Como se pode imaginar, o ambiente é essencialmente rural e gira em torno da produção agrícola do barão, único empregador das redondezas. A religião, no caso evangélica, domina cada suspiro de todo e qualquer ser humano que habite por ali. Um modelo social rígido, em que todos possuem seus papeis bem definidos e nenhum falta é perdoada, por menor que seja. Uma sociedade absolutamente opressiva, que o diretor usa como metáfora para, segundo as críticas que li, tentar explicar como foi possível que a sociedade alemã aceitasse o nazismo e todo o horror que provocou.
Em síntese, acontecimentos estranhos tomam conta do vilarejo: um atentado contra o médico local, um incêndio, dois ataques violentíssimos contra crianças. O culpado jamais é identificado, embora ao final algumas explicações convenientes (para os habitantes) sejam propostas. Pessoalmente, tenho a impressão de que a teoria do professor (não contarei qual é; veja o filme), que não chega ao conhecimento geral, está mais perto da verdade. A certa altura, eu já encarava com desconfiança o grupinho sobre o qual recai a suspeita do professor.
Mas o pano de fundo tem a ver com a forma como a comunidade trata as suas crianças, notadamente o pastor, maior autoridade espiritual daquelas bandas. A fita branca que nomeia o filme (e que você pode ver no cartaz) é amarrada às vestes de seus filhos para lenbrá-los da pureza que deveriam ter, mas perderam devido a algum pecado cometido (se é que foi cometido).
Fiquei impressionado com a cena em que ele, com um estoicismo de doer, avisa aos filhos que, por uma falta cometida, será obrigado a puni-los com dez varadas, a fim de que, com o tempo, não se perca o respeito entre todos os membros da família. Mas o castigo será aplicado na noite seguinte, para que eles tenham tempo de refletir sobre seus atos. As crianças são dispensadas sem jantar e beijam a mão (imagem à direita) que as espancará em breve. Fez-me pensar na metodologia da punição que Michel Foucault descreve em seu Vigiar e punir.
Outra cena interessantíssima é a da conversa do pastor com seu filho (o garoto do cartaz), na qual o religioso conta a história (estória?) de um outro menino da mesma idade, que um dia começou a ficar ensimesmado, fisicamente cansado, num quadro que evoluiu para úlceras pelo corpo e perda da sanidade, até um óbito miserável. O motivo, você deve ter deduzido, foi ter tocado em si mesmo, "lá onde Deus levantou as barreiras do pudor". Acho que nunca esquecerei essa.
Num filme que une drama, crime e algum suspense, Haneke parece interessado em teorizar sobre a maldade humana, tomando um microcosmo como parâmetro para analisar o mais trágico episódio da História recente. Afinal, os jovens ali mostrados comporão a sociedade que legitimará o nazismo, duas décadas mais tarde. Mas não é uma análise simples. Confesso que, quando o filme terminou, fiquei sem entender exatamente a mensagem. Senti-me meio burro, admito. Por isso fui atrás de algumas críticas, para compreender melhor o que me fora oferecido, mas nenhuma me satisfez. Assim, recomendo o filme (já vale pelo prazer de escutar os personagens falando alemão), mas avisando que você precisará tirar as suas próprias conclusões sobre a alma humana, suas características próprias e as influências que sofre do meio.
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O cineasta e roteirista austríaco Michael Haneke (62), cuja formação acadêmica reúne Psicologia, Filosofia e teatro, é conhecido por seus filmes sobre temáticas violentas, que retratam a humanidade com extremo pessimismo. Venceu a Palma de Ouro de melhor direção em 2005, com Caché. No Brasil, seu filme mais conhecido é A professora de piano (2001), uma obra não comercial com uma boa carga erótica.
3 comentários:
Yúdice,
Sobre A Fita Branca, sugiro a leitura de uma postagem que o Itajaí fez lá no Flanar: http://blogflanar.blogspot.com/2010/03/fita-branca-melhor-filme-estrangeiro.html
Ratifico também, ainda hoje, o comentário que fiz lá no referido post.
Abração.
Não é mesmo um filme de final "mastigado".
As crianças, afetadas por aquela moral rural rígida, contraditoriamente (ou não) não rejeitavam a violência. Absorviam e direcionavam para outros suas humilhações e frustrações, seja contra os adultos, seja contra os "defeituosos", repassando elas próprias a opressão que lhes impunham, mesmo para cima de alvos por vezes "inocentes". Foi como interpretei... perdão se também não fui claro, hehe.
Bom, quando assistires O Segredo de seus Olhos, entenderás a cada cena porque o oscar não foi para A Fita Branca. Pode render bons debates sobre moral x legalmente justo... e na área penal! O outro único filme argentino (e latinoamericano) oscarizado, A História Oficial, tem esse mesmo potencial, mas mais direcionado para direito de família (e, por que não, o direito humano à verdade, que o Klautau defendeu em livro). Ficam-lhe duas dicas...
Francisco, li a postagem e a considero a melhor síntese do filme, dentre todas as que li. Nosso Itajaí é mesmo um craque e um grande humanista.
Sim, Caio, agora as ideias estão bem mais claras para mim, no mesmo sentido que mencionas.
O segredo dos seus olhos é outro filme multirrecomendado, mas que ainda não vi. Quanto a A história oficial, assisti em uma outra vida e já nem me lembro mais. Só me recordo muito vagamente da temática e de ter gostado do filme. Registrado para rever.
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