segunda-feira, 11 de julho de 2011

A fita branca

Muitas foram as recomendações que recebi para ver o filme A fita branca (Das weisse Band, dir. Michael Haneke, 2009), uma coprodução alemã, francesa, austríaca e italiana, que naquele ano venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Imagino que as pessoas que me sugeriram se inspiraram em postagens de cunho humanista que publiquei aqui no blog. Este final de semana, finalmente, pude conhecer essa curiosa obra, que retrata um vilarejo anônimo alemão, às vésperas da I Guerra Mundial.
Como se pode imaginar, o ambiente é essencialmente rural e gira em torno da produção agrícola do barão, único empregador das redondezas. A religião, no caso evangélica, domina cada suspiro de todo e qualquer ser humano que habite por ali. Um modelo social rígido, em que todos possuem seus papeis bem definidos e nenhum falta é perdoada, por menor que seja. Uma sociedade absolutamente opressiva, que o diretor usa como metáfora para, segundo as críticas que li, tentar explicar como foi possível que a sociedade alemã aceitasse o nazismo e todo o horror que provocou.
Em síntese, acontecimentos estranhos tomam conta do vilarejo: um atentado contra o médico local, um incêndio, dois ataques violentíssimos contra crianças. O culpado jamais é identificado, embora ao final algumas explicações convenientes (para os habitantes) sejam propostas. Pessoalmente, tenho a impressão de que a teoria do professor (não contarei qual é; veja o filme), que não chega ao conhecimento geral, está mais perto da verdade. A certa altura, eu já encarava com desconfiança o grupinho sobre o qual recai a suspeita do professor.
Mas o pano de fundo tem a ver com a forma como a comunidade trata as suas crianças, notadamente o pastor, maior autoridade espiritual daquelas bandas. A fita branca que nomeia o filme (e que você pode ver no cartaz) é amarrada às vestes de seus filhos para lenbrá-los da pureza que deveriam ter, mas perderam devido a algum pecado cometido (se é que foi cometido). 
Fiquei impressionado com a cena em que ele, com um estoicismo de doer, avisa aos filhos que, por uma falta cometida, será obrigado a puni-los com dez varadas, a fim de que, com o tempo, não se perca o respeito entre todos os membros da família. Mas o castigo será aplicado na noite seguinte, para que eles tenham tempo de refletir sobre seus atos. As crianças são dispensadas sem jantar e beijam a mão (imagem à direita) que as espancará em breve. Fez-me pensar na metodologia da punição que Michel Foucault descreve em seu Vigiar e punir.
Outra cena interessantíssima é a da conversa do pastor com seu filho (o garoto do cartaz), na qual o religioso conta a história (estória?) de um outro menino da mesma idade, que um dia começou a ficar ensimesmado, fisicamente cansado, num quadro que evoluiu para úlceras pelo corpo e perda da sanidade, até um óbito miserável. O motivo, você deve ter deduzido, foi ter tocado em si mesmo, "lá onde Deus levantou as barreiras do pudor". Acho que nunca esquecerei essa.
Num filme que une drama, crime e algum suspense, Haneke parece interessado em teorizar sobre a maldade humana, tomando um microcosmo como parâmetro para analisar o mais trágico episódio da História recente. Afinal, os jovens ali mostrados comporão a sociedade que legitimará o nazismo, duas décadas mais tarde. Mas não é uma análise simples. Confesso que, quando o filme terminou, fiquei sem entender exatamente a mensagem. Senti-me meio burro, admito. Por isso fui atrás de algumas críticas, para compreender melhor o que me fora oferecido, mas nenhuma me satisfez. Assim, recomendo o filme (já vale pelo prazer de escutar os personagens falando alemão), mas avisando que você precisará tirar as suas próprias conclusões sobre a alma humana, suas características próprias e as influências que sofre do meio.

***

O cineasta e roteirista austríaco Michael Haneke (62), cuja formação acadêmica reúne Psicologia, Filosofia e teatro, é conhecido por seus filmes sobre temáticas violentas, que retratam a humanidade com extremo pessimismo. Venceu a Palma de Ouro de melhor direção em 2005, com Caché. No Brasil, seu filme mais conhecido é A professora de piano (2001), uma obra não comercial com uma boa carga erótica.

3 comentários:

Francisco Rocha Junior disse...

Yúdice,

Sobre A Fita Branca, sugiro a leitura de uma postagem que o Itajaí fez lá no Flanar: http://blogflanar.blogspot.com/2010/03/fita-branca-melhor-filme-estrangeiro.html
Ratifico também, ainda hoje, o comentário que fiz lá no referido post.
Abração.

caio disse...

Não é mesmo um filme de final "mastigado".

As crianças, afetadas por aquela moral rural rígida, contraditoriamente (ou não) não rejeitavam a violência. Absorviam e direcionavam para outros suas humilhações e frustrações, seja contra os adultos, seja contra os "defeituosos", repassando elas próprias a opressão que lhes impunham, mesmo para cima de alvos por vezes "inocentes". Foi como interpretei... perdão se também não fui claro, hehe.

Bom, quando assistires O Segredo de seus Olhos, entenderás a cada cena porque o oscar não foi para A Fita Branca. Pode render bons debates sobre moral x legalmente justo... e na área penal! O outro único filme argentino (e latinoamericano) oscarizado, A História Oficial, tem esse mesmo potencial, mas mais direcionado para direito de família (e, por que não, o direito humano à verdade, que o Klautau defendeu em livro). Ficam-lhe duas dicas...

Yúdice Andrade disse...

Francisco, li a postagem e a considero a melhor síntese do filme, dentre todas as que li. Nosso Itajaí é mesmo um craque e um grande humanista.

Sim, Caio, agora as ideias estão bem mais claras para mim, no mesmo sentido que mencionas.
O segredo dos seus olhos é outro filme multirrecomendado, mas que ainda não vi. Quanto a A história oficial, assisti em uma outra vida e já nem me lembro mais. Só me recordo muito vagamente da temática e de ter gostado do filme. Registrado para rever.