quinta-feira, 10 de julho de 2008

Abortamento não

E já que estamos falando de Congresso Nacional funcionando, a Câmara dos Deputados também merece a sua menção. O destaque fica para a rejeição, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, do Projeto de Lei 1135/1991, que pretendia descriminalizar o abortamento no Brasil.
Ontem, foi aprovado o relatório do Deputado Eduardo Cunha, considerando a proposta inconstitucional, por violar o direito à vida. É sempre o mesmo argumento, enfim. Dos 61 membros da comissão, apenas 4 foram contrários ao relatório, dentre eles José Genoíno, que declarou: "Eu respeito as religiões, as crenças, mas não há como tratar uma questão como essa na base de uma religião ou crença. É um problema de saúde pública, a ser desenvolvido com orientação, com saúde para a mulher."
O sítio da Câmara, melhor nesse aspecto do que o do Senado, fornece um link para acesso à integra da proposição. Infelizmente, o mecanismo não é dos mais fáceis de navegar.

Informações da Agência Câmara.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sou favorável à descriminalização do abortamento. O assunto, bem sei, é polêmico. Os argumentos de um lado e de outro abundam e deixariam qualquer observador imparcial seriamente confuso e indeciso. Sinceramente, gostaria que o tema fosse amplamente debatido, que alcançasse uma decisão após longa e informada discussão. Por isso, quero comentar sobre um ponto mais específico. O ponto segundo o qual o abortamento é inconstitucional. Sobre isso gostaria de dizer que:

1. Se, de fato, o argumento usado para fundamentar essa alegação de inconstitucionalidade foi a suposta violação do direito à vida, então não é claro por que as duas hipóteses de abortamento legal já previstas não seriam igualmente inconstitucionais. Afinal, se se assume, sem maior discussão, que o feto nos primeiros meses de formação é dotado de vida (fato biologicamente incontestável, mas eticamente discutível) e se se assume, também sem maior discussão, que todo abortamento é uma violação à vida do feto (fato também biologicamente inconstestável, mas juridicamente discutível), então não há nenhuma razão para que os dois tipos legais de abortamento não sejam tão inconstitucionais quanto se alega que seria o tipo proposto.

2. O raciocínio segundo o qual toda violação ao direito à vida é inconstitucional é tão despropositado que poderia ser comparado com um raciocínio pelo qual as penas privativas de liberdade fossem consideradas inconstitucionais por serem violações do direito à liberdade. Nenhum direito, por mais "sagrado" que se apresente ser, é absoluto a ponto de excluir de cara qualquer hipótese legítima de violação. Se assim não fosse, por que matar seria aceitável na legítima defesa e no estado de necessidade? Por que a pessoa teria o direito de não ser submetida a tratamento médico contra a sua vontade? A vida, como qualquer outro dos direitos fundamentais, tem um âmbito de validade que precisa ser determinado de acordo com os outros valores e direitos com os quais se confronta.

3. A meu ver, tanto a proibição quanto a autorização do abortamento são constitucionais. Se de fato se assumir que o feto nos primeiros meses de formação é dotado de vida (do que discordo) e se de fato se assumir que o abortamento é uma violação do direito à vida do feto, então a questão não é concluir diretamente, sem maior discussão, que tal violação é inconstitucional, visto que há no ordenamento jurídico outras violações ao direito à vida que nem por isso são inconstitucionais. A questão é discutir sobre se, no caso dos pais que decidem pelo abortamento, tal suposta violação do direito à vida seria suficientemente justificada.

Como disse, sou favorável à descriminalização, mas não sou desses que acham que todo argumento contrário ao abortamento é apenas um monte de preconceitos religiosos de pessoas cujas idéias seguem presas a um passado medieval. Pelo contrário, acho muitos argumentos contra o aborto bastante bem estruturados e aceitáveis, embora, no fim das contas, prefira os argumentos do lado oposto. Gostaria de ver uma discussão eclarecida sobre isso, um debate nacional em que a própria sociedade pudesse rever suas posições habituais e se perguntar que tipo de tratamento devemos dar à questão à luz das nossas melhores crenças morais. Se, após um longo debate, meu lado saísse perdedor, ok, fazer o quê?, democracia é assim mesmo. Mas o que me angustia é que esse debate seja simplesmente bloqueado antes de ocorrer, que sofra esse constante "abortamento" sob argumentos que são para lá de discutíveis. Por isso quis expressar minha posição a respeito.

Abraços!

Yúdice Andrade disse...

André, teu texto merece destaque maior. Virou postagem.