quinta-feira, 28 de julho de 2011

Paridade de armas

Na pequena cidade maranhense de Turiaçu, em fevereiro deste ano, um julgamento do tribunal do júri deixou de ser realizado porque os defensores dos réus abandonaram a sessão, em protesto contra a decisão do juiz, que negou o pedido de reposicionamento da bancada defensória.
Eu sei que a maioria das pessoas classificará esta questão como de somenos importância, sobretudo os que estão fora do mundo do Direito. Mas ela não é tão insignificante quanto parece. A começar pelo fato de que o Direito é o universo mais ritualístico que existe, perdendo apenas para a religião (os termos aqui estão empregados no sentido mais genérico possível). Aliás, não é à toa que os discursos e a simbologia de ambas as searas vivem se confundindo. A toga do juiz se confunde com o batina do padre. A solenidade dos ambientes, a formalidade dos comportamentos, o uso do latim são mecanismos para restringir a atuação aos iniciados e a forçar o reconhecimento da autoridade. No tribunal do júri, o simbolismo atinge o seu ápice. O lugar onde se sentam a acusação e a defesa não são, por conseguinte, mera questiúncula.
A reportagem que li demonstra que os advogados de Turiaçu tinham boas e concretas razões para reclamar. Mas esse fato isolado apenas enuncia um debate que está longe do fim. Como é óbvio, para a advocacia o prejuízo é manifesto. Mais óbvia ainda é a posição do Ministério Público, para quem não há problema algum (quem gosta de perder privilégios?) em se sentar à direita do juiz, enquanto o advogado fica mais distante. À falta de argumentos consistentes, aferram-se na tradição (sempre foi assim, então para que mudar?) e na condição de representante da sociedade, o que lhe daria uma dupla função no julgamento (acusar e velar pela legalidade, como se todo representante do MP fosse um poço de isenção). Daí a concluir que isso vale um privilégio é um passo. Um rápido e conveniente passo.
Não é porque sou advogado e não promotor de justiça que defendo a adequação física das salas de julgamento à tão decantada e utópica isonomia entre as partes. É por reconhecer o excesso de simbolismo nos atos judiciais e por saber que, desde sempre, o Ministério Público foi tratado com supremacia em relação ao advogado, no foro. Isto é fato. Mas é um fato que só pode ser compreendido por quem milita no dia-a-dia forense e sabe que, quando um promotor entra numa secretaria ou numa sala de juiz, ele é autoridade; quando entra o advogado, ele é um estorvo e precisa ser vigiado, como se fosse presumida a sua má intenção.
Muitos juízes, até hoje, permitem-se o acinte de não receber advogados (deveriam ser expulsos da magistratura por isso). Mas eu nunca soube de uma placa dizendo "Não atendemos o Ministério Público. Não insista!" em lugar algum. Porque o MP é o próprio Estado. E o Judiciário o reconhece como membro do mesmo clube, embora não reconheça o advogado, sequer a própria OAB, em que pese o conteúdo do art. 133 da Constituição.
Em suma, a discussão não é pequena e, ao amesquinhá-la, o que pretende o MP é simplesmente deixar as coisas como sempre foram, o que é bom para ele e somente para ele.

Nenhum comentário: