Terminei de ler O discurso do rei — Como um homem salvou a monarquia britânica, livro de Mark Logue e Peter Conradi, que baseou o filme homônimo, merecidamente laureado com o principal Oscar de 2011. E que me foi presenteado pela querida Bluma Moreira.
O livro é o produto das pesquisas realizadas pelo neto de Lionel Logue, terapeuta da fala do rei, em seu grande acervo pessoal. Dadas as relações familiares, identifica-se um certo ar laudatório no texto (observe o sub-título pernóstico), o que não deixa de ser curioso, à medida em que os autores ponderam, nas linhas finais, que o tom aparentemente bajulatório com que Logue se referia ao rei em seus escritos espelhava o temperamento de uma época, não sendo mero aulicismo.
A obra não corresponde ao roteiro do filme. Publicar roteiros é muito comum hoje em dia. O filme é apenas um recorte muito reduzido da trajetória dos dois protagonistas. Aliás, trata-se de uma grande licença poética, porque os fatos narrados na versão cinematográfica são muito diferentes da realidade.
Em ambas as versões, mostra-se que a gagueira do Príncipe Albert começou na infância e tinha relação com sua enorme timidez e dificuldade de relacionamento com o pai, a quem temia. Mas o livro é bem mais claro quanto às diferenças entre os dois irmãos reais: enquanto o herdeiro do trono tinha uma forte veia boêmia e um monte de amantes, tornando-se o Rei Edward VIII, que reinou por menos de um ano e abdicou ao trono por conta de seu amor por uma americana divorciada, Bertie cumpriu toda a liturgia da preparação de um membro da Família Real. Tanto que seu pai, ainda vivo, já o preferia e estava ciente de que seria um rei muito melhor.
Quem vê o filme pensa que Lionel Logue era um ator decadente, confundido com um falso médico (ele é tomado por um charlatão), que usou métodos heterodoxos para tratar o então Duque de York, o qual se esforçou muito para fazer um discurso específico, tornando-se rei e anunciando a II Guerra Mundial. Vencido o desafio, todos foram felizes e Lionel foi agraciado com um título de Membro da Ordem Vitoriana (legenda ao final da projeção).
A realidade foi bem outra. O livro mostra que o Rei George VI teve um total de 82 consultas com Logue, preparando-se para muitas dezenas de discursos. O que ele pronuncia por causa da guerra aparece antes da metade do livro. Em nenhum momento Logue é tratado como charlatão. Com a ajuda do rei, consegue a regularização da profissão de terapeuta da fala, categoria que, aparentemente, se dava bem com a classe médica. A cada grande discurso do rei, Logue tinha seu nome mencionado nos jornais e recebia cartas de admiradores. Foi feito Membro da Ordem Vitoriana por conta de sua amizade com o soberano, não como recompensa por um fato específico. Embora muito discreto, a partir de certo momento todos sabiam quem era o seu mais ilustre paciente.
Se você apreciou também a atuação de Helena Bonham-Carter, no papel de Rainha Elizabeth, lamente saber de seu pouco destaque no livro, embora fique claro que ela apoiava e admirava o marido e, sem sua colaboração, ele talvez não fosse tão longe.
Por fim, os métodos de Logue não eram assim tão heterodoxos. Basicamente, ele ensinou o então duque a respirar corretamente, assumindo o controle do diafragma, bem como a controlar sua ansiedade — o que, sabemos, interfere sobre a autoconfiança do indivíduo. O sucesso adveio da enorme disciplina do paciente ilustre.
O livro é muito interessante, mas devo admitir que, lá pela metade, eu já me desviara do seu assunto central. Até me aborrecia quando os autores voltavam a falar dos encontros entre Logue e o rei, para revisar e ensaiar o discurso. Era sempre o mesmo procedimento. A partir da metade, o livro mais chama a atenção (pelo menos de alguém que, como eu, gosta de História), pela narrativa que faz sobre a Inglaterra durante a II Guerra Mundial. Isso sim me prendeu, a ponto de me emocionar quando, enfim, torna-se certa a derrota nazista. Eu me emocionei pelo fato em si, já que o livro não é escrito em tom emotivo.
Enfim, O discurso do rei é uma obra cativante, que merece ser vista e lida.
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