Em mais de uma ocasião, devido a postagens que publiquei aqui no blog, fui interpretado incorretamente como tendo uma espécie de ojeriza aos ricos, no sentido de defender que estes sejam punidos severamente por seus crimes, ao passo que os pobres, supostos coitadinhos, mereceriam escapar impunemente. O questionamento voltou a ser feito e, dada a elegância da proposição, achei por bem tentar esclarecer o meu ponto de vista.
I. Meu ponto de partida é que todo crime deve ensejar responsabilização. Tenho horror à impunidade e isso se exprime nas questões mais cotidianas. Minha filha, que ainda nem completou três anos, já sente as exigências desse meu posicionamento pessoal. Se ela desobedece, sofre um castigo, mesmo que peça desculpas. Procuro fazê-la entender que não pode se desculpar só para fugir do castigo; que o pedido de desculpas é bom e deve ocorrer, mas que ainda assim ela terá que suportar alguma consequência, que pode não ser um castigo, mas a perda de um privilégio (um brinquedo ou assistir a um desenho, p. ex.).
Portanto, não me interessa se o indivíduo é rico ou pobre, instruído ou inculto: se cometeu um delito, deve ser punido, de preferência sem demora. Obviamente, essa punição deve ser proporcional à falta cometida, respeitar a dignidade humana (mesmo que o crime tenha sido uma violação dela) e corresponder à culpabibilidade (reprovabilidade) do agente, nas circunstâncias em que ele efetivamente se encontrava no momento de sua conduta.
II. Ocorre que, desde que o mundo é mundo, as normas são elaboradas de acordo com os interesses de quem está no poder. Não há sociedade que não se divida, no mínimo, em um centro decisório mínimo e uma imensa periferia que dispõe de nenhum ou de mínimas possibilidades de ação perante esse poder. As leis são criadas e executadas, portanto, na perspectiva de manter um status quo. Dentre todos os mecanismos de que o Estado se vale para implementar essa desigualdade, o Direito Penal é um dos mais eficientes e por isso mesmo dos mais empregados, porque duro e estigmatizante.
Assim, o Direito Penal tem sido instrumento de manutenção das distorções sociais, o que pode ser percebido através de estatísticas assaz conhecidas, dando conta de que a esmagadora maioria da população carcerária é composta por negros, pobres e sem instrução formal. Isso vale tanto para o Brasil quanto para os Estados Unidos, onde a disparidade se ressalta quando se observa o perfil dos condenados à pena capital.
Estas afirmações beiram o óbvio, mas apenas para os iniciados, para os estudiosos de áreas como a Criminologia, porque o cidadão comum — acrítico, sequelado pelo futebol, pelo consumo excessivo de álcool e pela aceitação imediata de tudo quanto proclamado pela imprensa — continua a acreditar em falácias como a igualdade de todos perante a lei, a boa fé do legislador, a imparcialidade do juiz, a probidade da mídia, etc.
III. Das informações acima podemos extrair uma conclusão lombrosiana: se quase todos os criminosos são negros, pobres e sem instrução, então esses fatores é que conduzem ao crime. Ou podemos ser um pouco mais inteligentes e concluir que alguma razão nos leva aos números que possuímos, ou seja, alguma coisa leva pessoas com esse perfil a praticar crimes ou, pior, leva pessoas com esse perfil a sofrer incriminações, o que é coisa bem diferente.
Não escrevo sobre ladrões, homicidas e estupradores presos ou foragidos. Para isso, há a imprensa comum e suas detestáveis páginas policiais. Não sou jornalista e não escrevo com a perspectiva de simplesmente relatar acontecimentos. Procuro comentar fatos de particular interesse e, justamente por isso, surgem as postagens destacando, apenas, as ações persecutórias contra aqueles que, de ordinário, estão acima do sistema punitivo. Escrevo sobre os ricos, quando caem nas malhas do sistema penal, porque isso é tão incomum que vale a menção e a análise de suas implicações.
IV. Também devo dizer que me irrita profundamente a fúria com que as pessoas clamam pela punição dos criminosos, mas apenas dos autores da criminalidade tosca (ave, Zaffaroni!), sendo lenientes e até simpáticos com os grandes canalhas da República. Se houvesse a mesma fúria em relação a todos, provavelmente o meu discurso seria bem semelhante ao das demais pessoas.
Já que por duas vezes o caso foi mencionado, não espero que Pimenta Neves seja preso porque é rico, não. E sim porque é um réu confesso, um criminoso condenado cuja sentença já foi confirmada em segunda instância e que permanece em liberdade apenas porque seus ótimos advogados se beneficiam de recursos meramente procrastinatórios perante cortes judiciárias lentas. Os pé-rapados, que de coitadinhos não têm nada, não dispõem de tantos privilégios assim e acabam encarcerados desde logo. O que em enfurece é a distorção, jamais a punição do criminoso.
Naturalmente, estas são ideias incipientes, que poderiam ser desenvolvidas sem parar. Mas não me posso dar o luxo de escrever sem parar (e ninguém teria paciência para ler isso, nem mesmo eu). Assim, publico desde logo essa tentativa de esclarecimento.
Eu não tenho pena de bandido, não. O que eu quero é que todos os bandidos paguem as suas contas. E, acima de tudo, quero que fique muito claro qual é o verdadeiro conceito de bandido na sociedade brasileira.
2 comentários:
Não por despeito, mas pela correria que aflige tanto você quem escreve, como aos que comentam, havia esquecido de comentar que adorei a resposta sobre a punibilidade em geral, sem discriminação de classes. Fiquei muito satisfeito com a resposta, e peço perdão pela minha postura diante das acusações que lhe fiz. Entendi completamente a sua perspectiva. Me recordei dessa postagem com base no post de hoje, sobre o banqueiro, que, para mim, foi um dos únicos a assumir suas contas com a justiça. Veremos o desfecho do caso dele também. Parabéns pelo blog.
Só lamento que você permaneça anônimo, porque sua postura digna é merecedora de elogios. Quem me dera que todos os críticos fossem como você! Sem dúvida que eu identificaria meus erros mais facilmente e aprenderia mais com eles. Mantendo a qualidade do debate, todos ganhamos no final.
Grande abraço e volte sempre.
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