segunda-feira, 11 de julho de 2011

As montanhas de Buda

Bastou uma breve indicação, feita por uma pessoa que estava lendo a obra, para eu me interessar por As montanhas de Buda, do escritor madrilenho Javier Moro.
O livro retrata duas histórias paralelas, mas absolutamente interligadas. Os capítulos ímpares são dedicados ao drama das monjas tibetanas Kinsom e Yandol, presas pelo governo chinês nos anos 1990 por terem cometido o crime de gritar, em público, "Viva o Tibete livre!". Já os capítulos ímpares retratam a vida de Tenzin Gyatso, o décimo quarto dalai-lama, desde os exames feitos pelos religiosos para encontrar o paradeiro da reencarnação de Buda até a sua condição atual, no exílio, que já dura décadas.
O modelo educacional implantado no Brasil é etnocêntrico e excludente, de modo que nossas escolas pouco ensinam sobre o Oriente. Moro nos faz entender um pouco sobre o Tibete — o país das neves, o teto do mundo —, um lugar peculiaríssimo, onde a religião domina a vida das pessoas a ponto de subsistir a unidade entre os poderes religioso e temporal, onde o dalai-lama — Oceano de Sabedoria ou simplesmente a Presença — é o Deus Rei e comanda tanto a religião quanto o governo. Mas ao contrário da ideia que usualmente possuímos sobre governos teocráticos, no Tibete a preocupação principal é com a espiritualidade, com a busca pela iluminação, com a compreensão de que precisamos ajudar também os outros a alcançar a plenitude. Comandados por uma ética que respeita toda forma de vida, os tibetanos são adeptos da não-violência, postura da qual Tenzin Gyatso não abriu mão e, ainda muito jovem, sofrendo imensamente a dor de seu povo, partiu para o exílio vendo a destruição de seu país, no processo de "Revolução Cultural" promovido pela China a partir do final da década de 1950, revolução que na verdade pode ser resumida em uma única palavra: genocídio.
Claro que houve resistência violenta, através dos khampas, um povo guerreiro das montanhas. Mas a convicção religiosa centrada na paz prevaleceu e tornou o Tibete um alvo facílimo de dominar e de manter até hoje. Florestas dizimadas, templos arrasados, vedação ao exercício religioso, patrulhamento ideológico, cerceamento total das liberdades individuais, prisões, isolamento, torturas alucinantes. O cenário é de horror. É por isso que passam Kinsom e Yandol.

Sua Santidade,
o 14º Dalai-Lama
Moro, entretanto, conta a história sem apelar para dramaticidades. Você se aflige com o que lê porque as informações são dolorosas. O que os policiais fazem com as monjas usando cassetetes elétricos, p. ex. Qualquer alma minimamente sensível se condoi de ler isso. Mas Moro não parece interessado em horrorizar ninguém, apenas informar, numa linguagem que é mais jornalística do que romanceada. Especulo que ele assim agiu por assimilar um pouco da filosofia budista, tendo inclusive entrevistado pessoalmente os personagens dessa odisseia real, dentre eles o dalai-lama. É que, para o budismo, o bem e o mal que nos acontecem são ingredientes necessários em nosso caminho para a iluminação, de modo que não podemos nos agitar demais com o primeiro, nem sofrer demais com o segundo. Cada pessoa tem sua cota dos dois e precisa de serenidade para retirar, de ambos, o necessário para o seu crescimento espiritual.
Não é uma leitura fria, entretanto. Após acompanhar a trajetória do grupo de refugiados, a pé pelas montanhas do Tibete rumo ao Nepal, dormindo ao relento sob temperaturas torturantemente baixas, você não tem como passar indiferente pelo desfecho de suas histórias. A cena do encontro das monjas com o dalai-lama é emocionante.
As montanhas de Buda é uma leitura bonita e útil, não apenas por seus componentes espirituais, mas também pelos políticos, lembrando-nos que o mundo não pode mais aceitar o imperalismo que escraviza povos para subjugá-los literalmente até a alma ou, se não, dizimá-los.

***

Formado em História e Antropologia, Javier Moro (56) tem-se notabilizado por sua literatura engajada, que desnuda tragédias pelo mundo afora, que conhece por meio de viagens para conhecer, in loco, as tramas e seus protagonistas. Também atua no cinema e na televisão, tendo vivido seis anos nos Estados Unidos. Seu primeiro livro, Caminhos de liberdade, foi sobre Chico Mendes. Uma de suas obras mais conhecidas é O sári vermelho.

Um comentário:

Aramis disse...

Oi Yúdice, tudo bem?!
Gostei do seu site =)
Vou comprar este livro de presente para meu pai, mês que vem.

Yúdice, quero que conheça a livraria que trabalho. É só clicar no meu login!

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Um beijo,
Fernanda.