciado não tiver residência fixar ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação" nos crimes acima listados. São fundamentos altamente criticados por segmentos da doutrina criminal, porque podem ser mal utilizados por autoridades arbitrárias.
Numa apertada síntese, a prisão temporária se destina a facilitar uma investigação criminal, quando ainda não há elementos suficientes para se decretar outros tipos de prisão, notadamente a preventiva. Os delegados da PF queriam a prisão preventiva do banqueiro, mas obtiveram a temporária, ganhando 5 dias (prorrogáveis excepcionalmente por mais 5) para encontrar as tais provas. E encontraram. Com base nisso, foi decretada a prisão preventiva, esta regulamentada pelo Código de Processo Penal, especialmente em seu art. 312, que também não é nenhum primor de redação e segurança individual. Segundo ele, a prisão poderá ser decretada "como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria".
Por incrível que pareça, o fato de o presidente do STF ter mandado libertar Dantas pode ser encarado como algo de menor relevância jurídica, que acabou se tornando espetaculoso graças às infelizes e prévias declarações de Mendes. Digo isso porque, não fosse a abundância de provas materiais e a confissão de Hugo Chicaroni, os 5 dias da prisão temporária poderiam ter expirado, com ou sem prorrogação, sem que a PF conseguisse ofertar ao juiz elementos mais convincentes. Nesse caso, o próprio Fausto de Sanctis teria libertado Dantas, querendo ou não. E se, por hipótese, no dia seguinte as tais provas aparecessem, ele decretaria a prisão preventiva, dando azo a que o leigo pensasse que ele é esquizofrênico: num dia solta, noutro prende, não sabe o que faz.
Quero, com este texto, deixar claro que a decisão sobre prender e soltar uma pessoa, que por sinal ainda nem ré numa ação penal é, envolve mecanismos técnicos que precisam ser respeitados, sem que isso, por si só, indique falha de caráter de quem quer que seja.
Por outro lado, nada do que afirmei aqui desmerece o sentimento que, acredito, os brasileiros têm hoje de Gilmar Mendes e sua aparente pressa para soltar Daniel Dantas. Quanto a este incômodo detalhe, estou inclinado a concordar com as massas — até porque, como escrevi no meu outro blog, não tenho grandes simpatias pelo referido senhor.

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