Na pequena cidade maranhense de Turiaçu, em fevereiro deste ano, um julgamento do tribunal do júri deixou de ser realizado porque os defensores dos réus abandonaram a sessão, em protesto contra a decisão do juiz, que negou o pedido de reposicionamento da bancada defensória.
Eu sei que a maioria das pessoas classificará esta questão como de somenos importância, sobretudo os que estão fora do mundo do Direito. Mas ela não é tão insignificante quanto parece. A começar pelo fato de que o Direito é o universo mais ritualístico que existe, perdendo apenas para a religião (os termos aqui estão empregados no sentido mais genérico possível). Aliás, não é à toa que os discursos e a simbologia de ambas as searas vivem se confundindo. A toga do juiz se confunde com o batina do padre. A solenidade dos ambientes, a formalidade dos comportamentos, o uso do latim são mecanismos para restringir a atuação aos iniciados e a forçar o reconhecimento da autoridade. No tribunal do júri, o simbolismo atinge o seu ápice. O lugar onde se sentam a acusação e a defesa não são, por conseguinte, mera questiúncula.
A reportagem que li demonstra que os advogados de Turiaçu tinham boas e concretas razões para reclamar. Mas esse fato isolado apenas enuncia um debate que está longe do fim. Como é óbvio, para a advocacia o prejuízo é manifesto. Mais óbvia ainda é a posição do Ministério Público, para quem não há problema algum (quem gosta de perder privilégios?) em se sentar à direita do juiz, enquanto o advogado fica mais distante. À falta de argumentos consistentes, aferram-se na tradição (sempre foi assim, então para que mudar?) e na condição de representante da sociedade, o que lhe daria uma dupla função no julgamento (acusar e velar pela legalidade, como se todo representante do MP fosse um poço de isenção). Daí a concluir que isso vale um privilégio é um passo. Um rápido e conveniente passo.
Não é porque sou advogado e não promotor de justiça que defendo a adequação física das salas de julgamento à tão decantada e utópica isonomia entre as partes. É por reconhecer o excesso de simbolismo nos atos judiciais e por saber que, desde sempre, o Ministério Público foi tratado com supremacia em relação ao advogado, no foro. Isto é fato. Mas é um fato que só pode ser compreendido por quem milita no dia-a-dia forense e sabe que, quando um promotor entra numa secretaria ou numa sala de juiz, ele é autoridade; quando entra o advogado, ele é um estorvo e precisa ser vigiado, como se fosse presumida a sua má intenção.
Muitos juízes, até hoje, permitem-se o acinte de não receber advogados (deveriam ser expulsos da magistratura por isso). Mas eu nunca soube de uma placa dizendo "Não atendemos o Ministério Público. Não insista!" em lugar algum. Porque o MP é o próprio Estado. E o Judiciário o reconhece como membro do mesmo clube, embora não reconheça o advogado, sequer a própria OAB, em que pese o conteúdo do art. 133 da Constituição.
Em suma, a discussão não é pequena e, ao amesquinhá-la, o que pretende o MP é simplesmente deixar as coisas como sempre foram, o que é bom para ele e somente para ele.
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