quarta-feira, 4 de maio de 2011

Esquizofrenia legislativa

[Senhores leitores, esta postagem é para os iniciados em Direito Penal. Lamento excluir alguns dos gentis visitantes do blog, mas estas temáticas fazem parte de nossa razão de mantê-lo no ar.]

Caso o Projeto de Lei n. 4.208/2001 efetivamente se torne lei, o parágrafo único do art. 310 do Código de Processo Penal passará a ter a seguinte redação:

Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições do art. 23, I, II e III, do Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.

O art. 23 do Código Penal lista as hipóteses de excludentes da ilicitude: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito (lembrando que estes dois últimos institutos, para a doutrina mais atual, estão relacionados à tipicidade conglobante, não à ilicitude). Na verdade, o dispositivo acima apenas atualiza uma previsão que já existe (redação ora vigente do caput do art. 310), mas isso não diminui o problema. Antes, demonstra que o legislador perdeu a oportunidade de ser coerente.
Explico: se o juiz acredita, pelas peças de informação de que dispõe, que o acusado agiu protegido por uma justificativa, por que conceder-lhe liberdade provisória? Até se compreende que a subsistência do processo se explique pela indisponibilidade da ação penal pública, pela necessidade de confirmar se houve mesmo a suposta justificativa. Mas se os elementos presentes indicam que a conduta do acusado não foi ilícita, qual a lógica de submetê-lo a restrições sobre sua liberdade? Observe-se que, mesmo estando em liberdade, o réu deverá firmar um compromisso e corre o risco, ao menos em tese, de revogação do "benefício", podendo ser preso novamente.
Em suma, o réu parece ser inocente, mas é tratado como possivelmente culpado. Doido isso, não?
A meu ver, numa hipótese assim, a ação penal deveria ser extinta, até que o Ministério Público (ou o ofendido, em caso de ação penal de iniciativa privada) fosse capaz de oferecer elementos mais seguros da prática de uma conduta configuradora de crime em tese.

4 comentários:

Anônimo disse...

É né? Um vagabundo dando o jeito de ludibriar a justiça querendo ir roubar de novo vale até extinguir a ação. Agora quando é um policial no cumprimento dos seus deveres, eliminando esses vermes, a presunção de culpabilidade deve permanecer. Mesmo com essa tal esquizofrenia, duvido muito que ela tenha efeito para os que efetivamente se enquadrem nelas. Já os vagabundos que brincam de pira com a vida alheia devem sair com o processo extinto. Assim é a vida.

Yúdice Andrade disse...

Avisei previamente que a postagem se destinava aos iniciados em Direito Penal. O seu esbravejo torna evidente que você não entendeu o assunto em discussão. A ideia de uma pessoa ter agido sob excludente da ilicitude é completamente incompatível com "vagabundo querendo roubar de novo".
Sugiro que você procure informar-se antes de abrir a boca ou escrever, para não passar vexame.

Frederico Guerreiro disse...

Yúdice, daqui a pouco não prenderemos ninguém, ora porque não haverá provas suficientes de existência de crime e indícios suficientes de autoria, e ora porque a presunção de inocência será absoluta, este perigoso absolutismo do princípio constitucional. Os fatos comprovados serão irrelevantes, a lei será potoca e a pena uma desnecessidade, até a prescrição da pretensão punitiva.

Anônimo disse...

Concordo contigo Yúdice, até porque existem muitos casos sim de que já é possivel verificar a excludente de ilicitude nos primeiros atos investigativos, evitando assim uma prisão desnecessária, pois a confirmação da tese de excludente de ilicitude meses ou anos depois é totalmente prejudicial ao reu que é preso, mais sabidamente inocente por estas razões.

Anna Cláudia Lins