quinta-feira, 31 de julho de 2008

"Super-heroi do iluminismo"

Poderes


O Batman é um super-herói sem superpoderes. Não voa, não enxerga através do aço, não faz o globo girar ao contrário. O único outro exemplo da espécie que me ocorre é o Fantasma, mas o Fantasma ficou datado. Há algo de irremediavelmente antigo na sua figura, vivendo aquela fantasia de onipotência colonial entre os pigmeus. O Batman, ao contrário, é um herói metropolitano. Só é concebível num cenário urbano onde o gabarito foi liberado. E fica cada vez mais atual. Cada nova versão do Batman no cinema é mais sofisticada do que a anterior. Começou como gibi filmado, já foi comédia pós-moderna estilizada, agora - pelo que leio, ainda não vi - é uma tragicomédia com sombrias referências às paranóias do momento. Batman é reincidente e nunca fica datado porque nunca fica bem explicado, tem sempre uma conotação a mais a ser explorada, um lado da sua personalidade e da sua legenda a ser descoberto e dramatizado. E acho que o fato de não ter superpoderes tem muito a ver com a sua permanência através de todos estes anos, que não foram piedosos com os outros super-heróis clássicos, massacrados pela paródia e o esquecimento.
Desde o momento em que foi matar uma mosca e demoliu a mesa o Super-homem conhecia seus poderes. Os poderes definiram o homem. Ele não poderia ser outra coisa além de Super-homem, sua vida estava decidida já nas fraldas. Batman escolheu ser Batman. Nada determinava sua escolha. Não tinha nem a carga genética para guiá-lo, como o Fantasma, que pertencia a uma dinastia de Fantasmas. Se a legenda do Super-homem é uma parábola sobre a predestinação, a do Batman é uma reflexão sobre o livre-arbítrio. A única coisa que une os dois é a obsessão em fazer o Bem - o que torna a escolha do Batman ainda mais misteriosa. Ele decidiu ser um homem-morcego. Logo o morcego, bicho hemofágico e ruim, cuja única antropomorfização (com perdão do palavrão) conhecida antes do Batman foi o Drácula. Escolhendo um símbolo do Mal para fazer o Bem, Batman enfatizou seu livre-arbítrio. Nada determina as suas ações, nem a Natureza que fez o Super-homem super e o morcego asqueroso. Sua obsessão pelo Bem é uma escolha moral, desassociada de qualquer imperativo externo. Ele não é um herói para melhorar a reputação dos morcegos nem porque veio de outro planeta predestinado a ser bom, ou porque gosta de usar malha justa. o Que a sua legenda nos diz, e talvez por isso dure tanto, é que o ser humano é cheio de imperfeições e maus impulsos, limitado pela biologia e condicionado por mitos e tradições, mas é livre para escolher o que quer. E decidir ser justo.
Está aí, um super-herói do iluminismo. Longa vida para o Batman.

Não bastassem todos os seus outros muitos méritos, Luiz Fernando Veríssimo é, agora, o meu crítico de cinema favorito — quiçá o único crítico de cinema não frustrado por não ser cineasta ou por ter sido malsucedido na carreira.
Nunca fui de gostar de herois. Não lia gibis de herois e achava o comportamento deles muito sacal. Só gostava do Batman. Ele era gente. Ele me convencia. Fazia-me refletir. Quando li a graphic novel "Asilo Arkham", fiquei impressionado com seus meandros psicológicos. Agora, Veríssimo ofereceu uma leitura humanista maravilhosa.
Longas e profícuas sejam a vida do Batman e a obra de Veríssimo.

Um comentário:

Edyr Augusto Proença disse...

Também gostei muito.
Abs
Edyr