quinta-feira, 19 de maio de 2011

Se Bin Laden fosse preso no Brasil

Eu sei que poucas coisas são tão chatas quanto explicar uma piada, mas como o texto abaixo não me pareceu exatamente uma piada, e sim mais um dos habituais debochezinhos da bem informada classe média contra o sistema punitivo brasileiro, decidi ser marrento de novo e tratá-la a sério. Vamos lá:

Se Bin Laden fosse preso no Brasil:

"1. Os advogados dele teriam que estar presentes na hora da prisão para garantir seus direitos"
Não há necessidade da presença de advogados para a legalidade de uma prisão. A legalidade, em tese, advém do flagrante delito ou da existência de um mandado de prisão expedido por autoridade judiciária competente. Os executores da prisão é que deveriam zelar pela garantia dos direitos do preso. Vale lembrar que, no caso específico, a missão era para matar Bin Laden, não para prendê-lo.

"2. Todas as escutas seriam consideradas ilegais por não terem autorização de um juiz"
Nos termos do art. 5º, XII, e da Lei n. 9.296, de 1996, a interceptação telefônica para prova em investigação criminal e em instrução processual penal tem caráter excepcional e deve ser autorizada previamente por juiz, apenas quando haja fundados indícios da prática de uma conduta que constitua, em tese, crime punido ao menos com pena de detenção, se não houver outros meios para obtenção de prova. O pedido deve indicar fato específico a ser investigado e a interceptação será realizada por 15 dias, prorrogáveis por igual período. Fora dessas condições, considera-se ilícita a prova.

"3. Os policiais e militares seriam acusados de 'abuso de poder'"
Apenas se violassem as regras vigentes. Todos os dias agentes públicos exorbitam de seu poder e não sofrem qualquer sanção. A conjuntura do país é de leniência com maus agentes públicos, não de punição quando cumprem o seu dever. Este tipo de afirmação tem como único e irresponsável objetivo convencer a opinião pública de que a autoridade é punida quando viola os direitos de gente que não merece tê-los.

"4. Em três dias teria um habeas corpus decretado pelo Gilmar Mendes, por irregularidade nas investigações"
Desconheço as relações de Bin Laden com o sistema financeiro nacional. Mas Gilmar Mendes merece esse tipo de ironia.

"5. Por ser réu primário, não possuir outra condenação, ter nível superior e endereço fixo, seria logo posto em liberdade"
Bin Laden não seria posto em liberdade. Quando se trata de crimes de clamor social intenso, é extremamente difícil colocar o réu em liberdade. Vejam-se os casos Richthofen e Nardoni, para ficar em apenas dois exemplos. No máximo, os tribunais superiores o fariam, mas apenas diante de ilegalidades flagrantes. O próprio caso Nardoni e o ex-goleiro Bruno são exemplos de casos em que nem os tribunais superiores concederam a liberdade.

"6. Por possuir 'livre direito de ir e vir' seria liberado para visitas à Meca"
Mesmo no Brasil, presos não têm passe livre para exercer suas preferências religiosas. Bin Laden não seria liberado para visitar Meca, nem mesquitas, nem coisa alguma. Ele certamente seria colocado em regime disciplinar diferenciado numa penitenciária federal, dados os "veementes indícios" de envolvimento com organização criminosa.

"7. Pelo direito de 'ampla defesa' alocaria milhares de testemunhas a seu favor"
A ampla defesa é direito de todo réu, mas o Código de Processo Penal limita o número de testemunhas. O arrolamento delas é uma estratégia usual de advogados de defesa, mas pode ser contida. Em um processo de larga repercussão aqui de Belém, os advogados arrolaram uma testemunha com domicílio em Miami, porque isso implicaria na expedição de carta rogatória ao Judiciário estadunidense, sem a possibilidade de cobrar prazos. O pedido foi deferido, desde que a ré custeasse as despesas (vultosas) com a medida. Resultado: a própria defesa abdicou da manobra.

"8. O processo levaria uma década com ele em liberdade provisória"
O processo provavelmente levaria muitos anos, independentemente de qualquer coisa. Se bem que, ultimanente, em casos de grande repercussão, até se consegue um julgamento mais breve, como ocorreu no caso Nardoni. Como dito acima, não seria concedida a liberdade provisória.

"9. Condenado à pena máxima de 35 anos, cumpriria 1/6 como manda a lei"
Ignoro de onde vem essa pena de 35 anos. Ao contrário do que afirma a imprensa emburrecedora do país, é incorreto dizer que o condenado cumpre somente um sexto de sua pena. Esse é o prazo mínimo para que ele possa progredir de regime, mas a progressão não é automática: depende do merecimento do condenado. E em se tratando de crimes hediondos, o prazo é de dois quintos da pena, para réus primários, e de três quintos, para reincidentes. No caso de Bin Laden, como já acontece com Fernandinho Beira-Mar, qualquer progressão é simplesmente impensável, já que o prognóstico de reincidência é elevado.

"10. Durante o cumprimento da pena de cerca de cinco anos, poderia receber visitas das suas cinco esposas e seria liberado para sair nos feriados, inclusive no Natal"
Novamente a má fé quanto ao tempo de pena. As saídas temporárias são possíveis, em tese, para presos de bom comportamento que já tenham cumprido cerca de um sexto de suas penas e desde que estejam em regime semiaberto. Mas não se trata de um direito automático e depende sempre de uma decisão fundamentada do juiz. No caso de Bin Laden, não seria concedido.

"11. Depois de alguns meses preso, um Juiz decretaria que a prisão dele é ilegal por não constar Terrorismo no nosso Código Penal"
Bin Laden não seria processado pelo crime de "terrorismo", que de fato não existe, mas por alguma das inúmeras ações já tipificadas em lei, tais como homicídio, dano, incêndio, explosão, quadrilha ou bando, tráfico de armas, perigo para o transporte aéreo, lavagem de dinheiro, etc. Outra característica comum da imprensa irresponsável é sugerir ao público que faltam leis no país para reprimir certas condutas. É o que acontece, p. ex., com a pedofilia. Existem mentes estúpidas que querem criar um crime chamado "pedofilia", como se de outra forma não fosse possível a punição. Mentira. As situações de pedofilia são incriminadas como estupro de vulnerável, exploração sexual e até mesmo ações específicas de repressão à pornografia, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

"12. E por último, para não manchar a imagem do Brasil junto ao mundo, ele sofreria a terrível punição de doar 10 cestas básicas para as Obras Assistenciais de Irmã Dulce"
Deboche vazio. As chamadas "penas alternativas" são inaplicáveis para condenações superiores a quatro anos e, mesmo abaixo disso, para crimes cometidos com violência contra a pessoa.

"13. Finalmente receberia uma bolsa terrorismo, como compensação pela sua atuação política contra a ditadura dos 'americanos'"
A palavra "bolsa", aqui, revela que a assinatura do texto acima é de algum iluminado que não se conforma até hoje com o fato de Lula ter sido eleito presidente, pois os antilulistas adoram culpar as bolsas disso e daquilo pelas mazelas nacionais. Uma argumentação pífia, que nem merece maior atenção.

E não é que um e-mail bobo pode se tornar um pouco didático?

2 comentários:

Daniel Giachin disse...

Excelente critica. :D

Yúdice Andrade disse...

Agradeço a avaliação, Daniel.